quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Vinísfera.com: o México se move.

Um editorial de Carlos Valenzuela, um dos criadores da revista mexicana Vinísfera, ao lado de Marcos Martínez, aponta para um novo ciclo da publicação, que deixa de ser editada em papel e ganha vida na internet. A aposta é no site Vinísfera.com, com anseios renovados: tirar a solenidade exagerada do vinho para que a bebida possa alcançar o paladar de mais mexicanos e, agora, de internautas do mundo inteiro. Valenzuela usa como mote da mudança a frase inscrita no Nautilus de Julio Verne, em Vinte Mil Léguas Submarinas: 'Mobilis in Mobili' (Movendo-se dentro de um meio em movimento). Quer ampliar o leque de temas e aproveitar a instantaneidade dos novos meios de comunicação. Aposta em "frescor" das notícias sobre vinhos. Desde seu primeiro número, Vinísfera, engendrada em Guadalajara, explorou alguns interessantes paradoxos. Por exemplo: como a região pioneira no cultivo das videiras na América Latina se distanciou tanto da cultura do vinho? Reportagens mostraram que o México retoma a tradição vinícola, principalmente através da informação e do consumo, que tem crescido a uma média de 12% ao ano. Trinta por cento dos vinhos bebidos no país já são locais; o restante importado principalmente do Chile e da Espanha. O aumento da procura anima produtores, que já cuidam de vinhedos em áreas de Querétaro, Zacatecas e Aguascalientes. Esperemos que a concepção gráfica arrojada da Vinísfera de papel contamine o site. A Vinísfera sem o "ponto com" não tinha medo de incluir entre suas páginas de vinhos, bons textos sobre música e arte contemporâneas.

http://www.vinisfera.com/revista/

DC de 11 de dezembro de 2009

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Carménère do Alto Maipo

Desde que a uva Carménère foi "redescoberta" no Chile, há 15 anos, os viticultores tratam de experimentar as possibilidades de expressão da cepa em várias de suas regiões. A pequena e competente vinícola Pérez Cruz faz suas experiências com a Carménère e outra meia dúzia de variedades no Alto Maipo, região até então muito celebrada pela Cabernet Sauvignon. O enólogo Germán Lyon esteve em São Paulo no final de novembro para apresentar cinco vinhos da jovem casa, localizada no Fundo Liguai de Huelquén, 45 km a sudeste de Santiago, rótulos trazidos para o Brasil pela importadora Wine Company. O vale do Colchágua já foi aprovado como terroir da Carménère, com vinhos bem avaliados. O Alto Maipo é área em franco desenvolvimento para a cepa. É onde a Pérez Cruz tem uma das bodegas mais bonitas do Chile. Durante muitas décadas, o país teve sua Carménère tratada como Merlot, até que o ampelógrafo francês Jean Michel Bourisiquot identificasse a "a cepa perdida de Bordeaux". O Chile, protegido pela Cordilheira dos Andes, o Pacífico, Atacama e Antárdida, foi o único país do mundo a escapar do flagelo da Phylloxera que devastou vinhedos na França do século XIX. A Carménère dizimada no Velho Mundo estava escondida no Chile, encontrada por Bourisiquot em Viña Carmen, no Alto Jahuel.

www.PerezCruz.com

www.WineCompany.com.br

DC de 4 de dezembro de 2009

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Um difícil mapa da Itália

A De Long é uma empresa britânica especializada em mapas e gadgets do mundo do vinho. A tabela-pôster das variedades de uvas é um best-seller. Eles também são especialistas em mapas das regiões vitivinícolas de todo globo. Pois não é que essa empresa teve de adiar o lançamento do mapa atualizado da Itália, previsto para dezembro deste ano, por causa da confusione de uma aparentemente inextricável teia de regiões. No fundo no fundo, o italiano ainda pensa em suas cidades como as antigas cidades-estado, cada uma merecedora de um orgulhoso mapa próprio – países com fronteiras nada virtuais que sobrevivem à Itália unificada. E os exemplos são vários. Os redatores da De Long acharam fácil, por exemplo, incluir no novo mapa a Terre dell'Alta Val D'Agri DOC (Denominazione di Origine Controllata), desde 2003 credenciada como região vinícola na Basilicata. Difícil mesmo foi entender o documento que define a Riviera Del Brenta DOC. Segue parte de um hilário documento (melhor ainda em italiano), reproduzido no blog da De Long.
Tale zona è così delimitata: partendo da via Valmarana in comune di Noventa Padovana all’intersezione della autostrada A 4 Serenissima, la delimitazione prosegue lungo questa strada verso est fino al semaforo, ove gira a destra verso il centro di Noventa Padovana lungo la via Roma; superato il ponte sul canale Piovevo il confine gira a sinistra lungo l’argine in via Argine Destro Piovevo per poi proseguire su strada bianca mentre il canale Piovevo delimita il territorio verso est fino a raggiungere il confine amministrativo tra Padova e Venezia. Da questo punto la delimitazione è rappresentata da tale confine fino all’ incrocio con la strada provinciale Vigonovese e percorre questa in direzione sinistra verso Villatora di Saonara lungo via III Novembre, alla fine della quale il confine svolta a destra in via XX Settembre e quindi a sinistra in via Mazzini fino al semaforo. A questo incrocio, girando a sinistra in direzione Saonara, si percorre la strada dei Vivai per uscire al primo svincolo a destra in direzione Legnaro e quindi a sinistra in direzione Sant’Angelo di Piove di Sacco lungo via Morosini. Allo stop la delimitazione gira a sinistra per entrare a Saonara in via Roma per poi proseguire diritta per la strada che diventerà prima via Valmarana e poi via Caovilla ed entrare quindi nel comune di Sant’Angelo di Piove di Sacco attraversando via Roma prima e via IV Novembre poi. Superato il centro di sant’Angelo di Piove di Sacco, in corrispondenza di una curva a gomito a sinistra di via IV Novembre, il confine gira a destra proseguendo fino al semaforo che incrocia la strada provinciale n. 12. Da qui gira a destra in direzione di Piove di Sacco lungo la via Alto Adige che successivamente diventa via Scardovara, per girare quindi a sinistra in via T. Vecellio, che percorre interamente fino al comune di Campolongo Maggiore da dove, all’intersezione con via Righe, gira a destra in direzione Corte. Oltrepassa quindi la ferrovia e prosegue fino al semaforo in centro del paese di Corte, da dove gira a sinistra per arrivare al fiume Brenta e oltrepassato il ponte, gira a sinistra in via Sampieri e quindi subito a destra in via Fiumazzo.Questa viene percorsa costeggiando l’argine, sino al confine provinciale tra Padova e Venezia da dove parte, sulla destra, il canale Cavaizza che rappresenta il limite sud-est del territorio delimitato, fino ad arrivare sulla strada statale n. 309 Romea. Il confine territoriale prosegue quindi verso nord lungo la strada statale Romea in direzione Venezia, fino al canale Seriosa (Km. 122,100), per girare a sinistra al semaforo, per via La Seriosa Veneta Sinistra verso località Casona; quindi attraversa il canale per proseguire lungo via Sabbiosa ... E assim vai o documento de identificação da Riviera Del Brenta DOC, com mais alguns detalhes.

http://www.delongwine.com/news/2009/11/23/the-making-of-an-italian-wine-map/

DC de 27 de Nov. de 2009

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Pai de Capitu defende liberdade do gosto

Os esnobes do vinho, com sua estudada linguagem de exclusão (desconsideremos os meros papagaios), são sutilmente massacrados em Liquid Memory (Farrar,Straus and Giroux/New York/2009), livro recém-lançado de Jonathan Nossiter, o polêmico diretor de Mondovino. Nossiter faz questão de explicar que o livro não é uma continuação do filme. Em Mondovino, fez uma colagem de elementos para uma "antropologia cômica do mundo do vinho", com seus agentes se debatendo entre a geografia local e a global, entre viticultores apegados à tradição de imutáveis terroirs e os afeitos à tecnologia que literalmente viaja pelos quatros cantos do mundo em nome da hegemonia do gosto. Em Liquid Memory, o vinho e quem o bebe entram em cena submersos em intrincadas conexões culturais e muita memória. Nossiter sabe bem o quanto de "mafioso" há no ambiente da indústria vinícola, que ganha reforço nos textos cifrados das grandes publicações. Chega a comparar a linguagem empregada por críticos, sommeliers, restauranters e um e outro auto-intitulado connoisseur à visão orwelliana da abusiva e intencional inversão da linguagem em regimes totalitaristas. É com certo horror a essa realidade que o autor trata de defender a travessia de todas as fronteiras ideológicas e comerciais que oprimem a liberdade de escolha dos vinhos que vamos beber. Mas nada de vale-tudo, bem entendido, pois ele é igualmente crítico em relação aos "populistas do vinho" que tratam de propagar a ideia de que vinho é tudo a mesma coisa, reduzindo à nada "vários milênios de experimentação cultural e agronômica". Nossiter dá uma nova cor ao conceito de terroir. Não gosta daquela prática imobilizada exclusivamente como reserva de mercado. Exalta é o terroir que inclui ao propagar e dividir a sabedoria de gerações, um terroir capaz de viajar com o vinho na bagagem da cultura. "O terroir forma meu senso de paladar onde quer que eu esteja vivendo [mora atualmente com a mulher Paula e os filhos Noah, Capitu e Miranda, no Rio de Janeiro]. (...) Sem terroir – no vinho, no cinema, e na vida, (e sou mais feliz quando os três se confundem) – não há individualidade, nem dignidade, nem tolerância, nem civilização compartilhada". Um terroir que une? Sim, e o contexto é fundamental nessa hora. Nossiter cita o Aglianico de Vulture, da Basilicata, sul da Itália, vinho que degustou no Rio na companhia dos amigos diretores Walter Salles e Karim Aïnouz. O vinho era da mesma região de Matera, onde o cineasta de paixão comum, Pier Paolo Pasolini, filmou o Evangelho Segundo São Mateus. O vinho estava bom também por causa dessa herança. E não somente porque era de uma boa safra (1998) e saíra das boas mãos dos Paternoster.

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

A mesa, riserva superiore da memória

Alfonso Cevola se lembra bem dos piqueniques que fazia com os tios Vittina e Peppino em áreas campestres da Sicília de seus antepassados. Aboletavam-se no Cinquecento munidos de frescos arancini (bolinhos de arroz na forma de laranja), uma feta de queijo caciocavallo e água mineral gasosa para misturar com um "vigoroso" vinho tinto tirado da cantina, fresco e forte. No caminho, parada obrigatória na vinícola de um amigo da família, onde Fiats e Ferraris se misturavam a barris e garrafas. Era hora da sobremesa, pequeno capi duzzi di ricotta com Marsala Riserva Superiore, de 10 anos – Marsala que é um dos orgulhos dos habitantes dessa terra árida que abriga inebriantes ruínas da Magna Grécia. Essa é apenas umas das muitas histórias do blog "On The Wine Trail in Italy", de Alfonso Cevola, ítalo-americano, viajante contumaz e detalhista, que há muito tempo escreve sobre vinhos italianos e desde 2006 tem publicado na internet alguns textos que recriam a atmosfera do início do século passado, quando a sua família chegou aos EUA. Não à toa, seu blog é avaliado, por internautas de peso, como um dos espaços mais poéticos sobre vinhos e suas circunstâncias. Ele coloca paixão nas lembranças da Itália de seus pais e avós, aquela dos pequenos vinhedos e pequenas propriedades, e do seu EUA de imensidões. Se diz "sustentado pelas energias da Califórnia, Texas, Sicília e do Adriático". O rico acervo pessoal de fotografias contribui para o clima nostálgico, época em que as refeições em família, com a divisão da comida e do garrafão de vinho, eram parte de um rito sagrado. Cevola nos mostra uma foto muito expressiva, de 1972, na qual aparece com sua avó. Ele pede ao leitor que preste atenção à mesa: todas as delícias feitas por ela, tempo de uma Itália que celebrava a importância de fazer as coisas com as próprias mãos, a pasta, a roupa, o sapato... Mãos que manuseavam ferramentas na colheita das uvas com a mesma delicadeza com que faziam a pasta no quintal, à sombra de figueiras e encantos de um jardim de rosas. Hoje "o vinho é melhor, a comida é mais saudável, mas não é a mesma coisa", escreve Cevola. A memória cultivada proustianamente por Cevola, entretanto, não o impede de proclamar à exaustão um Carpe Diem, que pode vir embalado com exercícios para descoberta do atual vinho do coração, como o daquele copo com um jovem Cerasuolo di Vittoria, num pátio à sombra de palmeira, onde ouvia a avó cantar e cozinhar enquanto o avô aguava as plantas, aromas de orégano e manjericão regando seus sentidos com luminosidade e vigor. Minha avó Rosa Troncarelli nasceu em Roma. Muito diferente de Cevolo, nunca soube nada de sua rotina e dieta de imigrante, trabalhadora que foi, com meu avô Eugênio Quinteiro, em fazendas de café da região de Botucatu. Mas pelo menos uma migalha de memória foi registrada: pão às vezes mergulhado em vinho tinto (misturado com água) era alimento já no café da manhã.

http://acevola.blogspot.com/2007/11/finding-your-wine.html

Diário do Comércio de 6/11/2009

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Elegância e precisão em guias ingleses

O corpo editorial da revista inglesa The World of Fine Wine está envolvido em outra empreitada de peso: a publicação de guias atualizados das várias regiões vitivinícolas do globo. Os primeiros em circulação são guias de Champagne e da Toscana (incluindo informações sobre toda a Itália Central). Por trás do projeto, ninguém menos que o crítico Hugh Johnson, que deu o mote da coleção Fine Wine Editions. Os livros – graficamente impecáveis, com imagens de Jon Wyand, fotógrafo especializado que por mais de 30 anos tem registrado cenas vinícolas, principalmente da Borgonha – apresentam não só as apreciações degustativas dos melhores vinhos do mundo, mas também as histórias vividas na lida nos vinhedos e na vinificação. Relatos que mostram porque um vinho tem este e aquele e não outro gosto e feitio. O guia da Champagne é assinado por Michael Edwards, que traçou 90 perfis de viticultores antigos e jovens, mostrando a nova configuração da famosa da região. Segundo Edwards, a imagem da Champagne está mudando sutilmente e é preciso tratar seu vinho muito além de mero "símbolo de celebração e triunfo". Já o guia da Toscana foi preparado por Nicolas Belfrage, Master of Wine e negociante de vinhos, como um verdadeiro pranzo. O antipasto seria um pouco da história dessa região italiana, que há 30 anos está à frente da revolução do vinho do país. O primo piatto trata das zonas produtoras e de seus vinicultores e o secondo, de safras e harmonizações. O dolce? A lista dos melhores vinhos e vinícolas da Toscana, escreve Belfrage.

