terça-feira, 31 de julho de 2007

Cálices da ciência

PhD em Biologia, criador do visitado site wineanorak.com, o escritor inglês Jamie Goode tem emprestado seus conhecimentos científicos para abordagens elucidadoras – e polêmicas – da arte vitivinícola. "A degustação tem muito mais a ver com o degustador do que com o vinho por ele provado", escreveu para uma das edições da revista The World of Fine Wine, pondo em xeque o real valor das notas, estrelas e cálices emitidos pelos críticos. Autor de livros sobre a aplicação da ciência na viticultura: Wine Science (Mitchell Beazley, 2005) e The Science of Wine: From Vine to Glass (University of California Press, 2006), Goode tem também como interlocutores especialistas em Neurociência, Psicologia e Filosofia. Pesquisadores reafirmam que ainda há muito a desvendar sobre como o cérebro constrói nossa experiência sensorial com o vinho. Além do aroma e do sabor, existem outras variáveis fundamentais como visão, tato e memória, que trabalham de maneira intrincada para uma percepção final e única da relação com um vinho específico. Goode resume: "É comum ouvir uma pessoa falando sobre um noventa-qualquer-coisa vinho de Parker [o crítico norte-americano], como se aquele vinho tivesse aquele score, de algum modo invariável. O que um 95 de Parker realmente significa é que, em certo dia, Robert Parker deu para o vinho de determinada garrafa uma cotação de 95 pontos. Para você, seu paladar, no ambiente em que provou o vinho, no seu contexto, as coisas podem ser diferentes."


http://www.finewinemag.com/docs/Wine%20&%20Brain%20by%20Goode.pdf

http://www.wineanorak.com/score.htm

DC 27/7/2007

Uma cratera para os bárbaros

Gregos e romanos quase nunca tomavam seu vinho puro, como faziam os cítios, nômades iranianos do tempo do grande persa Dário. A moda cítia do vinho sem mistura era considerada comportamento bárbaro, dentro daquele espírito apreendido pelo dramaturgo Aristófanes: o verdadeiro homem seria aquele que se alimenta e bebe em vastas quantidades. Antes de ir para o kylix, elegante taça grega com duas alças, a bebida era misturada à água numa cratera, grande vasilha de cerâmica, ricamente decorada, geralmente posicionada no centro do salão do symposium. O bardo Homero refere-se na sua épica Odisséia (canto IX), a verdadeiros "sommeliers" servindo vinho a convivas de um banquete, a partir de pesadas crateras. As proporções desse mix alimentaram polêmicas e foram parar nos escritos de filósofos, poetas e historiadores. Aristófanes fala de uma forte mistura: uma parte de água para uma de vinho. Uma criteriosa compilação de citações sobre o tema, traduzidas para o inglês, pode ser vista no blog Laudator Temporis Acti, mantido pelo bibliomaníaco de Minnesota, Michael Gilleland. Heródoto, um dos pais da historiografia moderna, reproduz uma informação colhida numa de suas viagens: a de que o rei espartano Cleômenes "perdeu o senso" e morreu miseravelmente por causa do vinho sem água. Gilleland registra um dos epigramas do endiabrado poeta Marcial, que critica gregos e romanos que bebem o vinho no seu estado natural. Seriam bêbados ou glutões. Platão, nas suas Leis, foi condescendente: "Cítios e trácios, homens e mulheres, bebem de vinho natural, assim como vestem seus trajes", glorificando uma "instituição".

http://laudatortemporisacti.blogspot.com/2004/10/wine-and-water.html

http://en.wikipedia.org/wiki/Krater

DC 20/7/2007

Ben Schott, no gargalo

Ben Schott é um jovem escritor inglês, fotógrafo, apreciador de bons vinhos e charutos, especializado em... almanaques e miscelâneas. Suas três últimas coletâneas, traduzidas para mais de doze línguas, já venderam cerca de 2 milhões de exemplares. A Miscelânea da Boa Mesa de Schott (Intrínseca, 2006), ao lado de hilariantes inutilidades, traz dados históricos sobre alimentação e comportamento à mesa. Além de curiosidades sobre vinhos, como a nomenclatura dos espaços livres dentro de uma garrafa: a bebida pode estar no gargalo ou, mais vazia, no "início do ombro". Outra relação mostra o tamanho e os nomes dos cascos, com uma biografia dos homenageados. Baltazar, um dos três reis magos, o da mirra, nomeia a garrafa de 16 litros de Bordeaux. Uma lista trata dos tonéis de madeira, do Demi-muid de 600 litros, para o Châteauneuf-du-Pape, aos Stück, com o dobro da capacidade, onde fermentam vinhos do Reno. Na edição brasileira, para ficarmos nas listas ao gosto dos almanaques, há a carta de vinhos do último baile da Ilha Fiscal, no Rio, oferecido por D. Pedro II para 5 mil pessoas, em 9 de novembro de 1889. Registros mostram que, ao apagar das luzes da monarquia, foram consumidas 12 mil garrafas de vinho e duzentas caixas de champanhe. Schott trata de outro jantar, realizado durante o cerco de Paris, em 1870. O zoológico do Jardin des Plantes, sem condições de manter os animais, vendeu camelos, cangurus e antílopes para a festa, servidos com Mouton Rotschild 1846 e Romanée Conti 1858.

