terça-feira, 31 de julho de 2007

Tônus de Xenófanes

O poeta-filósofo pré-socrático Xenófanes (c. 570-475 a. C.) fez de suas elegias um espaço de crítica à religião e às concepções morais de seu tempo, engajado nos então crescentes problemas da polis. Seus poemas são mais do que celebrações de feitos militares e políticos ou "vinho, mulher e canção", como analisou o professor John Porter, do Departamento de História da Universidade de Saskatchewan, Canadá. Num dos fragmentos sobreviventes, o vinho entra em cena em tom contemporâneo, que em nada fica a dever às formulações do filósofo francês Michael Onfray, para o qual há um estágio de embriaguez que ilumina o caminho da razão; Onfray é crítico da bebedeira "que faz do ébrio um vassalo". Para Xenófanes, a bebida deveria despertar a mente para o meritório, longe dos embates mitológicos e dos deuses antropomórficos de Homero e Hesíodo. É de Trajano Vieira, professor de Língua e Literatura gregas da Unicamp, a brilhante tradução e recriação deste trecho de Xenófanes (Xenofanias, Editora Unicamp/IO, 2006). Agora o solo se depura, as mãos todas, os cálices;/ alguém eleva à fronte a trança da coroa;/ um outro infunde bálsamo no púcaro;/ a cratera, plena, rejubila-se;/ ultimam um vinho diverso – sua falta é inadmissível! –,/ docimel, arômata floral nos jarros; / (...) Iniciar hinos ao deus é prerrogativa de homens felizes,/ com seus mitos de augúrio, linguagem de catarse./ Finda a libação e o clamor pelo justo proceder – eis o que a tudo precede! –,/ beber já não agride, quanto permita o torna-lar/ sem amparo no escravo, se a idade não pesa.../ Digno de nota é quem, pós-beberagem, revela temas de nobreza,/ o tônus da memória no que é meritório,/ não em episódios de refregas titânicas, gigânteas, centáureas, invencionices do passado,/ ou nas revoltas sangüinárias. Que vantagem nos trazem?/ Dádiva é manter a mente nas deidades.

http://en.wikipedia.org/wiki/Krater

http://homepage.usask.ca/~jrp638/CourseNotes/LyricPoets.html

DC 22/6/2007

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