sexta-feira, 28 de setembro de 2007

Merlove, o desagravo

O documentarista californiano Rudy McClain acaba de anunciar que vai rodar um filme sobre a uva Merlot. Merlove, como a produção foi batizada, vai reunir depoimentos de vitivinicultores, principalmente aqueles que fazem da Merlot seu carro-chefe. Além dos produtores da Califórnia, McClain pretende entrevistar, a partir de novembro, vinicultores de Bordeaux e de outras regiões onde a uva é cultivada. A imagem da varietal saiu desgastada após o sucesso do filme Sideways (2004), de Paul Giamatti. Na cena mais ferina, o protagonista Miles avisa seu amigo de viagem Jack, antes de um duplo encontro romântico, que deixaria a mesa na mesma hora se alguém pedisse Merlot. (I’m not drinking any fucking Merlot!). Merlove será, portanto, um desagravo, mas não um contra-ataque. Ou seja, a Pinot Noir que o personagem Miles colocou nas alturas não será "desrespeitada". Engraçada é a polêmica travada até hoje (e o DVD está aí para alimentá-la) entre produtores reais e os personagens de Sideways. "Se Miles detesta tanto a Merlot, como pode render homenagem ao Château Cheval Blanc, no qual a Merlot está presente?" Merlove vai mostrar os respeitáveis vinhedos de Merlot da Califórnia e contar a saga dessa cepa que, a partir dos anos 90, deixou de ser "parte subserviente" do blend do Cabernet Sauvignon, para brilhar como vinho tinto mais popular dos EUA, o rei das taças, ao lado do Chardonnay. Em 2000, foi o vinho mais vendido, segundo o Wine Institute. A grande demanda multiplicou os vinhedos e a crítica passou a notar grande queda de qualidade. Merlove vai mostrar que há vinhos Merlot tão finos quanto os feitos com a Pinot Noir.

http://www.merlove.com/

http://www.foxsearchlight.com/sideways/

DC 28/9/2007

sexta-feira, 21 de setembro de 2007

Adega civilizadora

Em tempos de adegas esnobes para exibição, cai bem a lição da adega compartilhada do historiador Yan de Almeida Prado (1898-1987). A adega "civilizadora" de Yan foi homenageada em Memórias da Pensão Humaitá (Companhia Editora Nacional, 1992), do jornalista João de Scantimburgo, diretor deste Diário do Comércio, e nos vários livros do connaisseur Dr. Sérgio de Paula Santos, titular da 'Adega' desta página. Scantimburgo e Paula Santos falam de cátedra, pois conviveram com a boa mesa, inteligência e cultura de Yan. Durante décadas a residência do historiador (primeiro na avenida Brigadeiro Luís Antônio com rua Humaitá, depois na Guaianases) foi um salão freqüentado por intelectuais, escritores, políticos. De Villa Lobos a Monteiro Lobato. De Ungaretti a Ciccillo Matarazzo e Prestes Maia – todos convidados da Pensão Humaitá, como Marcelino de Carvalho, o cronista das boas maneiras, em tom de blague, batizou a casa de Yan. Assis Chateaubriand, dos Diários e Emissoras Associados, fundador do Masp, tinha assento nas cenas enogastronômicas. Certo dia, chegou eufórico à Pensão onde anunciou a Yan que acabara de comprar o quadro Conde-Duque de Olivares, de Velázquez. Contagiado com a notícia, ele também bibliófilo e amante das artes, Yan não pensou duas vezes para abrir um champagne. "Batizemo-lo agora mesmo, ainda que esteja ausente", teria dito a Chateaubriand. Scantimburgo (na foto com Yan) relembra vários episódios como este. A adega com grandes vinhos (Margaux, Latour, Yquem, Lafite Rothschild, Ausone, Beychevelle, Belair, Figeac), das melhores safras, era sempre aberta pelo anfitrião para celebrar a amizade. Paula Santos fala de 4 mil garrafas na sua época áurea. Yan morou vários anos na França e conheceu a arte dos bons vinhos europeus. Sua adega sempre foi compartilhada com os amigos. Paula Santos destaca a generosidade de Yan, capaz de abrir um Château de Yquem nas comemorações de seus 50 anos.