Diário do Comércio de 30/10/2009

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Taças pela concórdia

A comezaina, como escreveu Eça de Queiroz, sempre foi também uma razão de Estado. Num de seus caprichosos textos, Cozinha Arqueológica, o escritor português conta que Catão fez decidir a última guerra púnica mostrando, aos olhos do Senado romano, a beleza e o tamanho dos figos de Cartago. Os ilustres Apícios (o mais famoso deles é autor do célebre De Re Coquinaria) foram cozinheiros oficiais "e formaram uma verdadeira dinastia" a serviço do Estado. A história tratou de registrar os grandes banquetes, reais ou não, cerimônias expoentes da vida pública das nações e seus dirigentes. Façamos um corte no tempo. No Brasil, a boa mesa diplomática tem rendido bons frutos ao País desde a implantação da "política de banquetes" (1907) capitaneada pelo Barão do Rio Branco e por Rui Barbosa em Haia, o que atraia os olhos (e as bocas) da comunidade internacional para o Brasil. É o que mostra o bem documentado livro A Mesa e a Diplomacia Brasileira – O Pão e o Vinho da Concórdia (Editora de Cultura/2008), do enólogo Carlos Cabral. O escritor teve acesso a documentos do Museu Histórico e Diplomático do Ministério das Relações Exteriores do Brasil – são mais de 6,5 milhões de papéis: fotografias, cardápios, seleção de vinhos, programas musicais, notas de fornecedores ... – e pôde contar a trajetória dessas recepções, desde os tempos de glamour do Itamaraty na então capital Rio de Janeiro até os dias mais austeros, mas não menos festivos, no Cerrado, modernidade presente. O livro trata das questões cerimoniais e de protocolo, dos elegantes serviços à mesa, dos bastidores dessas festas diplomáticas, dos grandes banquetes aos jantares mais íntimos. E os vinhos? Como especialista no assunto, Cabral, consultor do Grupo Pão de Açúcar e membro de uma série de confrarias internacionais, trata com atenção e propriedade da seleção dos vinhos. No início, “o serviço diplomático não podia contar com vinhos nacionais, que só começaram a ser produzidos entre nós em escala comercial algum tempo depois de 1875, ano da chegada dos imigrantes italianos à Serra Gaúcha”. A partir de 1910, conta Cabral, o nome das famílias ganharam os rótulos: Salton, Drher, Mônaco, Peterlomgo,etc. Assim, na mesa diplomática, durante muitos anos, reinaram vinhos portugueses e os franceses (principalmente Bordeaux e Borgonhas) que resistiam à viagem transatlântica. O vinho brasileiro chegou às recepções oficiais com Fernando Collor de Mello para delas não mais sair. Desde 2005 vinhos da Casa Valduga ganharam os cardápios do Itamaraty. "Os governos passarão, a democracia trará para os salões do Itamaraty brasileiros de norte a sul deste país-continente e eles, assim como nós, irão se orgulhar de ter o Itamaraty como guardião da nossa fidalga, simples e encantadora cultura”, conclui Cabral. Na viagem proposta pelo enólogo não é necessário passaporte diplomático.

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Rótulo com bicho não é uma fria

Há quem diga que o pinguim-de-humboldt (homenagem ao naturalista alemão Alexander von Humboldt) é um dos mais elegantes entre as espécies que vivem nas regiões mais frias do Chile e do Peru. Pois não é à toa que o Humboldt foi parar no rótulo de um dos vinhos da PengWine, vinícola chilena do Vale do Maipo, só disponível em lojas selecionadas dos Estados Unidos e de Cingapura. Os enólogos e marqueteiros de plantão quiseram com a escolha associar a elegância do animal à da assemblage de cinco uvas diferentes: Cabernet Sauvignon (base), Merlot, Cabernet Franc, Malbec e Petit Verdot. Uma viagem. No início deste ano, uma colônia de pinguins dessa espécie debutou no Woodland Park Zoo de Seattle (EUA). E a PengWine e sua distribuidora local aproveitaram a deixa: para cada garrafa de Humboldt vendida, US$ 1 foi para os projetos do zoo. Na fila de vinhos com nomes de pinguins encontramos ainda: Gentoo, Royal, Magellan, Rockhopper e Fairy. Animais, mesmo aqueles que não fazem parte do seleto grupo de estimação, estão com muito prestígio no mundo dos vinhos. Há de tudo: hipopótamo, koala, bode, baleia, canguru (e ninguém bate a Austrália nesse quesito), sapo, lagarto, jacaré, hipopótamo, galo, carneiro... Uma pesquisa da respeitada ACNielsen mostra que aproximadamente um em cada cinco vinhos de mesa trazem no rótulo uma brincadeira, uma foto, um desenho representando um animal. Esses dados estão no REthink Wine Blog, que tratou de alinhar também alguns exemplos de vinícolas que seguem esse caminho, como a citada PengWine. Já a Mutt Lynch Winery, vinícola em Healdsburg, Califórnia, tem uma linha exclusiva dedicada aos amantes do cães. Seus proprietários patrocinam várias ONGs que trabalham no resgate de cachorros e outros animais abandonados. Já o jacaré foi parar num dos rótulos da James Arthur Vineyard, por causa de uma parceria com o Lincoln Children’s Zoo de Nebraska. Os vinhos com esses rótulos são muito bem recebidos e significam aumento nas vendas, explica Danny Brager, executivo da ACNielsen. E as qualidades do vinho, onde entram nessa história? Pois é, essas vinícolas querem muito mais falar é ao sentimento dos seus consumidores e se destacar nas prateleiras, entre os vinhos com rótulos tradicionais. Alguns especialistas americanos trataram de estudar a questão e descobriram que o consumidor tende a comprar mais um produto que reflete ele mesmo do que exalte o próprio produto.

www.pengwine.com

www.muttlynchwinery.com


Diário do Comércio de 16/10/2009

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Cálem, rótulos com afeto

A vinícola Cálem, com vinhedos em Cima Corgo e Douro Superior, centro de vinificação em São Martinho da Anta e caves em Vila Nova de Gaia, está completando 150 anos de fundação. É uma das poucas marcas criadas por portugueses que mantêm o nome de família original em seus rótulos (a Porto Cálem passou a fazer parte do grupo Sogevinus em 1998). Suas garrafas ainda trazem o desenho de uma caravela dourada, memória das antigas viagens do vinho do Porto pelo mundo. Mas houve época, principalmente na virada do século XIX para o século XX, em que a Cálem exibia rótulos especiais para conquistar mercados na América do Sul: Argentina, Uruguai e especialmente o Brasil. A pesquisadora Ana Duarte Melo, da Universidade do Minho, disponibiliza na internet um interessante estudo que mostra como essa conquista foi feita, "sem o etnocentrismo natural do conquistador", mas com vinhos nomeados "afetiva e culturalmente aos locais de consumo". O estudo de Ana Duarte organiza e analisa rótulos arquivados tanto no Instituto do Vinho do Douro e do Porto (IVDP) como na própria vinícola Cálem. "Gentil Mineira" e "Gentil Paulista" são exemplos acabados dessa política comercial. Há outros casos ilustrativos, como os rótulos do "Fraternidade", que estampam a monarquia portuguesa e a república brasileira entrelaçadas com suas respectivas bandeiras (mais tarde as garrafas abrigarão as duas repúblicas amigas também nos tragos). Mais específico ainda, o vinho "Bom Fim", com o desenho do seringal de mesmo nome no Rio Juruá, uma marca dedicada à exportação para o Pará. O grande salto de consumo brasileiro de Porto ocorre entre 1880-84, quando o país passa a importar fatia idêntica à do mercado britânico. Em 1880, o Brasil recebia 40% do total das exportações.

http://repositorium.sdum.uminho.pt/browse?type=author&value=Melo,%20Ana%20Duarte

http://www.calem.pt/

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Pinotage, como um Sol

Sheila Hlanjwa, à frente da vinícola Lathithá, é uma das grandes garotas-propaganda da uva Pinotage. Xhosa como Mandela, e orgulhosa dessa condição, Sheila é mais do que uma vinicultora sul-africana atenta à colheita e à preparação do seu vinho Pinotage, a cepa da sua terra. Ela mesma desenhou o rótulo para seu produto. Na verdade, a alegre Sheila é exemplo do sucesso de alguns projetos de inclusão social dos negros do país, até então personagens de uma conhecida história de marginalização. A política local conhecida como Black Economic Empowerment também alcançou a indústria do vinho. Em parceria com o governo, têm estimulado a participação de negros em postos-chave de vinícolas na região do Cabo. A meta da South African Wine Industry Trust (Sawit), organização que comanda essa política, é aumentar a participação dos negros, de 1%, em 2004, para 25%, em 2010. A Swit tem adquirido propriedades e vinhedos na região mais nobre do país e patrocina a educação de jovens enólogos negros, na Universidade de Stellenbosch. É emocionante vê-los recuperando a tradição da Pinotage, nascida em 1925, graças ao empenho de Abraham Izak Perold (1880-1941), grande professor de Enologia de Stellenbosch. Um ano antes ele fertilizara flores de Cinsaut com pólem de Pinot Noir. Nascia a Pinotage. No final dos anos 90, a cepa sul-africana corria o risco de extinção, conta o enólogo e escritor Peter F. May, grande entusiasta da uva Pinotage, em seu mais recente livro Pinotage - Behind the legends of South Africa's Own Wine (Inform& Enlighten/2009). De 1997, época em que May fundou The Pinotage Club, para reunir os amantes dessa cepa, a Pinotage representava somente 2% do total de vinhedos do país. Hoje essa porcentagem subiu para 6%, segundo o escritor, sem contar vinhedos espalhados pelo mundo, da California ao Brasil e Israel. Símbolo dessa retomada de preservação da cepa local é o novo vinhedo de Pinotage, cerca de mil mudas, plantadas em outubro de 2008 em 35 hectares em Mostertsdrift, campo avançado de pesquisa da Universidade de Stellenbosch. May escreve que o plantio das mudas foi feito de maneira radial, o que possibilitará estudos sobre o papel da incidência do sol. A Lathithá de Sheila também tem a ver com sol e renascimento. Lathithá significa aurora, em Xhosa.