http://www.benschott.com/en/almanac.html

http://www.miscellanies.info

DC 13/7/2007

Casa Mondavi, o livro

Acostumada a brilhar nas revistas especializadas (e na de celebridades), a família Mondavi, responsável por décadas de elegância na elaboração de grandes vinhos no Vale do Napa, merecidamente reconhecida como mecenas da cultura enogastronômica da Califórnia, tem agora sua trajetória analisada sob um olhar sem concessões. A jornalista Julia Flynn Siler, do The Wall Street Journal, acaba de lançar The House of Mondavi (Gotham, 2007), um livro que mostra os meandros dos negócios da família, desde a chegada do imigrante italiano, o patriarca Cesare Mondavi, aos Estados Unidos, em 1906. Fala das décadas de Robert Mondavi, que com talento e visão construiu um império de mais de um bilhão de dólares e foi peça-chave na revolução da vitivinicultura americana. E põe suas tintas na rivalidade entre os herdeiros Michael e Thimothy, expressa na luta pelo controle do negócio, até a venda da companhia para um conglomerado internacional, a Constellation Brands, em dezembro de 2004. Na pesquisa que baseou reportagens de capa do WSJ e, agora, o livro, Julia teve de vencer sérias resistências dos produtores californianos, temerosos em falar sobre os poderosos amigos Mondavi. Até que Robert e a mulher, Magrit, abriram dados das operações. Além de entrevistas, o livro é resultado de detalhada pesquisa documental. (E como ficou o legendário Opus One? O acordo então celebrado por Mondavi e os Rothschild de Bordeaux foi renovado pela Constellation em setembro de 2005.)


http://www.cbrands.com/CBI/constellationbrands/homepage/default.jsp

http://www.robertmondaviwinery.com/summerfest.asp

DC 6/7/2007

Romance epicurista

O chef galês Idwal Jones publicou High Bonnet em 1945, antecipando uma escrita que celebra o epicurismo das relações entre aqueles que procuram os prazeres da mesa e do vinho. Epicuro, filósofo ateniense do século IV a.C, e seus seguidores propunham uma vida de prazer para se alcançar a felicidade. O romance High Bonnet (The Modern Library, New York, 2001) integra a coleção Modern Library Food, dirigida por Ruth Reichel, editora-chefe da revista Gourmet. Foi saudado por seu pioneirismo pelo chef do Les Halles, Anthony Bourdain, que, como Idwal Jones, também abre bastidores de cozinhas estreladas e mostra o que vai por dentro das almas de suas controversas figuras. Jones escreve sobre a saga do jovem provençal Jean-Marie Gallois, de aprendiz de saucier a chef coroado. O rapaz tem sua grande chance depois de preparar um molho avassalador (e o segredo estava no chocolate amargo) para um assado de ganso, servido de maneira improvisada na casa de seu tio. O Sauce Sicilienne foi tão apreciado por um dos convivas, uma baronesa inglesa gourmande, que Jean-Marie acabou indicado para o Faisan d'Or. O restaurante, famoso por seu repertório de molhos, funcionava nas instalações visitadas certa feita por Richelieu, curioso para entender o ponto da mayonnaise. Jean-Marie, narrador da própria história, não fala de pratos sem os vinhos que compõem um jantar realmente harmonioso. De seu tio, mestre fabricante de perfumados nougats, recebeu uma das inesquecíveis lições sobre vinho e terroir :" O melhor vinho para um homem é aquele que cresce no seu próprio vinhedo ou na sua vizinhança, o sangue de seu chão nativo".

