segunda-feira, 26 de setembro de 2011

No tempo das diligências

Uma vinícola no sudeste da Austrália, na região agrícola de Padthaway, celebra no rótulo de seus vinhos o velho tempo das diligências e seus personagens, que habitavam um século XIX ainda de muita poeira. Aliás, a própria propriedade, criada em 1992, foi batizada de Henry's Drive Vignerons em homenagem ao concessionário de um desses meios de transporte. Henry John Hill operava uma diligência mista, de transporte de passageiros e também de correspondências, que tinha justamente essa propriedade agrícola como um de seus pontos de parada. Rotas eram chamadas de "drives", daí o complemento do nome da vinícola. A Henry's Drive Vignerons é tocada hoje pela simpática neozelandeza Kim Longbottom e pelas enólogas Renae Hirsch e Kim Jackson. O rótulo de seus vinhos põe na prateleira personagens como o dono do serviço de diligência (Henry's Drive Shiraz), o pastor que sempre aparecia por Padthaway para apaziguar seu rebanho (Parson's Flat Shiraz Cabernet) e até mesmo John Montford, uma bandido que, em 1863, usando no rosto um lenço marrom, assaltou a diligência levando um malote de cheques. O vinho foi batizado de The Trial of John Montford. O assaltante que assustou a população local foi condenado.

http://www.henrysdrive.com/

Diário do Comércio de 23/09/2011

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Do sorgo ao Bordeaux

Para a histórica viagem que fez à China, em fevereiro de 1972, Richard Nixon foi instruído por seus assessores sobre cada detalhe da "exótica" mesa oriental. Por segurança alimentar, depois dos tradicionais brindes com o primeiro-ministro comunista Zhou Enlai, Nixon deveria apenas "bicar" de leve a taça com o vinho, naturalmente feito de sorgo. A imagem-símbolo da visita, entretanto, foi a do presidente americano manejando com certa desenvoltura seus "pauzinhos" no banquete oferecido no Grande Hall do Povo, não distante da Praça de Tiananmen. Os anfitriões de Beijing gostaram. E os chineses de Nova York comemoraram o início dos bons negócios e de uma nova percepção da comida chinesa nos Estados Unidos, escreve Andrew Coe em Chop Suey (Oxford University Press/2009). É claro que o vinho de sorgo não pode ser comparado aos vinhos franceses estocados no Air Force One. No avião, à disposição de Nixon, no caso de uma emergência, garrafas de Ballantine's de trinta anos, Château Margaux 1966, Château Lafite Rotschild 1966, Château Haut Brion 1955 e champagne Dom Perignon. Hoje, com a economia chinesa em expansão e o crescimento de uma classe de endinheirados, não seria difícil encontrar os melhores vinhos Bordeaux e Borgonha numa mesa chinesa. A entrada dos chineses nos mercados de vinhos finos – desbancaram no ano passado os ingleses e alemães no ranking dos compradores de Bordeaux – tem pressionado os preços. Em maio deste ano, um chinês pagou 135 mil libras por uma única garrafa de Château Latour, em leilão na Christie's de Hong Kong. Uma reportagem no jornal The Guardian mostra que os chineses não estão somente comprando boas garrafas, mas também andam adquirindo vinhedos na França. A Cofco, um conglomerado estatal, proprietária das bebidas Great Wall, comprou 20 hectares do Château de Viaud, em Lalande de Pomerol.

Diário do Comércio de 16/09/2011

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Chilenos de raiz

Enquanto a terrível Phylloxera destruiu vinhedos em toda Europa nos anos 1860, as parreiras do Chile mantiveram-se saudáveis e produtivas. O ataque às raízes da vitis vinifera começou na França, avançou pela Europa e "escapou" também para a África do Sul, Austrália e Nova Zelândia. Esses países deram a volta por cima plantando suas mudas em raízes americanas. Estas raízes são resistentes ao minúsculo inseto nativo da América e a técnica não cria híbridos nem interferem na qualidade original das uvas. Um dos livros mais interessantes e recomendados sobre os solavancos da viticultura nesses anos da Phylloxera é The Botanist and the Vintner – How Wine was Safe for the World, do jornalista Christy Campbell (Alonquin Books os Chapel Hill/2005). Essa qualidade dos parreirais chilenos – a de conservar raízes intactas pré-Phylloxera de pelo menos 100 anos antes da praga – é bandeira evidente nos rótulos e material publicitário da vinícola Root 1, que colhe suas frutas nos vales do Colchágua e Casablanca. A Root 1 também aposta em médotos de produção sustentável e pratica série de replantios na região. O enólogo Felipe Tosso faz um Cabernet Sauvignon concentrado que é a marca dos vinhos do Colchágua. Do mesmo vale sai o seu Carmenère, "a uva perdida de Bordeaux" redescoberta no Chile em 1994. A Pinot Noir nasce em Casablanca, beneficiando-se do intenso sol e das tardes frias da região de Tapihue.

www.root1wine.com

DC de 2/09/2011

Dionísio em Naxos

Um ditado propagado a partir da Grécia diz que quando alguém bebe vinho, primeiramente canta como um pássaro. Quando bebe mais um pouco, torna-se forte como um leão e está pronto para lutar. E quando bebe mais ainda, exageradamente, age exatamente como um asno. A moral do dito não combina muito bem com Dionísio, mestre dos excessos, mas é ao deus do vinho que se recorre para explicar o ditado, que tem versões semelhantes, com estes ou outros animais, em vários países da Europa. Tudo começa com Dionísio ainda adolescente em sua viagem a ilha de Naxos (por sinal, a preferida do romântico Byron), relata a escritora Patricia Storace em Dinner with Persephone (Random House/1997). No meio do caminho, ao parar para descansar, topa com uma muda que lhe atrai pelas pequenas e belas folhas. Resolve levá-la para plantar em Naxos. Mas o sol está forte e, para proteger a muda, resolve colocá-la dentro do osso de uma ave encontrado na estrada. A planta vai crescendo, o sol não dá trégua, e Dionisio coloca a muda e o osso da ave no buraco do osso de leão. Depois, com as gavinhas já à mostra, o conjunto é acomodado dentro do osso de um asno. Ao chegar a Naxos, não consegue separar as raízes da planta dos três ossos e temendo destruir a planta, que "crescia tão rápido como corre um rio", resolve plantá-la com todas as suas proteções na terra preta da ilha. A muda, uma videira, dá exuberantes frutos em Naxos e dessas uvas Dionísio faz o primeiro vinho.

Diário do Comércio de 9/09/2011