http://pinotageclub.blogspot.com/

http://www.pinotage.co.za/

Diário do Comércio de 2/10/2009

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Broadbent bate o martelo

O mais britânico dos enólogos ingleses, Michel Broadbent sempre foi considerado um gentleman. Durante décadas, até 1992, comandou com rigor o departamento de vinhos da centenária casa de leilões Christie's, fundada em 1766. Com diploma de Master of Wine(é quando então a invejável sigla MW se liga definitivamente ao nome dessas sumidades do mundo do vinho),Broadbent sempre esteve às voltas com as melhores garrafas e muitas raridades. As quase seis décadas dedicadas ao vinho – calcula-se que tenha degustado perto de 100 mil rótulos – lhe garantiram uma festejada e alardeada expertise. Pois o último lance de Broadbent está sendo apresentado não numa casa de leilões, mas à Alta Corte de Justiça de Londres. O respeitável senhor de 82 anos entrou com um processo contra a Randon House, editora responsável pelo livro The Billionaire's Vinegar, de Benjamin Wallace (a tradução O vinho mais caro da história: fraude e mistério no mundo dos bilionários foi editada no Brasil pela Jorge Zahar). A tese sustentada por Broadbent é a de que o livro o retrata de maneira difamatória, como se fosse cúmplice de uma fraude. "Broadbent não pode desconsiderar o fato de que esteve no centro do que agora parece ter sido o maior embuste do vinho jamais perpetrado", escreveu Mike Steinberger, na revista Slate. O bem documentado livro de Wallace mostra em detalhes que os vinhos tidos como da adega do presidente Thomas Jefferson eram na verdade "fakes", fraude arquitetada por uma figura muito conhecida das celebridades e das degustações: o negociante alemão Hardy Rodenstock, dono do lote histórico. A principal garrafa que liga Broadbent ao escândalo foi leiloada na Christie's de Londres em dezembro de 1985 por US$ 156.450, um recorde. Afinal, tratava-se de um Château Lafite 1787, garrafa assinada pelo próprio Jefferson com um vistoso Th. J.. Malcom Forbes foi o desavisado arrematador e o transporte da garrafa entrou para o folclore da logística: o milionário preparou um assento especial de seu jatinho para a raridade. Outras garrafas foram vendidas pelo próprio Rodenstock e alcançaram o industrial norte-americano William Koch, que hoje o processa. Koch virou um caçador de fraudes do gênero. Foi o primeiro a suspeitar da autenticidade desses Bordeaux de Jefferson – há evidência de que as iniciais do presidente foram falsificadas com uma poderosa ferramenta. Rodenstock sempre tergiversou sobre a origem das garrafas. Antes do leilão na Christie's, um pesquisador de Monticello, onde estão os minuciosos registros feitos de próprio punho por Jefferson, alertaram Broadbent sobre a falta de menção às garrafas "achadas" por Rodenstock. Consta que Broadbent ignorou os alertas, tratou os Bordeaux como genuínos e pretendia coroar sua carreira com essas vendas históricas. O livro mostra esse Broadbent teimoso e vaidoso. A Slate registra que até mesmo o crítico Robert Parker pode ter sido vítima de Rodenstock. Numa degustação cheia de holofotes em 1995, o negociante apresentou a Parker uma magnum de Château Pétrus 1921. O vinho recebeu 100 pontos. Mas o próprio Château Pétrus se mostrou incrédulo: não há registros de garrafas magnuns em 1921.

www.slate.com/id/2224427/

www.winespectator.com/webfeature/show/id/40637

Diário do Comércio de 25/09/2009

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Vinhos têm alma?

As fotografias da cientista bioquímica Sondra Barret, com flagrantes da "alma dos vinhos", ganharam status de arte, foram parar em galerias e acabam de se perpetuar em livro: Wine's Hidden Beauty. Vale para as fotografias de Sondra a assertiva feita pelo matemático polonês Benoît Mandelbrot sobre as imagens de fractais que a partir da década de 70 tornaram-se populares e foram parar até nos balões de quadrinhos de Neil Gaiman. "A Geometria dos Factais não é apenas um capítulo da Matemática, mas também uma forma de ajudar os homens a verem o mesmo velho mundo de maneira diferente", escreveu Mandelbrot. É inegável que o mergulho profundo que Sondra faz em gotículas dos mais variados tipos de vinho, equipada com câmera e microscópios de última geração, pode ampliar nossa percepção desse universo, com suas intrincadas (e algumas vezes insondáveis) variáveis. O apelo estético nessa obras vivas do acaso ainda se sobrepõe ao que nelas existe de informação científica a ser decifrada. Mas o que há de errado se elas forem apenas motivos de contemplação? São como "jóias no vinho", elogiou o celebrado enólogo André Tchelistcheff (1901-1994), quando as primeiras fotografias vieram à luz. A busca da "sagrada expressão" do vinho virou uma obsessão. Sondra degusta como se deve e leva amostras de vinho para o laboratório, onde prepara lâminas e as fotografa com uma câmera acoplada a um microscópio especial, com dois polarizadores. As formas ficam por conta do "comportamento" das moléculas. As cores são resultado da combinação de luz polarizada e da refração da luz. Alguns nexos entre formas e a idade das amostras começam a ser descritos. Conforme o vinho vai envelhecendo, as estruturas moleculares passam a ficar maiores e mais complexas, escreveu Sondra na revista inglesa The World of Fine Wine. Em geral, do ponto de vista químico, os ácidos aparecem em formatos angulares. Apresentado a um "delgado e espinhento cacto", podemos estar diante de taninos de um grand cru Grands Echézeaux (Domaine de La Romanée-Conti) de quatro anos.

www.sondrabarrett.com/.../winebookpresaleletter.pdf

www.soulofwine.com/sitebuildercontent/.../barrettpalette.pdf

Diário do Comércio de 18/09/2009

domingo, 13 de setembro de 2009

O canguru-cometa da Austrália

A família Casella, que imigrou da Itália para a Austrália nos anos 50, hoje é só sorrisos e já pode fazer todas as graças com sua marca globalizada. Os vinhos [Yellow Tail], que trazem no rótulo o indefectível canguru de cauda amarela, estão associados igualmente a lagostas de rabo amarelo e mesmo cometas da mesma cor, disponíveis para download no site da companhia, num arquivo espirituoso: "fun". A felicidade também tem números. Em 2001, quando desembarcaram seus cangurus nos Estados Unidos, pegando a onda do vinho australiano de 1994, os Casella venderam 250 mil caixas de [Yellow Tail]. Em 2005, alcançaram impressionantes 8,6 milhões de caixas, graças à associação com uma das gigantes da distribuição nos Estados Unidos, a W.J.Deutsch and Sons. A vinícola Casella, na pequena vila de Yenda, sudeste da Austrália, é completamente diferente de tudo que se imagina sobre uma casa de vinhos. É uma grande fábrica que engarrafa cerca de 65 mil garrafas por hora e é capaz de estocar 60 milhões de litros de vinho. A sua produção total é de 11 milhões de caixas, sendo que 8,5 milhões têm destino certo: os EUA. Não é à toa, pois, que o [Yellow Tail] é peça exemplar de um dos capítulos do livro Wine Politics - Hoow Governments, Environmentalists, Mobsters, and Critics Innfluence the Wines We Drink, de Tyler Colman (University of California Press/2008), justamente o que trata da globalização do vinho. Pois o [Yellow Tail] é o retrato dessa padronização avassaladora e inquietante. Alguns analistas se divertem com o paradoxo: dizem que o vinho do canguru deu o salto para a América justamente porque não é vinho, ou melhor, é um vinho lapidado para o paladar americano. A chave do [Yellow Tail], escreveu o wine economist Mike Veseth, foi a descoberta de que vinho com pouquíssimo tanino e baixíssima acidez poderia ser muito atrativo, "especialmente para a maioria dos americanos, que realmente não gostam de vinho." A receita é fazer um produto sempre igual, sem surpresas para o consumidor. Inicialmente nas versões Shiraz e Chardonnay, hoje há garrafas com quase todas as principais varietais. A aridez na Austrália tem crescido com consequente queda de produtividade. Mas como terroir não é preocupação, os Casella não terão dúvida: farão seu [Yellow Tail] com uvas disponíveis em qualquer região do mundo.

http://discoveryellowtail.com/#/home/

Diário do Comércio de 11 de setembro de 2009

terça-feira, 8 de setembro de 2009

Delicadezas do grande Vatel

Uma frugal laranja é servida a Luís XIV. O sol ainda não se pôs em Chantilly. A fruta parece inteira no prato, mas está descascada com perfeição. E pode ser aberta num átimo, virar serpentina, deixando à vista um conjunto de gomos perfeitos, sem fiapos, para a garganta do rei. Luís XIV se extasia com a criação de Vatel (1631-1671), mestre dos Prazeres e Festividades do príncipe de Condé, o anfitrião. A cena é apenas uma das dezenas de exuberâncias enogastronômicas tomadas pelo diretor Roland Joffé em Vatel, um banquete para o rei. Nesse filme de 2000, Gerard Depardieu, na pele de Vatel, deu corpo a uma personalidade detalhista, de poucas palavras, mas à frente de fornadas de criações, tanto nas cozinhas quanto nos palcos montados nos jardins de Chantilly. O príncipe recebia o rei e uma numerosa corte para um fim de semana de pratos requintados e taças cheias. Não puderam escapar, em meio aos excessos, da sensibilidade marcante, insinuante, de Vatel. Não caberiam aqui todos os menus. Mas um toque, como uma fruta caramelada, sim: na poética carta póstuma a Anne de Montausier (Uma Thurman), por quem se apaixonou, Vatel indica à amada os vinhos de Vaucluse que estariam em seu caminho, vinhos que trariam no bouquet o aroma dos frutos das cerejeiras plantadas entre os vinhedos da região. A vida de Vatel ganhou cor na ficção, recuperada graças a uma única carta, justamente de uma das testemunhas da sua genialidade na festa de Chantilly. Muito do que se pode inferir historicamente sobre ele foi reunido em Vatel ou La Naissence de La Gastronomie (Editions Fayard/1999). Outras delicadezas, entretanto, aparecem na pena de Alexandre Dumas. Num dos capítulos do movimentado Visconde de Bragelonne, Vatel é surpreendido por seu amo, Nicolas Fouquet, comprando vinho numa simples taberna, L'Image-de-Notre-Dame, em plena Place de Grève. Fouquet foi o todo poderoso Superintendente do Tesouro francês à época de Luís XIV, mais rico que o rei e amigo de poetas, escritores e pintores. Por um instante, Fouquet chegou a pensar que sua adega andava chinfrim. Vatel explica: "Está tão bem sortida sua adega que, quando algumas pessoas vão jantar em casa, não bebem." O despenseiro, continua Vatel, não tem, por exemplo, vinho para o paladar de Monsieur La Fontaine (o poeta das fábulas). Em casa de Fouquet ele não beberia porque não gosta de vinho forte. "Faço então o que tem de ser feito." O mâitre Vatel mostra a Fouquet Vin de Joigny. Sabia que pelo menos uma vez por semana vários dos amigos do amo batiam ponto no local para beber o tal vinho (que, dizem, não faltava na adega do rei). Estava justificada a compra. Vatel aproveita para contar outro segredo: tem abastecido a adega do patrão com cidra comprada na Rue Planche Milbray, já que é a bebida que Monsieur Loret consome em Saint-Mandé. À estupefação de Fouquet, Vatel completa: "Certamente esta é a razão dele comer com tanto prazer em sua casa". Fouquet gosta que Vatel trate dos convidados e amigos com a mesma distinção e carinho com os quais atende a vontades de duques, nobres e príncipes. E fala em dobrar o salário de Vatel. Para quê? Vatel logo murmura: "Ser recompensado por ter feito a obrigação é algo humilhante". Vatel trabalhou com Fouquet na casa em Saint-Mandé (onde todos os luxos privados eram permitidos) e o acompanhou depois ao castelo de Vaux-Castelas. O rei quis conhecer o local e foi recebido com banquete memorável, mas que acabou selando a sorte de Fouquet. Luís XIV gostou dos requintes à mesa mas não do exibicionismo do anfitrião – um súdito não pode ofuscar o rei, ainda mais um rei-sol. Logo mandou encarcerá-lo no castelo de Pignerol. De lá Fouquet só sairia morto, 16 anos depois.

www.classicreader.com/book/59/56/

www.provenceweb.fr/e/vaucluse.htm

Diário do Comércio de 4/setembro de 2009

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Três gerações, uma garrafa, dois copos