http://www.vinsdeprovence.net/

http://pt.wikipedia.org/wiki/Epicurismo

DC 29/6/2007

Tônus de Xenófanes

O poeta-filósofo pré-socrático Xenófanes (c. 570-475 a. C.) fez de suas elegias um espaço de crítica à religião e às concepções morais de seu tempo, engajado nos então crescentes problemas da polis. Seus poemas são mais do que celebrações de feitos militares e políticos ou "vinho, mulher e canção", como analisou o professor John Porter, do Departamento de História da Universidade de Saskatchewan, Canadá. Num dos fragmentos sobreviventes, o vinho entra em cena em tom contemporâneo, que em nada fica a dever às formulações do filósofo francês Michael Onfray, para o qual há um estágio de embriaguez que ilumina o caminho da razão; Onfray é crítico da bebedeira "que faz do ébrio um vassalo". Para Xenófanes, a bebida deveria despertar a mente para o meritório, longe dos embates mitológicos e dos deuses antropomórficos de Homero e Hesíodo. É de Trajano Vieira, professor de Língua e Literatura gregas da Unicamp, a brilhante tradução e recriação deste trecho de Xenófanes (Xenofanias, Editora Unicamp/IO, 2006). Agora o solo se depura, as mãos todas, os cálices;/ alguém eleva à fronte a trança da coroa;/ um outro infunde bálsamo no púcaro;/ a cratera, plena, rejubila-se;/ ultimam um vinho diverso – sua falta é inadmissível! –,/ docimel, arômata floral nos jarros; / (...) Iniciar hinos ao deus é prerrogativa de homens felizes,/ com seus mitos de augúrio, linguagem de catarse./ Finda a libação e o clamor pelo justo proceder – eis o que a tudo precede! –,/ beber já não agride, quanto permita o torna-lar/ sem amparo no escravo, se a idade não pesa.../ Digno de nota é quem, pós-beberagem, revela temas de nobreza,/ o tônus da memória no que é meritório,/ não em episódios de refregas titânicas, gigânteas, centáureas, invencionices do passado,/ ou nas revoltas sangüinárias. Que vantagem nos trazem?/ Dádiva é manter a mente nas deidades.

http://en.wikipedia.org/wiki/Krater

http://homepage.usask.ca/~jrp638/CourseNotes/LyricPoets.html

DC 22/6/2007

De ânfora e Nabucodonosor

O desenho ao lado é de uma ânfora romana que circulou nas rotas do vinho a partir de 130 a. C.. Sua capacidade era para 48 sextarii, medida equivalente a 25,9 litros. Durante cerca de um século, serviu para certa organização no comércio do vinho, como anota o pesquisador Stuart J.Fleming, em Vinum, The Story of Roman Wine (Art Flair/USA). Era uma ânfora popular, como se fosse a nossa boa garrafa de 750 ml. A guarda do vinho nesses potes de terracota era comum na Mesopotâmia. Os egípcios os usavam de maneira organizada nas adegas dos faraós. Gregos e romanos transportavam as suas ânforas em rentáveis destinos comerciais, cheias de azeite de oliva e vinho. Com a invenção do vidro soprado, os romanos deram transparência ao vinho, mas a precariedade da manufatura em série das garrafas levava dúvidas aos consumidores. Para não pagar gato por lebre, os compradores levavam suas próprias medidas, que eram completadas. No século XVII, com o desenvolvimento das garrafas de vidro e o arrolhamento, o vinho passou a viajar e a ser guardado com mais segurança. Em 1979, sob pressão dos Estados Unidos, a garrafa padrão passou a ser a de 750 ml. Até mesmo viticultores da Borgonha e da Champagne, acostumados com a garrafa de 800 ml, e os de Beaujolais, que tinham a sua de 500 ml, partiram para certa padronização. As garrafas maiores existem há mais de três séculos, como a Jeroboam (3 litros), criada em Bordeaux. Muitas delas são usadas para ocasiões especiais, como a Nabucodonosor (15 litros). Já a Magnum (1,5 litros), mais popular, volta a freqüentar com destaque os catálogos das importadoras.