http://www.chateau-latour.com/index.html

http://www.chateau-cheval-blanc.com/htm/entree.htm

DC 21/9/2007

sexta-feira, 14 de setembro de 2007

As pedras de Randall Grahm

Cabelo comprido amarrado em desleixado rabo de cavalo, sorriso sempre no rosto, Randall Grahm é dono da Bonny Doon Vineyards, nas Montanhas de Santa Cruz, Califórnia. É um rhône ranger, como foram batizados os americanos que cultivam à francesa as cepas clássicas do Vale do Rhône. Com visão humanista, cativa produtores e cientistas ao fazer sempre uma apaixonada defesa da biodinâmica como ferramenta para a compreensão de cada terroir. De maneira bem simplificada, vinhos de terroir expressam características de paladar influenciadas por solo e microclima existentes tão somente em determinado vinhedo. Não à toa, um ensaio por ele assinado, The Phenomenology of Terroir: a Meditation, está disponível no site da Appellation America, entidade ligada à indústria do vinho dos Estados Unidos que tem como missão contribuir para o que chama de "appellation-ization" do vinho do país. Ou seja, trabalha para mostrar que o conceito de terroir já integra a prática de muitos produtores de vinhos finos dos EUA. Nas palavras de Grahm (e é preciso deixar claro que falar em terroir é entrar num campo fértil de controvérsias), terroir é também a qualidade encontrada em certos vinhos especiais, que transcendem estética e estilo pessoais do produtor. "Uma impressão digital única", diz Grahm. Sabendo que ele é um fã dos toques minerais nos vinhos, temos somente de desculpá-lo por uma experiência maluca, realizada na sua vinícola. Para arrepio dos cientistas e produtores tradicionais, Grahm foi mais do que literal ao tentar dar mineralidade a seu vinho: moeu pedras do seu terreno e as acrescentou à bebida em fermentação. Conseguiu, sim, alguns resultados com a infusão ingênua, mas arrumou confusão com as autoridades sanitárias, já que esse vinho supermineralizado apresentou elevados níveis de níquel.

http://wine.appellationamerica.com/wine-review/136/Randall-Grahm-on-Terroir.html

http://www.rhonerangers.org/

DC 14/9/2007

quinta-feira, 6 de setembro de 2007

'Cyrano' Depardieu

Gérard Depardieu não dá a mínima para os jornalistas que brincam com seu nariz avantajado, creditando ao bom faro do ator seus sucessos no mundo do vinho. Uma relação para lá de mnemônica. Na sua mais conhecida peça, o dramaturgo Edmond Rostand apresenta Cyrano de Bergerac, duelista e poeta ao mesmo tempo brilhante e atormentado, com um nariz descomunal a impedir-lhe declarar sua paixão por Roxane. Depardieu transformou-se em Cyrano no cinema (1990) e pouco foi preciso para a caracterização do narigudo. A bela interpretação de Cyrano, o livre-pensador e atirador contemporâneo de Molière, garantiu-lhe uma indicação para o Oscar e mais um dos cachês milionários. É com esse dinheiro que ele tem investido em propriedades vinícolas mundo afora: além da França, está na Espanha, em Portugal (Alto Douro), na Argentina e no Marrocos. Adquiriu o Château de Tigné, em Anjou, no Vale do Loire, em 1989. De lá saem mais de 400 mil garrafas por ano, entre elas do Cuvée Cyrano, um assemblage de Cabernet Sauvignon e Cabernet Franc, em justa homenagem a Savinien de Cyrano de Bergerac (1619-1655), que lhe emprestou alma e nariz. O passaporte de Gérard Depardieu é revelador dessa sua paixão. No item ocupação, informou à polícia francesa com humor e certo orgulho: "ator e viticultor". Jornalistas dissem que ele mais parece um motorista de trator, daqueles que podem ser vistos entre vinhedos do Languedoc. E disso ele gosta. O charme gaulês já abriu-lhe portas até no seleto clube dos viticultores de Bordeaux.

http://news.bbc.co.uk/1/hi/business/4262234.stm

687832">http://pt.livra.com/review.asp?R>687832

DC 6/9/2007