Os americanos ainda convivem com fantasmas da Lei Seca, que vigiu durante mais de 13 anos nos Estados Unidos (1920-1933), isso apesar de, hoje, 3/4 da população consumir algum tipo de bebida alcoólica, numa ciranda que envolve nada menos do que US $ 189 bilhões (números de 2007). Quem mostra essa realidade é o jovem escritor americano Garrett Peck, que acaba de lançar The Prohibition Hangover – Alcohol in America from Demon Rum to Cult Cabernet (Rutgers University Press/2009). Seu livro traz a trajetória de um país onde a bebida alcoólica foi demonizada durante décadas – "demon rum" era como os movimentos religiosos pela temperança tratavam a bebida, principalmente os destilados, sem excluir cerveja e vinho –, um Estados Unidos que agora tratam de abraçar todos prazeres da boa mesa, representados pelos grandes Cabernets californianos cultuados em todo o país (e mesmo fora dele). A discussão colocada por Garrett Peck vem em boa hora, quando crescem no mundo inteiro as ações para restringir o uso do álcool, principalmente quando associado à direção irresponsável. A viticultura francesa já sentiu na pele essa onda "dry", que despreza até mesmo o peso cultural do vinho: está aí a redução vertiginosa do consumo per capita na França (era de 100 litros, em 1960. Em 2004, somente 54 litros). A literatura é farta sobre os problemas gerados no período da Lei Seca americana, entre eles o gangsterismo protagonizado pelo contrabandista Al Capone e a quebra da viticultura dos EUA. Mesmo os movimentos que levaram à dura lei estão bem vivos em perfis como o da religiosa carola Carry A. Nation e sua machadinha destruidora de bares. A novidade em Peck é que ele traz o debate para a atualidade. Segundo ele, desde o fim da Lei Seca, o país ainda não discutiu seriamente o papel do álcool na sociedade americana. Alguém pode negar, por exemplo, que a cerveja é elemento indispensável de um jogo de beisebol? E que os estádios são verdadeiras Nações Unidas da cerveja, para usar uma de suas boas imagens. O autor conta como surgiu a idéia do livro. Foi num jantar de Natal, em 2003. Ao redor da mesa, três gerações de americanos: ele, a mãe e a avó. Para o "roast beast", abriu um bom Borgonha, safra 1997. Somente ele e a mãe aproveitaram da garrafa. Sua avó, que cresceu sob a Lei Seca, nem mesmo provou o vinho. Muitos americanos carregam sobre os ombros da memória as pregações contra a bebida. Até quando, numa mesma família, haverá essa separação entre abstêmios e apreciadores sociais do vinho e da cerveja? É uma das questões de Garrett Peck.


http://www.prohibitionhangover.com/

DC de 28 de agosto de 2009

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Revolução nas Colinas de Golan

Celebrações judaicas como a Pessach já podem dispor de vinhos de qualidade produzidos em Israel, sem ferir nenhuma das leis Kosher. Os críticos têm acompanhado o recuo dos vinhos excessivamente doces – "nauseantes melados", escreveu Bill Strubbe, do Jewish Telegraphic – e a entrada em cena de vinhos varietais modernos (também Kosher), que já competem em qualidade com vinhos do Novo Mundo. Em abril de 2009, o Yarden Cabernet Sauvignon 2005, produzido pela Golan Heights Winery, levou a Grand Gold Medal na Vinitaly, em Verona. O que faz lembrar outra premiação: a medalha conquistada pela vinícola Carmel, em 1900, na Exposição Internacional de Paris – feito que sinalizou a primeira retomada da viticultura de Israel. Os vinhos no Oriente Médio têm tradição milenar. As elegantes ânforas de Canaã escavadas por arqueólogos em áreas mediterrâneas ou fisgadas em depósitos de naufrágios fenícios indicam o vigor da atividade. Em Israel, a história vem à tona por meio de centenas de lagares e instalações vinícolas escavadas na pedra. Antigamente a "fermentação era feita a céu aberto por uma semana, durante a qual poeira e sujeira se misturavam ao vinho", escreve o escritor Garrett Peck em Winemaking in Ancient Israel– interessante análise disponível na internet, com fotos de várias dessas instalações ancestrais. Garrett visitou a região em 2008. A primeira retomada da viticultura em Israel, após a ocupação árabe de 120 anos (a partir de 636), ocorreu nos anos 1880, quando o barão Edmond de Rothschild ajudou agricultores dos primeiros assentamentos com mudas francesas em Rishon Le Zion e, mais tarde, em Zichron Ya'acov, em Haifa. As propriedades foram posteriormente doadas aos colonos. A Carmel Mizrachi, atual maior produtora de vinhos do país, é uma herança dessa época. A segunda revolução demorou 100 anos para acontecer, após guerras mundiais mais a Lei Seca (lembremos que o barão de Rothschild tinha o sonho sionista de difusão do vinho kosher para os Estados Unidos e todo o mundo). Além disso, entraram em cena os rigores dos nacionalismos árabes. A Golan Heights Winery foi fundada em 1983. Em The Bible of Israeli Wines (Modan Publishing House/2002), Michael Ben-Joseph anota o esforço de kibbutznicks da região para dar nova vida ao Vale de Lágrimas, local de sangrentas batalhas durante a Guerra de Yom Kippur (1973). Foi entre carcaças de tanques e canhões que três anos depois do cessar-fogo, as primeiras mudas foram plantadas nas colinas de Golan. O primeiro Sauvignon Blanc foi lançado em 1983. Israel tem hoje 12 vinícolas de porte (que controlam 90% da produção) e mais de 150 vinícolas familiares, com vinhos de boutique. Ben-Joseph registra uma curiosidade da indústria de vinhos de Israel: usa uvas cultivadas com técnica australiana – varietais francesas em terroir israelense. Equipamentos são alemães e italianos, os enólogos foram formados principalmente nos Estados Unidos e a mão-de-obra é judaica kosher.

http://www.prohibitionhangover.com/israelwine.html

http://www.biblewalks.com/info/WinePresses.html

Diário do Comércio 21/08/2009

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

A inteligência da Burgundiva

Acompanhar os posts do recém-lançado blog Burgundiva.com é recomendação de Tom Wark, blogueiro-mór do Fermentation e um dos nomes mais populares do meio nos EUA. Pois Burgundiva merece a propaganda. A jovem Erica Mitchell Christie, "vintage 1983", "mis en bouteille à New York" tem mostrado fina inteligência ao tratar do vinho que a acompanha desde a infância – seu primeiro contato com a bebida foi religioso, nas missas, fascínio ampliado pelos ritos da Comunhão. Graduada em Relações Internacionais e em Francês, Erica arranjou um jeito de integrar paixões, resgatando o vinho, agora como denominador comum de viagens e estudos. Não é à toa pois que veste com estilo a roupa de burgundiva (mulher que adora a elegância da Pinot Noir e da Chardonnay da Borgonha). Mostra desde os primeiros textos sua admiração pela rentrée do vinho na Casa Branca, que funciona como um tributo a Thomas Jeffferson, o grande presidente-enólogo. Sai George W. Bush da cerveja. Entram Barack e Michele Obama, com uma adega de 1.000 garrafas. Erica se propõe a divagar sobre uma questão: qual seria o vinho que personificaria Obama e a mudança na qual muitos americanos, incluindo Erica, querem acreditar? Ela lista vários pareceres em livre associação. O vinho não teria a cor californiana local porque Obama é global. E não poderia prescindir de um pouco de “terra”, condição relacionada à imagem de superherói do presidente (mesmo em queda de popularidade), com doses evidentes de idealismo. A complexidade desse vinho com cara de Obama evocaria as características cerebrais do presidente. Com ele, "ser inteligente voltou à cena”, comemora Erica. A escolha teria de levar em conta o não convencionalismo representado por Obama na Casa Branca, originário de uma família multirracial, conectado ao mundo muçulmano. A burgundiva Erica escolheu um Côte-Rôtie, sub-região ao Norte de Côtes Du Rhône, “tipicamente vira-lata" como o presidente, no sentido da mistura. Os vinhos de Côte Rôtie levam a Syrah e a Viogner, originárias de terroirs muito diferentes entre si, que resultam em vinhos complexos como é o caráter de Obama. Erica diz que escolheu o Côtie Rôtie também por conta dos preços, já que são vinhos muito mais acessíveis a burgundivas e geeks. O Côte Rôtie, segundo Erica, pode ser uma saída honrosa para o público americano que já começa a se cansar do viscoso Shiraz australiano. Mas por que um vinho francês, menina? E a resposta é direta: "Obama é elegante, um pouco arrogante às vezes, e extremamente filosófico". Já sobre o vinho que casa com Lady Obama... é melhor acessar seu blog. Uma pista seria pensar em vinhos associados à modernidade e certa feminilidade de uma patriótica mãe americana.


http://burgundiva.com/

Diário do Comércio de 6/08/2009

Um Porto nos cem anos

Desse Porto de pelo menos 100 anos saído da Quinta da Portelinha, a 3 quilômetros de Monção e a menos de uma hora da cidade do Porto, só existem 300 garrafas. Poderiam ser 600, não fosse a vontade de seu produtor, o cineasta Manoel de Oliveira, de que o vinho depositado há décadas num tonel de sua propriedade, abrigada numa cave de 1776, venha a render garrafas com vinho ainda mais apurado, para outras gerações. Assim espera ainda render sua grande e conservada filmografia com retratos de gentes e paisagens de seu Portugal. Em plena atividade – prepara-se para filmar "O Estranho Caso de Angélica", ambientado em Peso da Régua, no Porto – Manoel de Oliveira completou 100 anos em dezembro de 2008. Em fevereiro deste ano, a família o homenageou com o lançamento do vinho que leva seu nome, com todas as letras, lançado no Museu do Douro. O "100 – Centenário de Manoel de Oliveira" é um Tawny raríssimo, produzido na própria Quinta da Portelinha, em Santa Marta de Penaguião, Baixo Corgo, com assinatura do enólogo João Nicolau de Almeida. Não bastasse a reconhecida qualidade do vinho, Touriga Nacional à frente do blend, tratado como "mel dos deuses" pelo enólogo, foi "embalado" em garrafas desenhadas especialmente por outro mestre português reconhecido internacionalmente, o arquiteto Siza Vieira. Siza ergueu obras em todo mundo e tem deixado sua marca nas propriedades vinícolas portuguesas ao projetar adegas e "catedrais de degustação", integrando aço e concreto a elementos da paisagem duriense, como o xisto dos socalcos. A propriedade de Manoel de Oliveira em Santa Marta de Penaguião está localizada justamente onde o Marquês de Pombal cravou os primeiros marcos de pedra na Região Demarcada do Douro. No lançamento do vinho, o cineasta lamentou as profundas transformações do Douro, onde a música das gaitas nos lagares se afastou do cenário, assim como os barcos rabelos que hoje navegam em ritmo de marketing.

http://pt.wikipedia.org/wiki/Manoel_de_Oliveira

http://www.portugalquinta.com/

DC de 14/8/2009

sexta-feira, 31 de julho de 2009

Fié Gris, branca com blush

A Fié Gris é uma uva do Vale do Loire, "parente" da Sauvignon Blanc, que passou por sumida do mapa da viticultura durante cerca de 100 anos. Tem uma história semelhante à da Carménerè que, considerada extinta em Bordeaux depois da Phylloxera, voltou à cena no Chile, a partir de 1994. Nos vinhedos chilenos de Merlot mantinham-se firmes, inadvertidamente, videiras da Carménère, a uva tão presente no Médoc no início do século XIX. Tinham sido importadas por empreendedores chilenos antes da praga devastadora e hoje passaram a ser emblemas da viticultura do país. A terrível Phylloxera também dizimou a maioria dos pés de Fié Gris. Anos mais tarde, na época do replantio, outras cepas, mais resistentes, tomaram seu espaço. As regras de appellation também acabaram empurrando a Fié Gris e outras variedades, como a Menu Pineau, para o esquecimento. Mandavam na região de Touraine as variedades Sauvignon Blanc e Chardonnay, boas para o mercado em retomada. A redescoberta e relançamento da Fié Gris aconteceu nos anos 1980, graças ao empenho do viticultor Jacky Preys. Seu vinhedo de 25 hectares rodeava a casa em Meusnes, Touraine. Ao investir em mais 50 hectares de terras em Mareuil-sur-Cher, acabou topando com parreiras muito antigas e suas frutas com casca tingida de rosa. O dono anterior já tinha lhe advertido que esse vinhedo, de apenas 3 hectares, não tinha sido claramente identificado. Foi quando começou a chamar ampelógrafos para solucionar o seu bom problema. Um especialista de 80 anos, com muita experiência, logo matou a charada. Disse-lhe que tinha em mãos uma mina de ouro, exemplares preciosos da Fié Gris comunsno Vale do Loire antes da Phylloxera, uva que durante bons tempos "ajudou" os vinhos de Bordeaux. Uma explicação para a sobrevivência da Fié Gris seria o tamanho da propriedade. Eram 100 hectares em 1890. E a família que ali estava não viu nada demais em replantar alguns pés da cepa querida. Hoje a Fié Gris está presente na estufa governamental e outros viticultores já fazem boas experiências com ela, como Eric Chevalier.