http://en.wikipedia.org/wiki/Wine_bottle_nomenclature

http://www.cellarnotes.net/wine_bottle_sizes.htm

DC 15/6/2007

A pérgula de San Michele

O vinho de Capri era regra na mesa do velho imperador romano Tibério, que fez da ilha um refúgio. Na defesa do vinho local o soberano acabava desancando o mediocre aceto de Sorrento. Mas era bebida rústica, dessas que não fazem feio com a massa numa simples tratoria. Gennaro Arcucci, médico lotado em Capri durante a breve Repubblica Partenopea (1799), foi o primeiro produtor comercial da ilha. Ele criou Le Lacrime di Tiberio, uma provocação laica ao Lacryma Christi, conta Luciano Pignataro, do site Il Portale. Nova onda só se deu em 1909, com a fundação da Cantina Isola di Capri, no centro da vila de Anacapri, hoje rebatizada de Vinicola Tiberio. Axel Munthe, médico sueco que morou em Anacapri entre 1896 e 1910, conheceu os agricultores desse pedaço de chão e deles traçou pungentes retratos no best-seller A História de San Michele. Pequenos vinhedos estão hoje plantados em não mais do que 200 hectares, 80% com cepas para vinhos brancos (Falanghina, Greco e Biancolella). A oficialiazação da Doc Capri, em 1977, estimulou os vitivinicultores locais. Munthe construiu sua casa em Anacapri, a 327 metros do nível do mar, no local onde existiu uma villa de Tibério. Mármores e achados arqueológicos (roba de Timberio, como diziam os nativos) foram incorporados ao projeto. A pérgula da Villa San Michele é tomada por parreiras, de onde é possível apreciar o mar azul e a abundante luz mediterrânea.


http://www.sanmichele.org/indexEN.html

6">http://www.vinocampania.it/Servizi/vinodelmese.asp?idItem>6

DC 8/6/2007

Paradoxo chinês

A China nem tem uma palavra específica para designar o vinho (chiew é usada tanto para bebidas destiladas como para fermentados, ensina o consultor canadense Hrayr Berberoglu), mas a progressão do hábito do vinho no país impressiona: o consumo crescerá 65,52% entre 2001 e 2010, seis vezes e meia o aumento global, segundo a Vinexpo 2006. O casal do projeto Vinos Sin Fronteras, que faz um périplo por 80 vinhedos em todo mundo (veja site), viu de perto as dificuldades dos produtores locais. Atropelados pela sempre presente necessidade de quantidade, contam-se nos dedos os vinicultores de olho na qualidade. A regra é misturar ao vinho mostos importados de segunda categoria e até água. Há ainda a questão cultural. "Beber Merlot com Coca-Cola pode revoltar um apreciador de vinhos do Ocidente, mas para um chinês doçura e teor alcoólico significam mais do que qualquer requinte de frutas", diz Berberoglu. Exceções existem e a bodega Dragon Seal, em Beijing, tem produzido vinhos autênticos com Syrah e Merlot. Os chineses começaram a descobrir o vinho nos moldes ocidentais nos anos 1980, sem deixar de lado o amor à cerveja e ao whisky. Já consomem 700 milhões de litros de vinho ao ano. No final do séc. XIX, um cônsul austríaco ajudou no cultivo da Welschriesling. Franceses apareceram com Cabernet Sauvignon, Merlot e Chardonnay. Multinacionais também chegaram a se instalar no país, mas hoje é o governo que trata de estimular a produção. A China já aparece entre os top 10 no ranking de produtores, com 1,6 milhão de litros por ano (A França é a maior produtora, com 4,6 milhões).

228">http://www.wines-info.com/en/item.aspx?col>228

http://www.vinossinfronteras.org/espagnol/diario.html

DC 1/6/2007

segunda-feira, 30 de julho de 2007

Uma girafa no Vale do Rhône

A França toda parou, em 1827, para receber a estranha criatura, uma girafa enviada de presente ao rei Carlos X pelo vice-rei otomano do Egito, Muhammad Ali – caravana que cruzou importantes vinhedos, causou furor entre agricultores do Vale do Rhône, até terminar ditando moda em Paris, com moças penteadas à la giraffe. Os historiadores dizem que o mimo era para ver a França neutra na guerra dos turcos contra a Grécia, que lutava pela independência. O navio vindo da África aportou em Marselha em 1826. Passado o inverno, foram mais 550 milhas nas quatro longas patas, de maio a junho de 1827, até Paris. Era a primeira girafa em solo francês, depois de uma odisséia na África: do Sudão até Alexandria, cruzando o Nilo, depois o Mediterrâneo, até a Sicília e a França. Essa história é narrada com brilho em Zarafa (Walker and Company/NY, 1998), de Michael Allin. Numa das escalas, em Messina, a embarcação que transportava o bicho teve de ficar ancorada longe do porto, medida sanitária em época de epidemias. Só a cabeça da Zarafa ficava para fora e muitos a viam como um "camelopardo". Cheios de curiosidade, pequenos comerciantes levavam aos passageiros frutas, gulodices e vinhos da ilha. As moedas eram jogadas numa vasilha com água e vinagre. Que vinhos seriam esses? As cepas para tinto mais apreciadas ali são a Nero d'Avola, Sangiovese e Gaglioppo. Mas poderia ser vinho das ilhotas vulcânicas vizinhas, como o Malvasia di Lipari. Homens de Micenas introduziram a viticultura na área de Messina no século XVI a. C., prática desenvolvida pelos fenícios.


