quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Na Toscana dos Medici

Os grandiosos casamentos e festas da nobreza florentina, a começar das organizadas por Lorenzo, Il Magnifico, no século XV, passando posteriormente pela de Cosimos e Ferdinandos, quase sempre aparecem descritos entre suspiros em cadernos de viajantes e são colocados em ordem pelos historiadores – excessos renascentistas que se contrapunham à rusticidade e frescor de uma cozinha simples, ligada a ingredientes locais de qualidade, até hoje a marca da culinária toscana. Os vinhos da terra, portanto, que embalaram a Renascença dos palazzi e das praças, não foram esquecidos. Guido Biaggi, por exemplo, tratou dos 50 barris de vinho branco doce servidos no casamento de Giovanna de Medici. Vinhos brancos em profusão também alegravam as ruas de Florença, em festas populares como a de São João Batista, em plena Piazza della Signoria. Sir Robert Dallington escreveu, em 1605, que o vinho era, sem comparação, a "grande commodity da Toscana". Cito as uvas relacionadas por ele, como ele as grafou: Canaiola, boa tanto para a mesa como para vinificar; a pequena Passerina; a Trebbiana, a melhor das uvas brancas, para o vinho Trebbiano; a Moscatello; a Raverutta, que garantia cor a alguns vinhos; San Columbana; a delicada Rimaldesca; Lugliola e a Cerisiana, dos vinhos com toque de cereja. Por todas essas minúcias descritivas não é de todo equivocado especular sobre uma provável qualidade dos vinhos servidos na mesa dos Medici, na qual o Chianti era ainda sinônimo de vinho branco, escreveu o crítico inglês Hugh Johnson, no prefácio de The Fine Wines of Tuscany and Central Italy, um guia da série Fine Wine, de autoria do especialista Nicolas Belfrage. Há que se lembrar também que a primeira denominação de qualidade dos vinhos da Toscana saiu de decreto do Grão Duque Cosimo III de Medici, em 1716. Regiões geográficas de produção passaram a ter direito de exclusividade: Carmignano, Pomino, Chianti e Valdarno. O declínio dos vinhedos italianos passou pela troca de vinhedos por culturas de subsistência e pela devastadora Phylloxera, que dizimou as parreiras europeias nas últimas decadas do século XIX. Até os anos 60, salvo raras exceções, os vinhos italianos eram de baixa qualidade, animavam festas locais e alcançavam os nativos em sua diáspora. Hoje, mais de 40 anos depois, os vinhos da Toscana vivem uma nova Renascença. A Toscana progrediu de vinhos folclóricos para alguns dos tintos mais ressoantes do mundo, diz Johnson. DC de 31/0/2012

domingo, 26 de agosto de 2012

Vigno do Maule

Um grupo de abnegados vitivinicultores chilenos da região do Maule foi à luta para colocar seus vinhos da uva Carignan no mercado mundial. Para isso, criaram a Vigno (Vignadores de Carignan), que cuida da preservação e da qualidade de uma cepa intrinsecamente ligada à gente da terra e que garante sua promoção internacional. Reunidos em Nova York em junho, selecionados críticos e sommeliers degustaram algumas dezenas de rótulos. A avaliação geral é a de que a maioria desses produtores de vinhos varietais de Carignan está no caminho certo, produzindo bebidas de muito boa qualidade. Foram ouvidos elogios à equilibrada acidez e críticas ao excesso de madeira em algumas garrafas. A história da uva Carignan no Maule começa para valer em 1939, após o devastador terremoto no Chile, tremor que afetou principalmente a região de Chillán (uma área que hoje combina cenários agrícolas e pastoris com estações de esqui de muito charme). Depois da tragédia, que arrasou as plantações, viticultores locais, a conselho dos órgãos de agricultura, trataram de plantar a Carignan como tentativa de reerguer a viticultura da região. Tanto a Carignan que aportou no Chile no século XIX (era elegante ter cepas francesas em seu mapa) como a uva que "renasceu" após o terremoto nunca tinham aparecido nos rótulos chilenos como estrela. Isso acontece agora, 70 anos depois, com a Vigno. Doze viticultores (Bravado Wines, De Martino, Garage Wine Co., Gillmorwe, Lomas de Cauquenes, Meli, Miguel Torres, Morandé, Odjfel, Undurraga, Valdivieso e Viña Roja) participam do projeto, que tem regras e delimitações bem definidas. Os vinhos da Vigno precisam ter 65% de Carignan, de videiras de mais de 30 anos, uvas colhidas na sua totalidade da área "secano", sem irrigação, mesmo aqueles 35% que comporão o blend. Os vinhos precisam ainda ter dois anos de guarda em barricas novas antes da sua comercialização. www.vignadoresdecarignan.com/ DC de 24/08/2012