http://www.wineterroirs.com/2009/07/preys_fie_gris.html

http://www.fiegris.fr/joomla/index.php?lang=en

Diário do Comércio de 31/7/2009

segunda-feira, 27 de julho de 2009

Enotipofilia australiana

"Enotipofilia" é uma invenção da bibliotecária Valmai Hankel, que durante anos cuidou dos livros raros da State Library of South Australia. Ela diz que o termo pode ser usado para tratar do amor de alguém, na mesma dose, por vinhos e tipografia (certamente se esqueceu por um minuto de seus cavalos árabes). Diria que o cunhou em causa própria, para definir a própria obsessão, ela que aprecia o formato das letras, capas e ilustrações dos livros tanto quanto o corpo, o aroma e a cor dos vinhos. Mesmo depois de aposentada, em 2001, integrou a equipe que implantou um site da biblioteca (Wine Literature of the World) dedicado especialmente à coleção de documentos e livros sobre vinho e viticultura – museu virtual que merece uma visita. Entre os principais papéis até agora digitalizados, um raro manuscrito alemão de mil anos define punições ("pão e água") a monges beberrões. Foi escrito por Buchard de Worms, em latim, com tipos carolíngeos. Uma miniatura colorida, retratando o tempo de espremer as uvas, é de um Livro de Horas, editada entre as orações (Paris, 1490). Outra preciosidade é o álbum da Festa dos Vignerons da suíça Vevey (Paris, 1889). A cidade sempre celebrava com marchas e fantasias (o álbum é todo de ilustrações) a Chasselas, uva local para seu branco robusto. Já em Ampélographie française, de Victor Rendu (Paris, 1857), o charme são os desenhos das mais tradicionais cepas. Valmai acredita que antigos livros sobre vinhos ainda têm muito a dizer. Não à toa mantém uma coluna sobre a história do vinho na Winestate e escreve a coluna "Oenotypophily" para The Australian and New Zealand Wine Industry Journal. É também crítica da The Adelaide Review há mais de 15 anos, especializada no vinho local que a conquistou a partir dos anos 50, quando tomou uma taça de tinto Coonowara, servida pelo futuro marido.

http://www.winelit.slsa.sa.gov.au/

DC de 24/07/2009

sexta-feira, 17 de julho de 2009

A nova rainha alemã

A elegante Pinot Noir, a uva de excelência da Borgonha, ali cultivada com paciência há mais de dois milênios, também ganha o estrelato a partir de terras alemãs. Navegou na grande onda que nos últimos 25 anos fez com que as uvas tintas ganhassem terreno em todo aquele país. Essas variedades já somam mais de 37 mil hectares plantados, sendo 11.820 ha somente de Pinot Noir, a sonora Spätburgunder. Em 1980, somente 11,4% dos vinhedos alemães eram reservados à Pinot Noir. Hoje a Spätburgunder toma conta de 37,1% das plantações. As uvas Riesling continuam em cena, de maneira magnânima, matéria-prima de esplêndidos e refrescantes vinhos que estão nas boas mesas de todo mundo, sempre comentados com rigor e propriedade pelo vizinho Sergio de Paula Santos, da coluna Adega. As autoridades do Germany Wine Institute comemoram o crescente interesse internacional por vinhos da Spätburgunder, plantada principalmente no sul da Alemanha, bem perto da Alsacia, e quase na mesma latitude da Borgonha. Na região vitivinícola de Baden encontram-se plantados 5.585 hectares, cerca da metade do total da variedade. E é ali que Pinot faz sua silenciosa revolução. Hoje a Alemanha já é o terceiro maior país produtor de Pinot Noir, só perdendo mesmo para a França e para os Estados Unidos (leia-se Califórnia). Numa entrevista à mais recente edição da revista inglesa The World of Fine Wine, o jovem vinicultor Konrad Salwey diz que tem feito um vinho muito sensual a partir da Pinot Noir que cultiva na pequena propriedade em Oberrotweil, área de Kaisersthul, na região de Baden (no mapa acima, os braços azuis). Com vinhedos em 20 hectares, a vinícola, fundada pelo pai Benno Salwey em 1950, trabalha basicamente com as cepas Pinot Noir (40%) e Pinot Gris (35%), mas também com a Pinot Blanc, Riesling, Silvaner, Chardonnay e Auxerrois. No raio-x que faz do fenômeno, Joel B. Payn, da The World of Fine Wine, lista alguns dos mais importantes viticultores da cepa: além de Konrad Salwey, Reinold Schneider Bernhard e Huber (Baden), Fritz Becker, Werner Knipser, Hansjörg Rebholz (Pfalz), Paul Fürst (Francônia), Rainer Schnaitmann (Württemberg). Na listade produtores da Pinot Noir devem ser incluídos Werner Näkel, Wolfgang Hehle, Gerd Stodden eMarc Adeneuer (Vale do Ahr), bem como August Kesseler (Rheingau).


http://www.salwey.de/

http://www.weingut-huber.com/home


Diário do Comércio de 17/7/2009

quinta-feira, 9 de julho de 2009

Os socalcos, por Saramago.

O escritor-viajante José Saramago gosta das pedras velhas de seu Portugal tanto ou mais do que suas extensões verdejantes. Por isso, onde há um museu arqueológico que as reúna, ou palácios e paredes com elas sobreviventes, lá está/esteve ele. Algumas impressões sobre essa sua terra e sua gente estão explícitas no livro Viagens a Portugal (Companhia das Letras, 1998), guia inusitado por caminhos do coração. Ali encontramos loas às montanhas xistosas da região do Douro, com seus inumeráveis socalcos – verdadeiras escadarias de pedra amparando os vinhedos. Saramago faz poesia a partir da modificação ancestral da região, o homem transformando aquelas imensas e assustadoras "solidões mineirais". Desmontou, bateu e tornou a bater, fez como se esfarelasse as pedras entre as palmas grossas das mãos, usou o malho e o alvião, empilhou, fez os muros, quilómetros de muros, e dizer quilómetros será dizer pouco, milhares de quilómetros, se contarmos todos os que por esse país foram levantados para segurar a vinha, a horta, a oliveira. Aqui, entre Vila Real e Peso da Régua, a arte do socalco atinge a suma perfeição (...) Essa paisagem de socalco no Alto Douro, esforço do homem para trabalhar terrenos inóspitos (o escritor Adelino Gouveia compara os socalcos às rugas dos camponeses da região), foi declarada Patrimônio da Humanidade pela Unesco em 2001. Nas encostas do Douro e de seus afluentes (o Corgo de Vila Real e o Tua) vicejam os "jardins suspensos" com suas castas típicas: Touriga Nacional, Touriga Franca, Tinta Barroca, Tinto Cão e Tinta Roriz. Saramago escreve que, no fim do verão, as vinhas dos socalcos "se enfeitam de vermelho e dourado". Hora de colher e preparar o vinho.

http://www.inga.min-agricultura.pt/ajudas/agroamb/vsd/regras.html
http://www.dodouropress.pt/index.asp?idedicao=66&idseccao=688&id=6795&action=noticia

Diário do Comércio de 10/7/2009

sexta-feira, 26 de junho de 2009

De videiras e brejos

Cada vez que alguém levanta uma taça de vinho produzido em Banrock Station, no sul da Austrália, está apoiando projetos ambientais pelo mundo. Até agora, mais de US$ 4 milhões tiveram esse fim, mesmo depois que a vinícola foi incorporada pela gigante Constellation. Na verdade, o grupo encampou como nunca esse apelo que também é de marketing. "Good Earth, Fine Wine" é o slogan da propriedade. O exemplo começou em casa. As terras adquiridas em 1994, às margens do rio Murray, estavam extremamente degradadas, depois de mais de 80 anos servindo basicamente como pastagem, onde pouco ou nenhum cuidado era dedicado a seu ecossistema de banhados e brejos. Foi preciso recuperar a área, com a ajuda não somente das "ciências" dos viticultores. É sintomático que, ao lado daqueles que cuidam do vinho, a propriedade tenha nos seus postos-chaves profissionais ligados à ecologia. Tony Sharley é o gerente do Wine and Wetland Center. Isso mesmo, o vinho nessa propriedade nunca é dissociado da sua terra úmida. Tony é especializado em recuperação e conservação de ecossistemas e tem comemorado a volta de animais silvestres, dos pássaros nativos. Hoje são 600 acres de vinhedos curiosamente espalhados entre manguezais e uma vegetação típica renascidos num total de 3600 acres. Da Banrock Station, por conta das altas temperaturas locais, saem vinhos muito frutados das uvas Shiraz, Cabernet Sauvignon, Merlot, Chardonnay e Semillon. E o turista que ergue a taça nas salas de degustação é o mesmo que brinda a política conservacionista de Banrock.


www.banrockstation.com.au

DC de 25/6/2009

domingo, 21 de junho de 2009

Nush! Saudades da Pérsia

Muito distante das intolerâncias do atual Irã, a vida e as alegrias da antiga Pérsia mantêm-se muito vivas na poesia de Hafiz, Khayam, Rumi... Foram eles que descreveram as cerimônias de degustação de vinhos, em salões atapetados, ao som de pequena orquestra de músicos "coroados" com tranças de mirto. Grandes decanters, ricamente adornados, eram colocados entre os bebedores. E a figura solene de um saqi (o sommelier persa) tratava de encher as taças ou as cumbucas de ilustres convidados. Depois, o brinde: Nush! (da palavra anush, que significa vida eterna). Eram três as rodadas oficiais da bebida. A primeira, para bons pensamentos. A segunda, para as boas palavras. A última, para boas ações. Najmieh Batmanglij relata em From Persia to Napa (Mage Publishers/2006) como o ritual de degustação de vinhos era importante. Na época de Nezam al-Moek, governante no século XI, os saqi indispensáveis nas cortes e nas casas aristocráticas, tinham de vencer um treinamento de seis anos, geralmente iniciado na infância. Jovens amigáveis e de boa aparência (e daí o erotismo com que a poesia persa os embala) tinham de aprender poesia, ter habilidade para cavalgar e conhecer armas. Mas o principal: ter talento para conhecer o bom vinho e para guardá-lo adequadamente. Outra função: cuidar para que os instrumentos musicais (harpas, violinos, flautas e tambores) estivessem sempre em boas condições para o espetáculo. A cumbuca de ágata desta página traz uma inscrição em homenagem ao lendário rei iraniano Jamshid, "pioneiro da vinicultura". Pertencia a outro soberano, o sultão Husayn (séc. XVI), curiosamente retratado com a peça em um festival de vinho, música e dança com seu harém.

Diário do Comércio 19/6/2009

domingo, 14 de junho de 2009

Tinto argelino para o méchoui

Quando se fala em Argélia, ensolarado país na costa norte africana praticamente engolido pelo Sahara, quase sempre é para localizar Albert Camus, um de seus filhos de maior densidade. Algumas vezes a tâmara daquele solo árido ganha espaço no reino da doçaria. A deglat nour, doce e transparente, se contrasta entre as de cor marrom. Já dos vinhos quase não se vê notícia. Pois os vinicultores locais integrados no estatal ONCV (Office National de Comercialisation dês Produits Vitivinicoles) estão cansados de ver suas garrafas seguindo a "rota do couscous" marroquino, ao passo de imigrantes africanos na Europa. Temem que seu vinho fique para sempre associado à mercadoria barata e de baixa qualidade. Contra isso passaram a replantar vinhedos, principalmente nas localidades de Mascara e Tlemcen, e a investir em qualificação profissional, com jovens treinados na França. Há certa nostalgia no ar, como relatam John e Erica Platter no emocionante livro Africa Uncorked (The Wine Appreciation Guide/2002) – pungente retrato da viticultura na África. Produtores mais antigos se lembram da imensidão de vinhedos antes de 1962, ano da independência da Argélia. Eram 36 mil hectares que colocavam o país em quarto lugar no ranking de produtores. Em dez anos, pós 62, o número de vinícolas havia encolhido de 3 mil para 50. Antes disso, os argelinos tinham é orgulho do seu vin médicin, usado para compor com grandes vinhos do Rhône e da Borgonha, "tirar sua palidez", diziam. Tempos em que o porto de Oran (ao lado) ficava atulhado de barricas à espera para cruzar o Mediterrâneo. Os vinhedos também foram vítimas da guerra. Tratar mal a viticultura dos dominadores franceses no período pós-colonial foi uma prática de Estado, simbólica, que tentou em vão apagar uma tradição milenar. É nessa força que voltam a se apoiar hoje os viticultores argelinos, espelhando os berberes que muito aprenderam com os fenícios. Numa ruína romana em Tipaza, a uma hora da capital Argel, arqueólogos reconstruíram um tanque de fermentação de cerca de 2.000 anos. Hoje os tintos locais driblam as barreiras religiosas e não podem faltar à mesa com o méchoui, o carneiro assado no espeto.

