sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Pai de Capitu defende liberdade do gosto

Os esnobes do vinho, com sua estudada linguagem de exclusão (desconsideremos os meros papagaios), são sutilmente massacrados em Liquid Memory (Farrar,Straus and Giroux/New York/2009), livro recém-lançado de Jonathan Nossiter, o polêmico diretor de Mondovino. Nossiter faz questão de explicar que o livro não é uma continuação do filme. Em Mondovino, fez uma colagem de elementos para uma "antropologia cômica do mundo do vinho", com seus agentes se debatendo entre a geografia local e a global, entre viticultores apegados à tradição de imutáveis terroirs e os afeitos à tecnologia que literalmente viaja pelos quatros cantos do mundo em nome da hegemonia do gosto. Em Liquid Memory, o vinho e quem o bebe entram em cena submersos em intrincadas conexões culturais e muita memória. Nossiter sabe bem o quanto de "mafioso" há no ambiente da indústria vinícola, que ganha reforço nos textos cifrados das grandes publicações. Chega a comparar a linguagem empregada por críticos, sommeliers, restauranters e um e outro auto-intitulado connoisseur à visão orwelliana da abusiva e intencional inversão da linguagem em regimes totalitaristas. É com certo horror a essa realidade que o autor trata de defender a travessia de todas as fronteiras ideológicas e comerciais que oprimem a liberdade de escolha dos vinhos que vamos beber. Mas nada de vale-tudo, bem entendido, pois ele é igualmente crítico em relação aos "populistas do vinho" que tratam de propagar a ideia de que vinho é tudo a mesma coisa, reduzindo à nada "vários milênios de experimentação cultural e agronômica". Nossiter dá uma nova cor ao conceito de terroir. Não gosta daquela prática imobilizada exclusivamente como reserva de mercado. Exalta é o terroir que inclui ao propagar e dividir a sabedoria de gerações, um terroir capaz de viajar com o vinho na bagagem da cultura. "O terroir forma meu senso de paladar onde quer que eu esteja vivendo [mora atualmente com a mulher Paula e os filhos Noah, Capitu e Miranda, no Rio de Janeiro]. (...) Sem terroir – no vinho, no cinema, e na vida, (e sou mais feliz quando os três se confundem) – não há individualidade, nem dignidade, nem tolerância, nem civilização compartilhada". Um terroir que une? Sim, e o contexto é fundamental nessa hora. Nossiter cita o Aglianico de Vulture, da Basilicata, sul da Itália, vinho que degustou no Rio na companhia dos amigos diretores Walter Salles e Karim Aïnouz. O vinho era da mesma região de Matera, onde o cineasta de paixão comum, Pier Paolo Pasolini, filmou o Evangelho Segundo São Mateus. O vinho estava bom também por causa dessa herança. E não somente porque era de uma boa safra (1998) e saíra das boas mãos dos Paternoster.

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