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Os vinhos e as línguas

Atenta à crescente globalização da enogastronomia, a jornalista Roberta Malta Saldanha acaba de lançar seu Minidicionário de Enologia em 6 Idiomas,uma publicação da Editora Senac-Rio, obra de apoio não só aos apreciadores de vinho interessados na rica terminologia da área, mas também de utilidade para estudantes, sommeliers e demais profissionais. Roberta já havia dado suas contribuições à gastronomia nacional quando organizou, em 1995, o primeiro grande evento internacional do gênero, o Boa Mesa. Mais tarde, escreveu o precioso Dicionário Tradutor de Gastronomia em Seis Línguas, que com edição revista e atualizada, será relançado em breve também pela mesma editora. No dicionário enológico, os verbetes têm breve entrada em português, seguidos das traduções em inglês, espanhol, francês, italiano e alemão. Os mais renomados especialistas brasileiros dão respaldo aos conceitos. O primeiro verbete traz a palavra abacaxi, tratado como aroma característico de alguns vinhos brancos jovens. O último, na letra "z", apresenta a zurrapa, o vinho estragado, de má qualidade, seguido das traduções: pricked wine, paint stripper, vino (inglês dos EUA) ou plonk (Reino Unido). Vinucho, zupia e peleón (Espanha); vinasse, vinelle, pinard, pipi de chat (França); vinaccio (Itália) e krätzergros (Alemanha). Em "Adamado", aprendemos que o termo é usado em Portugal para designar um vinho doce e suave, próprio para as damas. Como tradução temos, respectivamente: sweetish, dulce e suave, doux, dolce e morbido e süs und sanft. DC de 17/08/2012

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Assyrtiko, a rainha de Santorini.

A autóctone assyrtiko é a cepa de 80% dos vinhedos de Santorini, uma das Cíclades, responsável por vinhos brancos de qualidade que vão ganhando o mundo graças às apreciadas características de alta acidez e mineralidade de solo vulcânico. Neste agosto, com o início da colheita, a ilha vive uma verdadeira onda de festas (panigyria), incorporando nas celebrações gastronômicas e religiosas a massa de turistas de verão. Nos anos 80, a produção ainda era de vinho barato, vendido para misturas, e, como diz um analista local, "os vinhedos eram sacrificados no altar do 'quarto para alugar' e do 'mini market'", referindo-se ao boom imobiliário. Nos últimos anos, com novas gerações à frente dos negócios, a vitiviniticultura se profissionalizou – há pelo menos 10 vinícolas de respeito – e passou a ser reconhecida como grande reforço à vocação turística da ilha. Quem visita hoje Santorini verá que as parreiras de chão, retorcidas e moldadas como pequenos ninhos (invenção fenícia contra as ventanias), estão por toda parte, dos organizados platôs da vila de Pyrgos aos terrenos mais ou menos escarpados. Foram plantados ainda, sem cerimônia, entre hotéis e restaurantes. A tradicional Canava Roussos de Ioannis Roussos, fundada em 1836, mantém alguns dos seus pés na vizinhança do sítio arqueológico minóico de Akrotiri. A Boutari tem instalações modernas em Megalohori (foto). Além da Assyrtiko, a Aldani e Athyri são as duas cepas brancas que participam no blend dos regulamentados vinhos Santorini. Entre as variedades tintas, os destaques são a Mantilaria e a Mavrotragno. As raras Voudomato, Katsano, Gaidouria, Flaskia, Potamisi, Mavrathyro e Aitonyhi, entre quase 4 dezenas de cepas locais, também começam a ser vinificadas, em pequena escala. Antes dos brancos, Santorini sempre vendeu seu Vinsanto, vinho de sobremesa escuro e forte. No final do século XIX, os russos compravam quase todos esses vinhos doces. Mas já há rosés de qualidade, como o da vinícola Artemis Karamolegos, que pode ser harmonizado com pratos sofisticados dos restaurantes Elia, na praia de Kamari, ou do célebre 1800, em Oia, este comandado pelo arquiteto-restaurador Ioannis Zagelidis. A verdade é que os arqueobotânicos de plantão ainda têm uma pergunta sem resposta sobre a viticultura na tormentosa Santorini: como pôde a varietal Assyrtiko sobreviver milhares de anos, mesmo depois da grande erupção de 1.600 AC que destruiu tudo por lá, transformando a própria cara da ilha. Certo mesmo é que a parreiras de Assyrtiko encontradas hoje em Santorini são filhas legítimas da mesmíssima planta que por ali estava há muito mais de 3 mil anos, escreveu o estudioso americano Curt Christopher Freesa, da Universidade de Cincinatti. P.S.: A importadora Vinci tem dois desses ícones brancos no seu catálogo – Kallisti e Santorini. DC de 10/08/2012