quinta-feira, 4 de junho de 2009

Um sueco entre champagnes

Um sueco tecendo loas ao grupo Abba é um acontecimento muito provável, assim como vê-lo em elogios à aquavit ou aos lagostins vermelhos devorados com amigos entre coloridas lanternas, entre agosto e setembro (Kräftfest). E a pazinha-fatia-queijo, então? Uma invenção para o bem da humanidade. Mas um sueco escrevendo livros apaixonados e apaixonantes sobre Champagnes? São mesmo bons vinhos para o smorgardboard, a mesa farta de delícias e muito arenque... Mas não é por aí o mergulho que Richard Juhlin, autor de 4.000 Champagnes (Flammarion, 2004), fez a esse universo da vinicultura francesa. No prefácio do livro, príncipe Alain de Polignac, que durante anos esteve à frente da tradicional vinícola Pommery, em Reims, diz que Juhlin "não fala simplesmente sobre vinho, mas fala a linguagem do vinho (...) com sotaque da Champagne". Estudioso, viajante incansável, invejável "litragem", Juhlin conhece os vinhedos franceses na palma da mão e coloca seu dom de degustador a serviço da bebida. "É como um ator incorporando seu personagem", escreveu Polignac. (O príncipe-enólogo garantiu o estilo da Pommery treinando os controladores da Vranken, a partir de 2002.) Os bons vinhos, especialmente os brancos alemães do Vale do Mosel, foram apresentados a Juhlin ainda na adolescência, ao lado da música clássica e da paixão familiar por Geografia. Mas a visita que fez a Reims, numa de suas férias escolares, foi decisiva para abraçar a causa, inebriado nas adegas de Piper-Heidsieck. O livro com apreciação de 4.000 rótulos, cuidadas fotografias de Pål Allan, um americano de origem escandinava, e comentários atualizados sobre cada uma das casas, veio coroar a carreira de Richard Juhlin, Chevalier de Coteaux de Champagne desde 1997. Outro de seus livros, Champagne, La Grande Dégustation (2001) foi premiado ao descrever a degustação que proclamou a Brillecart-Salmon 1959 o grande Champagne do século XX. Como bom sueco, Juhlin nos brinda com uma simpática relação dos Champagnes servidos entre 1901 e 2003 no banquete anual do Prêmio Nobel – 300 garrafas abertas para seletos 1.100 convidados. Juhlin escreve que a lista reflete os "gostos dos dias" de diferentes eras. A Veuve Clicquot, preferência no país durante muitos anos, antes de ser incorporada pela Möet & Chandon, nunca foi servida, ao passo que Louis Roederer tornou-se fornecedor da realeza sueca nos anos 50 e colocou seu Champagne na mesa do Nobel diversas vezes. Nos anos 70, Krug reinou anos seguidos. A Möet esteve 14 vezes à mesa; a Mumm, 10. Mas as borbulhas campeãs são da Pommery, 20 anos brindando excelências.

www.champagneclub.com

www.pommery.com/

Diário do Comércio 4/6/2009

terça-feira, 2 de junho de 2009

A democracia dos blogs

O crescimento do número de blogse sites sobre vinhos é uma novidade que a indústria do setor e consumidores em geral foram obrigados a considerar, principalmente com a entrada em cena de jovens escritores atentos não só à qualidade da informação, mas à velocidade com que elas podem chegar a seu destino. Em recente artigo na inglesa The World of Fine Wine, que tem Hugh Johnson no topo do expediente, Michael Steinberg pergunta: "Sobreviverão os críticos de vinhos profissionais num mundo dominado pela internet, no qual cada um é um crítico"? A agilidade e a informalidade dos blogs são armas imbatíveis se comparadas aos processos editoriais de grandes revistas e pomposos livros. Mesmo as colunas dos jornais são "lentas" comparadas aos blogs. Um vinho recém-lançado às margens do Douro pode ter sua avaliação conhecida por um consumidor inglês instalado na City londrina, poucos minutos após a degustação. Se para isso um blogueiro de vinhos equipado com seu laptop ou celular estiver a postos e, antes disso, tiver sido incluído nas fechadas listas de convidados das degustações. O jovem Jackson Brustolin, editor e crítico do blog QVinho, que acaba de completar dois anos, tem sido ágil na alimentação de seu espaço na net, com apreciações de "vinhos para pessoas normais", como frisa. Com isso quer dizer que foge das garrafas que só alguns encontram e daquelas que, encontradas, não se pode comprar. Mochilas nas costas, os Brustolins da vida são novos personagens nas salas de degustação. E isso incomoda alguns críticos, digamos assim, oficiais. O fato é que há uma grande demanda por informações frescas, sem vícios, pés no chão. E ele corre atrás delas. O QVinho foi pioneiro no Brasil na cobertura de eventos em tempo real e tem ampliado seus canais de informação. No ar, a série On the Road, com impressões sobre vinhos chilenos e argentinos, merece uma visita. O meio blog, em plena ascensão, ganha credibilidade também com o ingresso de escritores experimentados, acredita o consultor californiano Tom Wark, do Fermentation, idealizador de um prêmio para os melhores blogueiros do seu país. O inglês Jamie Goode, PhD em Biologia, por exemplo, abastece o wineanorak com posts sobre a ciência do vinho em linguagem de fácil entendimento. Isaac Asimov, do New York Times , serve o seu The Pour, concorrendo com pelo menos quatro centenas de blogueiros de vinhos hoje em incansável produção nos EUA. É claro que Robert Parker, Steve Tanzer e Jancis Robinson já estão com dois pés na internet. E só há elogios para a Wine Spectator on-line. O próprio Parker acredita que, num futuro próximo, a crítica de vinhos será mesmo via internet. Tanzer disse ao repórter da revista The World of Fine Wine que o grande problema hoje é o "ruído" estabelecido na internet, que embaralha joio e trigo. QVinho é trigo.

www.qvinho.com.br

www.wineanorak.com/score.htm

Diário do Comércio de 29/5/2009

quarta-feira, 27 de maio de 2009

Remédios da Era de Escorpião

Vinho para a saúde. Vinho contra a doença. Hipócrates (460-370 a. C.), o grego pai da Medicina, sempre recomendou a bebida para doentes e saudáveis, em doses de bom senso. Os romanos descreveram e documentaram muitas de suas receitas com vinho. O árabe Avicena, no século X, também considerou o vinho bom para remédio e o celebrou na sua medicina: "o vinho é o amigo do moderado e o inimigo do beberrão." Bem antes dele, entretanto, os egípcios já aviavam suas receitas com ervas em finas misturas com a bebida. Um papiro datado de 1850 a.C. deu algumas pistas da farmacopéia natural dos faraós. Agora, graças à arqueologia molecular e seus modernos recursos de análise química, a composição dos remédios usados durante milênios no Antigo Egito começam a ser meticulosamente desvendados. Um time de pesquisadores liderados pelo arqueólogo Patrick McGovern, da Universidade da Pennsylvania, conseguiu a primeira evidência química direta desses vinhos aditivados com ervas e plantas. Testes em resíduos de peças arqueológicas deram positivo para vinhos e aditivos orgânicos. Estavam presentes, por exemplo, no anel amarelado da jarra encontrada em Abydos, Alto Egito, na tumba de Escorpião I (3.150 a.C.), um dos primeiros faraós, e também na ânfora escavada em Gebel Adda, no sul do país, com datação entre os séculos IV e VI d.C.. Comprovam, assim, um arco milenar dessa prática. Uma das ervas na jarra de Abydos é o coentro, conhecido no combate a males do estômago. Estudos futuros devem confirmar a presença de sálvia, hortelã, segurelha e tomilho. Na ânfora de Gebel Adda, evidências arqueobotânicas e moleculares mostram que alecrim foi misturado ao vinho resinado. Justamente a erva que contém grande número de componentes químicos antioxidantes – panaceia que vem dos faraós ? Cientistas liderados por McGovern comemoram. Acabam de publicar um artigo na primeira edição online do PNAS (Proceedings of the National Academy of Sciences), com todos os detalhes dos experimentos e da tecnologia de ponta utilizada. Acreditam que estudos cada vez mais rigorosos vão desvendar milênios de uma eficiente medicina natural. "Talvez o que eles conheciam possa ser 'reescavado' e aplicado na saúde e na medicina do século XXI".

http://www.pnas.org/content/early/2009/04/13/0811578106.abstract

http://www.museum.upenn.edu/

Diário do Comércio de 22 de maio de 2009

segunda-feira, 18 de maio de 2009

Os jardins de Hugh Johnson

A Royal Horticultural Society (RHS), instituição fundada em Londres em 1804, acaba de lançar In the Garden, livro editado por Mitchell Beazley. O que uma publicação que trata de jardins estaria fazendo numa coluna de vinhos? É que o autor de In the Garden é ninguém menos que Hugh Johnson, um dos mais respeitados críticos de vinho da atualidade, com duas obras referenciais: A História do Vinho e o indispensável The World Atlas of Wine, editado no Brasil pela Nova Fronteira. Além de vinhedos e châteaux, Hugh Johnson conhece jardins em todo mundo e cultiva o seu em uma belíssima propriedade na Inglaterra. O novo livro reúne textos escritos como um diário para a RHS, publicados de 1993 a 2008. Entretanto, muito longe de um livro de auto-ajuda a jardineiros e paisagistas, interessados nos nexos entre plantas e estações, In the Garden completa o perfil de requinte de seu autor. É ali que ficamos sabendo como o enófilo apura seus sentidos. Educação que passa pela "Hidrophonia", disciplina que envolve os muitos sons das águas ao cair em cascatas e fontes. Johnson estuda a harmonia desses pingos, sinfonias entre os verdes. Os ventos também cantam ao passar por entre as plantas. O bom jardineiro deve ter isso em conta: é preciso estudar a posição de bambuzais e das grandes árvores para que toda a escala de sons funcione bem. Ele está interessado também na luz, focos que podem potencializar cores e detalhar recortes e filigranas de flores e folhas. Como enófilo, é claro, faz uma declaração de amor à vide: "não há nada como colher de uma videira como treinamento para pensarmos como uma planta".

http://www.rhs.org.uk/
www.trasdiary.com

Diário do Comércio de 15/05/2009

sexta-feira, 8 de maio de 2009

O que diz o Monte Testaccio

O Testaccio, erguido em um dos distritos (rioni) de Roma, nas imediações do rio Tibre, é um monte todo feito de pedaços de ânforas – 40 milhões delas, segundo cálculos dos arqueólogos. A chamada "colina envergonhada" foi usada durante séculos como área de descarte pelos antigos romanos, em época áurea. Escravos e mulas tiveram de penar transportando cacos da cerâmica destinada ao lixo. A grande maioria das ânforas que formam o Testaccio era utilizada no efervescente comércio de azeite. Mas há as usadas para o vinho, outro produto importante da dieta romana. O Testaccio é registro imponente da sede de consumo de uma cidade poderosa, onde há cerca de dois mil anos contava-se um milhão de habitantes. Para abastecer a "metrópole" superpovoada era necessário importar grãos, azeite, vinho. Considerando-se que essas ânforas tinham capacidade para 50 litros (11 galões imperiais), e provavelmente foram usadas mais de uma vez, falar em 40 milhões de unidades é tratar de superlativo fluxo de mercadorias entre as várias possessões do Império. Muitos dos fragmentos já retirados nas escavações no Testaccio têm inscrição de origem muito precisa: a Baetica, região da então romana Hispania, hoje a espanhola Andaluzia, terra de 200 milhões de oliveiras e bons azeites. Os ricos romanos também gostavam de vinhos de outras praças, da Campânia, por exemplo, onde a videira em terra vulcânica é cultivada desde o século XIII a.C.. As primeiras escavações no Testaccio foram feitas em 1872. Por meio delas, os estudiosos descobriram também que o monte foi usado, na Idade Média, como local para adegas. É que o "frescor" presente em nichos com paredes de cerâmica era ideal para a preservação dos vinhos. Hoje o Testaccio ferve é com bares da moda, onde vinhos e azeites vivos estão no cardápio.

http://www.testaccio.roma.it/

http://ceipac.gh.ub.es/MOSTRA/e_expo.htm

DC de 8/Maio/2009

segunda-feira, 27 de abril de 2009

AVA com alma AOC

Uma tirada de Charles de Gaulle (1890-1970), defensor que era, nos campos de batalha, da concentração de forças, sempre é lembrada quando o tema são as classificações regionais, tão ao gosto dos franceses. "Como alguém pode governar um país com 246 queijos?" Contado o orgulho e cada pé de serra, o número de queijos seria muitíssimo maior, do tamanho da montanha de produtores. A União Européia entrou em campo em 1992 e instituiu, para funcionar ao lado da tradicional AOC (Appellation d'Origine Contrôlée), um selo algo mais restritivo, o PDO (Protected Designation of Origin). Atende com atraso aos reclamos do general ou cria nova escalada de especificidades? O professor Michael Veseth , da Universidade de Puget Sound (Washington), usou a frase de De Gaulle como epígrafe de um texto sobre a enxurrada de AVAs (American Viticultural Area) que recorta as regiões vinícolas dos Estados Unidos além das fronteiras políticas – regulação só aparentemente inspirada nas AOC francesas. Apellattions que primeiro garantiram sobrevivência aos vignerons, depois qualidade aos vinhos até a promoção das regiões vinícolas da França, a começar de Champagne. "How Many AVAs are Enough?" (Quantas AVAs são suficientes?) é a pergunta-título de um artigo publicado por Veseth no site da American Association of Wine Economists. Já são cerca de 200 áreas nos EUA, a mais recente ganhou os contornos de Snipe's Mountain (Washington). Segundo Veseth, essas designações mais complicam que esclarecem o consumidor sobre a procedência do vinho, acostumados estavam com os rótulos varietais impressos por cada estado. Zinfandel da Califórnia ainda é um orgulhoso rótulo para o vinho produzido com uvas de Sonoma, Mendocino e Lodi. Essas três regiões AVAs específicas têm rótulo próprio somente quando produzem vinhos com 85% de uvas locais. Diante de uma Califórnia retalhada por AVAs ligadas muito mais ao território que ao fazer, resta entretanto uma experiência muito especial em Mendocino, onde produtores têm se esmerado na criação de vinhos AVA com alma AOC. Ou seja, acreditam na delimitação geográfica, mas adotaram critérios rígidos de produção, com cepas escolhidas a dedo. Vale a pena conhecer a sanha dessa organização de vinicultores, o Coro Mendocino, vozes diferentes na Califórnia.

http://www.sipmendocino.com/wineries/coro_mendocino.asp

http://wine-econ.org/2009/02/27/how-many-avas-are-enough.aspx

Diário do Comércio/24/04/2009

segunda-feira, 20 de abril de 2009

Um jantar no Hôtel Langeac

Thomas Jefferson e Benjamin Franklin convidaram Jack Osborne, professor de história americana do século XVIII, para jantar em Paris. Um encontro realizado no Hôtel de Langeac, residência de Jefferson durante sua temporada francesa. Não bastasse a deferência, os Pais da Nação americana ainda franquearam a adega. Osborne não só escolheu o vinho para o brinde inicial, como as soberbas garrafas de todo o jantar. Na primeira taça, champagne Monsieur Dorsey, safra 1783, de Ay, "melhor do que a servida aos reis pelos monges beneditinos de Hautvillers", na opinião de Jefferson. Ostras da Normandia com Meursault, Goutte d'Or; Montrachet para o macaroni com parmesão e anchovas; o Beef à la Mode com Haut Brion e Château Margaux, vintages 1784. E a torta de sorvete com Château d'Yquem. "Nosso convidado tem um gosto impecável!", sorriu Franklin para Jefferson. Este ficou surpreso com o conhecimento de Osborne sobre os vinhos de sua preferência. O professor explicou a Jefferson que um livro recentemente publicado nos EUA revelou a lista de vinhos completa das garrafas compradas, degustadas e guardadas na sua adega de Monticello. Essa ficção cheia de anacronismos é obra de James Gabler, que utiliza fatos históricos e considerações documentadas para compor A Evening with Franklin and Thomas Jefferson – Dinner, Wine, and Conversation( Bacchus Press/ 2006), livro lançado em 2006 por ocasião do 300º aniversário de nascimento de Franklin. Até sobre os atentados terroristas às torres gêmeas do WTC eles conversaram. Jefferson chega a comparar esses ataques aos sofridos pelas tripulações de navios americanos no Mediterrâneo, comandados por piratas muçulmanos.

www.thomasjefferson.net.

DC/julho/2008

Saint James's Street, 3

A Berry Bros. & Rudd, a mais antiga loja de bebidas do Reino Unido, e possivelmente de todo mundo, foi a primeira a lançar um site entre as casas do gênero. Hoje importa e vende via internet e no mesmíssimo balcão de madeira escura de outrora mais de 4 mil garrafas diariamente. A Berry Bros. & Rudd funciona há mais de 300 anos no número 3 da Saint James Street, no West End londrino, e permanece sob o comando da família pioneira, hoje na oitava geração. A Saint James é a rua que vai de Picadilly ao palácio Saint James, trecho notabilizado por alguns clubes remanescentes do século XIX, lojas exclusivas e tradicionais de roupas e calçados. Nessa região da cidade aconteceram as primeiras grandes feiras, com circulação das novidades de todo o mundo. Quando foi aberta, em 1698, tinha um perfil mais eclético. Além de bebidas, comercializava cafés e outras mercadorias importadas. Na segunda metade do século XVIII, já era fornecedora oficial do rei George III. Continua abastecendo a família real britânica até hoje. Simon Berry, chairman da empresa desde 2005, foi nomeado este ano uma espécie de gerente das adegas reais. Foi a partir do século XIX que a Berry Bros. & Rudd entrou definitivamente no ramo das bebidas, buscando o que de melhor se produzia em todo mundo, de châteaux a pequenas vinícolas. O celebrado whisky Cutty Sark é uma criação da loja, que tem ainda 70 rótulos próprios, sendo o Good Ordinaire Claret (cerca de R$ 23 a garrafa) o mais vendido. Estão todos guardados numa moderna adega que armazena 3 milhões de garrafas, incluindo aí algumas reservas de clientes.

www.bbr.com

DC/set/2008

"Vermelhos" na casa de Marx

O economista Victor Ginsburgh ainda não abriu as duas garrafas de vinho que levou de Trier, cidade ao longo do rio Mosel, na Alemanha, para Bruxelas, na Bélgica. As garrafas de pinot noir foram compradas na lojinha de lembranças da Karl Marx Haus, uma das atrações de Trier, cidade natal do economista e filósofo Karl Marx, a mesmaTrier que séculos antes fora residência do imperador Constantino. O ideólogo comunista ilustra o rótulo dos Spätburgunder produzidos na Maximin Grünhäuser com uvas de vinhedos muito próximos aos de Mertesdorf, cultivados pelos pais de Marx. Quem conta a história é Karl Storchmann no blog da Associação Americana dos Economistas do Vinho (AAWE - American Association of Wine Economists). A conferência anual da entidade, em 2007, foi realizada justamente em Trier. Ano em que a casa de Marx registrou 42 mil visitas: 12 mil chineses e 100 economistas da AAWE. Storchmann relata que Marx, em 1835, aos 17 anos, dividia seu tempo entre os bancos da Universidade de Bonn e das tavernas. Apreciador de um bom vinho, chegou a ser presidente do Trier Tavern Club. Mais tarde, foi estudar Filosofia em Berlim, onde doutorou-se em 1841. E o vinho ganhou outro peso em sua vida. Foi a pobreza dos viticultores do Mosel que o levou à Economia e, depois, ao Comunismo, explica Storchmann. A região de Mosel tornou-se província da Prússia em 1815. Era de onde saía quase a totalidade da bebida para o império. Áureos tempos. Até que, com a queda de impostos, o vinho alemão passou a inundar o mercado prussiano levando o Mosel ao desespero.

http://wine-econ.org/2008/08/05/karl-marx-another-wine-economist.aspx

DC/out/2008

França revisitada

Uma nova geração de pequenos vitivinicultores franceses, muitos deles adeptos da biodinâmica, começa a se destacar com seus vinhos também de terroir, alcançando em qualidade muitas garrafas saídas de pomposos châteaux. E ainda: com preços acessíveis a simples mortais. Derradeira chama enológica num país profundamente ligado a seus vinhedos e seus vinhos? Essa é a tese colocada em discussão pelo jornalista Robert V. Camuto em Cork Screwed -Adventures in The New French Wine Country, que acaba de ser lançado pela Universidade de Nebrasca. O exagero parece ser proposital. Vivendo na França desde 2001, o articulista da Wine Spectator e do Washington Post relata seu périplo pelo interior do país à procura de produtores "autênticos", em contraposição àqueles mantidos mercadologicamente à frente das ex-propriedades, mas já distantes das políticas e do caixa dirigidos por conglomerados internacionais. Tem assustado Camuto, que vive na França com a família desde 2001, a desmedida transformação dos vinhos franceses em commodities, disputadas a preço de ouro por novos ricos chineses e russos. (Apesar das muitas mudanças de comportamento, o chinês comum é bem capaz de misturar um Bordeaux com Coca-Cola para adoçá-lo a seu paladar.) Camuto registra ainda que a França vive um período de muitas restrições, como a lei seca ao volante, que acaba acertando alvo errado. Policiais não perdoam nem mesmo motoristas à saída daqueles que já foram sacrossantos almoços dominicais regados a bons tintos.

DC/nov/2008

Milhões de fantasmas

Não é de hoje que o fantasma chinês assombra o mundo do vinho. O jornalista Mike Steinberg, num post na Slate on-line, lembra que durante a "bolha da Internet", um empreendedor chinês do setor, baseado em Xangai, causou furor ao arrematar por US$ 500 mil 6 magnuns do Screaming Eagle 1992 – um Cabernet Sauvignon dos mais respeitados do Vale do Napa, Califórnia. Era o primeiro sinal de uma febre que não baixa. Hoje, um quatro dos vinhos leiloados no mundo estão em coleções de magnatas em Hong Kong. E cerca de 40% das garrafas finas (Bordeaux, Borgonha) dos negociantes ingleses acabam na China. Esse requinte, entretanto, ainda está restrito a yuppies e executivos estrangeiros. Há uma grande muralha cultural a ser vencida: os chineses não gostam do vinho seco ao estilo ocidental, acostumados com a ancestral mistura de frutas que garante apreciada doçura. Então o fantasma de muitos zeros e bocas é manso? Analistas acreditam que os preços dos vinhos franceses já estão sob pressão. Mas os chineses ainda não podem sugar todo vinho fino produzido no mundo. Além disso, não conseguirão a curto prazo invadir com vinho outras praças como fazem com suas bugigangas. A China tem 453 mil ha de vinhedos, mas apenas 10% das uvas são para vinho. As vinícolas têm dificuldade de suprimento: os vinhedos são familiares, plantados depois de 1949, sob inspiração de Mao – era a estratégia do líder para que os grãos deixassem de ser carreados aos destilados e virassem comida. Assim, o quesito qualidade ainda é um sonho, só conseguido por meia dúzia das 450 vinícolas em operação no país, entre elas Great Wall, Dragon Seal, Changyu, Huadong e Grace Vineyard. Estas não só manejam vinhedos próprios, mas já contam com investimentos e tecnologias de fora.

http://www.grapewallofchina.com/

DC/nov/2008

A nobre retsina do Peloponeso

Há um movimento entre vinicultores gregos para melhorar a imagem da retsina, o vinho aromatizado com resina, uma receita de mais de 2.500 anos. A garota-propaganda mais famosa da causa é a grega Corinne Metzelopoulos, nada menos do que a dona do Château Margaux. Quando provocada por jornalistas sempre diz que adora a bebida. Na Antiguidade, a resina da terebentina, do pinheiro Aleppo e até mesmo a mirra bíblica eram misturadas ao mosto como conservante. Seu poder antibactericida era reconhecido. Mas o gosto da retsina, ele mesmo, passou a agradar e virou tradição. Quem visita a Grécia em tempo de paz (não agora, quando há guerra nas ruas contra o governo), vai encontrar numa taverna um senhor de boné preto, passando o tempo com seu tombolói (espécie de terço), tendo à frente uma jarra gelada de retsina. Nas últimas décadas, a queda de qualidade da bebida (uvas baratas, aromatização artificial, armazenamento em descuidadas barricas) andou afastando jovens gregos influenciados por certa assepsia cosmopolita. A volta por cima se deve à retsina Ritinitis Nobilis, feita com selecionadas uvas roditis (não a savvatiano associada à velha retsina), plantadas pela vinícola Gaia nas colinas de Aegialia, ao norte do Peloponeso. O segredo parece estar na dose precisa de resina adicionada ao vinho. O Peloponeso foi citado por Homero como Ampeloessa, ou seja, lugar "cheio de vinhas". Garrafas de retsina de qualidade também são produzidas pela casa Kechri, na Thessalônica.

http://www.wisegeek.com/what-is-retsina.htm

http://gogreece.about.com/cs/fooddrink/a/retsina.htm

DC/dez./2008

Francis Coppola Presents...

Agostino fazia seus vinhos no porão do apartamento da família em Nova York, em lagares de concreto que ele mesmo construiu. Eram vinhos rústicos que deixavam os encontros familiares mais fluentes e saborosos. Agostino era avô do diretor de cinema Francis Ford Coppola, que soube das proezas pelo tio. Há cerca de três anos, Francis montou uma vinícola especialmente para reproduzir os "vinhos do dia-a-dia" que marcaram a vida dos primeiros imigrantes Coppola. Francis e a mulher, Eleonor, iniciaram seu projeto enogastronômico há cerca de três décadas. Os negócios não param de crescer. Tanto que afastaram o diretor dos sets por cerca de oito anos. Youth Without Youth, lançado em 2007, já foi financiado com o dinheiro dos vinhos. De Rubicon State, antiga Niebaum-Coppola Winery, em Rutherford, região dos grandes Cabernet Sauvignon do Vale do Napa, saem vinhos premiados e caros, muitos deles a mais de US$ 100 a garrafa. Coppola resolveu comprar uma nova propriedade em Geyserville, Sonoma, para produzir também vinhos mais populares. Foi batizada de Francis Ford Coppola Presents, com destaque para a linha Rosso & Bianco, com garrafas a US$ 11. O Rosso Classic que remete a Agostino tem um blend especial: 48% zinfandel, 27% syrah e 25% cabernet sauvignon. Há dois anos o diretor patrocina um concurso de curtas que tratam do prazer dos vinhos de todo dia (Rosso & Bianco Theater Movie Contest). Vale a pena visitar o site indicado abaixo para ver o desenho do gato vencedor deste ano. E a coleção dos curtíssimos filmes de menos de um minuto dos enófilos-cineastas de 2007.

http://www.ffcpresents.com/

http://www.rubiconestate.com/site.php

DC/dezembro de 2008

Vinhos no Porto de Paraty

A revista britânica Condé Nast Traveler é uma espécie de bíblia dos viajantes. Não dispensa o que é bom na tradição, mas foge das letras puramente góticas. O restaurante Porto, no centro histórico de Paraty, já foi incluído na sua lista dos 100 melhores lugares do mundo para se comer. A cozinha fusion do Porto, com pratos de peixes e frutas da terra, como a carambola, o risotto com a leveza do nosso palmito, e corretas massas com fresquíssimos e macios frutos do mar tem atraído a suas mesas bons gourmands. Os mais vips hoje em dia são os escritores da Flip, a Feira Literária Internacional de Paraty. O anglo-indiano Salman Rushdie, que acaba de ser condecorado com o título de cavaleiro pela rainha Elizabeth II, esteve nas mesas do Porto certamente falando dos planos de escrever um livro sobre os nove anos em foi caçado por radicais islâmicos indignados com seus Versos Satânicos. Chico Buarque também já desfrutou da boa comida ali servida, assim como o chef-celebridade Anthony Bourdain, do No Reservation e dos Maus Bocados, livro lançado no início deste ano pela Companhia das Letras. O crítico do New York Times gostou do serviço preciso. Acrescentaria o piano das noites, o som ambiente com escolhidos momentos do jazz de John Pizzarelli e os vinhos bem escolhidos da sua adega. O Porto prestigia a casa Miolo e dá destaque a espumantes Salton. Na lista de vinhos de fora oferece uma seleção já aplaudida por críticos como Robert Parker e Jancis Robinson, além das revistas Gambero Rosso, Revue du Vin de France e Wine & Spirits. Dos vinhos argentinos em destaque, com boa relação qualidade/preço, incluem o Caro 2003 (Catena Zapata-Lafite-Rothschild), o Pedriel 2002 (Bodega Norton) e Alto las Hormigas 2006.

www.eco-paraty.com

DC/Agosto de 2008

Que vivan los tomeros!

Imponente, mas amigável, "de casa", a Cordilheira dos Andes é sempre invocada com paixão por viticultores chilenos e argentinos. Enrique Toso, da vinícola Pascual Toso, sempre diz que é preciso "mirar para arriba", olhar para o alto, tratando de exaltar para o mundo que a vizinha cordilheira é a grande fonte do clima e da água que dão caráter às uvas e aos vinhos locais. Não é, portanto, somente a irresistível moldura para a série de bem cuidados vinhedos a seus pés. O argentino Carlos Pulenta, da vinícola Vistalba, em Mendoza, também fala com carinho dessa vigorosa linha montanhosa. Na apresentação de seus vinhos em São Paulo na última terça-feira, no restaurante Pobre Juan, Pulenta tratou de enaltecer uma das figuras indispensáveis da região, o tomero. Conta que o próprio pai, Antônio, foi um tomero, profissional que controla a "toma" da água que corre pelos rios das montanhas para abastecer cada uma das propriedades. A "nobre ocupação" foi criada em 1833 e se mantém viva até hoje. Tomero batiza uma série de vinhos varietais da bodega, de uvas sauvignon blanc, semillón, chardonnay, malbec, cabernet sauvignon, syrah, petit verdot e pinot noir, todas cultivadas na propriedade de 400 hectares no Valle de Uco. Carlos Pulenta também apresentou seus vinhos de corte com assinatura Vistalba, a jovem vinícola em Luján de Cuyo, elaborados com uvas malbec, cabernet sauvignon, merlot e bonarda. Alguns de seus vinhedos de corte são justamente remanescentes de 80 anos, que sobreviveram bravamente à devastadora Phylloxera. Os integrantes da Famiglia Valduga também olharam para "arriba". E viram nos vinhos de vocação de Pulenta uma oportunidade de unir "filosofias" irmãs, como diz Juarez Valduga. A Domno, nova empresa do tradicional grupo brasileiro, criada para investir na produção de espumantes e em importados, está trazendo Tomeros e todos os três cortes Vistalba para o Brasil. A Domno estreia no mercado com 400 mil litros do espumante .Nero.

www.carlospulentawines.com

www.domno.com.br

DC/27/03/2009

Fogo e vinho de Natal

Cedric Dickens, bisneto do escritor Charles Dickens, costumava dizer que os personagens delineados pelo bisavô não eram somente entes da imaginação e dos livros. Gostava de lembrar que certa vez ao tomar um táxi em Londres viu que na direção estava Tony Weller, o memorável cocheiro de Pickwick. Os bêbados e os sábios bebedores de Dickens também podem ser facilmente encontrados nas esquinas, nas inebriantes tavernas e nas boas mesas de todo mundo. Maypole Hugh, da turma de Barnaby Rudge, tinha fama de ser capaz de beber um Tâmisa inteiro. Já Mr. Pickwick bebia por prazer, com moderação, como o próprio Dickens pregava na vida pessoal. Ficaram célebres os coquetéis apreciados pela coleção de tipos dickensianos, entre eles o Ponche de Natal, mistura de rum, limão e açúcar, servido quente em taças de Claret, ao pé das lareiras. O Natal de Dickens, com as famílias reunidas e aquecidas pelo fogo e pelo poder congregador das bebidas, é imagem universal. Em 1832, quando o jovem repórter de 20 anos relatava as discussões travadas na Casa dos Comuns sobre o "gim", os vinhos mais populares na Inglaterra chegavam da Espanha e Portugal. Os franceses eram taxados e ficavam muito caros. Não é à toa que os personagens de Dickens tomam mesmo é Porto e Sherry. Já escritor famoso, tinha na adega em Glads Hill muitos desses mesmos vinhos, alguns muito raros, em gigantesgarrafas Magnum.

DC. dez/2008

Malbec ao ponto

Malbec argentino com carne da Argentina. A combinação nunca foi tão difundida. Os vinhos da cepa que nasce com vigor na região de Mendoza não precisam pegar carona na fama da suculenta e saborosa carne dos pampas, mas não dispensam a parceria. Wines of Argentina, entidade que promove os vinhos do país, tem um slogan sob medida para essa sintonia: "Malbec, made for meat". Levada para a Inglaterra, a campanha ganhou a forma de concurso. Afinal, quais Malbec combinam melhor com os pratos de carneiro, carne de porco e o tradicional roast beef britânico? Não à toa, o Alta Malbec 2004, da Bodega Catena Zapata, ficou no topo da lista depois de computadas as notas das degustações realizadas em várias cidades inglesas. Por trás desse sucesso está Nicolás Catena, que em 1988, depois de ter sobrevivido à derrocada econômica dos anos 70, resolveu transformar radicalmente seu negócio. Se a crise reduzia o mercado interno, era hora de exportar vinho de qualidade. Catena chegou a importar da Califórnia o consultor Paul Hobbs, o enólogo que ajudou Robert Mondavi a montar o projeto Opus One. Hobbs impôs práticas para melhor a qualidade dos vinhos, incluindo replantio de videiras. A uva malbec entrou na receita da "reconversión" como ingrediente que o mercado esperava, variedade exuberante em taninos, superando a declinante mãe que sobrevive em solo francês. Hoje os vinhos Malbec são uma espécie de âncora nos negócios do vinho argentino e correspondem a 50% das exportações de vinhos finos. Resta saber o impacto da crise internacional nesse mercado nos próximos anos. Dificilmente o país conseguirá manter o crescimento médio anual das exportações em 30%, como registrou entre 1998-2006.

http://www.winesofargentina.org/index3.php

http://www.catenawines.com/

DC. dez/2008

Ao ritmo do hip-hop

Fess Parker Jr., o famoso Daniel Boone dos seriados dos anos 60/70, tem seus vinhedos em Los Olivos, Califórnia. No espaço de degustação da vinícola, além de vinhos, vende pequenos gorros para garrafas inspirados naquele de pele que levava à cabeça como Daniel Boone. Quem se habilita? Gerard Depardieu, ator francês que faz questão de ser chamado de vigneron, faz seus vinhos em várias partes do mundo, com uvas de Bordeaux, Vale do Loire, Languedoc Rousillon (França), Catalunha e Castilla y León (Espanha). Seus negócios já têm braços no Marrocos e na Argentina. Greg Norman é um ex-golfista profissional que fez fortuna no esporte e agora faz vinhos de primeira em propriedades na Califórnia e na sua Austrália natal. Cresce o número de celebridades nascidas nos palcos, teatros, gramados e nas telas de cinema que avançam em terreno vinícola. A mais recente é Lil Jon (foto), o rapper americano que investe agora na Little Jonathan Winery e já conquistou boas notas para seu Chardonnay, tanto da revista Wine Spectator como da People. Especialistas da Associação dos Economistas do Vinho estudaram o fenômeno e são taxativos ao dizer que um vinho de celebridade não significa um vinho ruim, já que a maioria coloca à frente dos negócios profissionais dos mais habilitados. Também não querem ver suas imagens associadas a produtos de segunda. O fato é que a fama de alguns desses vinhos pode andar na mesma curva do sucesso ou do efêmero da celebridade de plantão.

http://www.gregnormanestateswine.com/greg_norman_wine.php

http://www.fessparker.com/html/winery2.html

DC, dezembro de 2008

Não é rolha, mas como respira!

Tim Keller, aluno de Viticultura e Enologia na Universidade da Califórnia, em Davis, juntamente com dois colegas de MBA, criaram um novo conceito de tampa para as garrafas de vinho. Uma versão de screw cap capaz de respirar na medida certa para garantir o bom envelhecimento de cada tipo de vinho. Resta para 2009 encontrar empresários dispostos a investir na fabricação em série. Em resumo, a screw cap de Keller ganhou revestimento que alterna camadas finíssimas de metal e de polímero poroso, criando "respiradouros" que somente a nanotecnologia sabe desenhar. O projeto venceu a competição anual de empreendedorismo da universidade (Big Bang! Business Plan Competition) e sua equipe levou US$ 15 mil. Keller trabalhou 10 anos em vinícolas de Sonoma e do Vale do Napa e por isso conheceu de perto os prejuízos que a contaminação das rolhas de cortiça por fungos traz à indústria do vinho. Ao site da universidade, Keller disse que as rolhas sintéticas, criadas como alternativa às de cortiça, não responderam integralmente ao problema do TCA, uma vez que permitem a passagem de mais oxigênio que o necessário, provocando indesejada oxidação. Estudiosos de Davis dizem que a screw cap, cápsula de metal com rosca, que ganha espaço entre vinicultores do Novo Mundo, incluindo os EUA, tem se mostrado viável para vinhos brancos, mas não são capazes de permitir a entrada de oxigênio nas doses necessárias para os tintos mais finos. A "screw cap que respira" seria uma solução barata para o problema. Os cálculos iniciais indicam que poderia ser vendida a US$ 0,20 a unidade - US$ 0,11 a menos que a rolha de cortiça e US$ 0,05 a menos que a screw cap normal e a sintética.

8669">http://www.news.ucdavis.edu/search/news_detail.lasso?id>8669

DC de fevereiro de 2009

Youngbloods da Serra Gaúcha

Os jovens irmãos Carraro estão transformando a Lídio Carraro, na Serra Gaúcha, numa vinícola de referência. O empenho com que emprestam modernidade ao trabalho do pai pode ser comparado ao de novas gerações de viticultores na França e na Austrália. Os aussies de Rutherglen, conhecidos como Youngbloods, desde 2003 têm injetado sangue novo nos negócios de seus antepassados e promovem outra revolução, processando a moscatel sob rígido código de conduta. O clone francês dos Youngbloods, o Bordeaux Oxygène, formado em 2005 por representantes de 17 châteaux, investem pesado em marketing, não descartam blends diferentes e estão atrás de jovens consumidores, nem que para isso tenham que cometer a "heresia" de colocar no rótulo o nome das uvas. Aqui, Patrícia Carraro, diretora de marketing da Lídio, e os irmãos trabalham com determinação o conceito de vinho de butique – produção menor e de mais qualidade do Vale dos Vinhedos. Essa estratégia já os levou ao Duty Free: os primeiros vinhos brasileiros nas lojas dos aeroportos internacionais. Um dos seus rótulos também ostentou o selo de vinho oficial dos Jogos Pan-americanos do Rio. Há mais de dois anos, Patrícia nos apresentou garrafas de Elos (Cabernet Sauvignon) e Quorum (com 4 cortes diferentes) durante almoço no La Bourse, restaurante da Bolsa de Valores de São Paulo. A empresa começava a mudar. Hoje esses surpreendentes vinhos estão em boas mesas da República Checa, Dinamarca, EUA, França, Alemanha e Angola. Uma garrafa dos Carraro já tomou conta da capa inteira da revista checa Víno Revue. O elegante rótulo traz o cacho de uvas estilizado, logo que também é um orgulhoso mapa do Brasil.

www.lidiocarraro.com/

www.rutherglenvic.com

DC de fevereiro de 2009