http://www.sicilyweb.com/english/articles/wine1.htm

http://www.arlea.fr/spip.php?article678

DC 25/5/2007

Baco aos pés do Vesúvio

Um afresco de Pompéia mostra o deus Baco "vestido" com um cacho de uvas, aos pés do Vesúvio – vulcão cujas lavas e pedras soterraram a cidade em 79 d.C. . As uvas da "vestimenta" ainda não foram identificadas com precisão. De Aminaea? Sabe-se que era cultivada por ali. Outra aposta: Pompeianum (a mesma Murgentina da Sicília, de onde fora importada). A Aminaea produzia vinho superadstringente "em razão dos níveis de enxofre no solo". Já com a Pompeianum elaborava-se um dos melhores vinhos da Campânia. Desde 1996, a tradicional Azienda Vitivinicola Mastroberardino integra um projeto agroarqueológico que prevê o cultivo de vinhedos perto das ruínas da Villa dei Misteri, com manejo inspirado na lida de dois mil anos. Exames de DNA em sementes "congeladas" em 79 d.C. levaram à busca das cepas mais próximas das antigas como Piedirosso e Sciascinoso . A cada escavação, novos detalhes sobre a cidade vêm à tona, dos banquetes aristocráticos ao trago nas tavernas, com vinho misturado à água do mar. Em Pompéia – a cidade viva , livro recém-lançado pela Editora Record, o historiador Ray Laurence e o dramaturgo Alex Butterworth contam que 60% das propriedades já investigadas em Pompéia estão relacionadas à produção de vinho. A grande prensa fossilizada na Villa dei Misteri é prova do vigor da atividade. Eles escrevem sobre os 25 anos que antecederam à erupção destruidora, com destaque para o terremoto de 62 d.C.. Muitas vítimas do Vesúvio desprezaram as pistas da natureza: peixes mortos por ácido sulfúrico no rio Sarno e os tristes vinhedos das encostas do Vesúvio, que definhavam por causa da inexplicável seca e dos gases que escapavam do solo.

http://www.mastroberardino.com/ita/index.asp

http://www.villadeimisteri.com/

DC 18/5/2007

A holística dos Mondavi

Os Mondavi, que foram os maiores produtores de vinhos californianos, abrem a propriedade no final deste mês para mais uma edição do festival de verão. Herbie Hancock, grande pianista de jazz, é um dos convidados. Mecenas, os Mondavi sempre investiram na construção do conhecimento sobre o universo dos vinhos. É famosa a conferência que reuniu em 1991, na Califórnia, historiadores, arqueólogos e produtores para a apresentação dos mais atualizados estudos sobre as origens da vitivinicultura. No Copia - The American Center for Wine, Food & the Arts, instalado no coração do Vale do Napa, vinhos, gastronomia, jardins, arte e música integram-se em lições de bem viver. O Copia (redução de cornucópia, o chifre que é símbolo da abundância), é um centro cultural a 80 quilômetros de San Francisco. O patriarca Robert Mondavi e sua mulher são os mentores do projeto, no qual aportaram US$ 20 milhões. O Copia oferece tanto cursos de enologia e gastronomia como sessões de degustação – uma já consagrada porta de entrada para a vinicultura da região. É também um arrojado museu sobre o beber e o comer na América, com uma impecável coleção de copos de vinho, datados do século XVI até os nossos dias.

http://www.copia.org/

http://www.robertmondavi.com/

DC 11/5/2007

O Poderoso Coppola II

Produzir vinhos e fazer filmes são duas grandes formas de arte, muito importantes no desenvolvimento da Califórnia. Não por acaso, a relação é feita pelo diretor Francis Ford Coppola, que usou o dinheiro arrecadado com O Poderoso Chefão II para comprar a vinícola Inglenook, em Rutherford, Vale do Napa, uma das primeiras regiões de Cabernet Sauvignon da Califórnia. Coppola procurava uma propriedade para lazer. Acabou encontrando vinhedos, que arrematou em 1975 por US$ 2,5 milhões, segundo a escritora Natalie MacLean, que acaba de fazer um levantamento sobre vinícolas de celebridades. Num primeiro take, o diretor rebatizou a propriedade: Niebaum-Coppola, homenagem ao capitão Gustave Niebaum (1842-1908), jovem filandês que, depois de vencer vendendo peles no Canadá, fundou em 1880 a Inglenook, numa Califórnia de 45 vinícolas (hoje são mais de 250, somente no Vale do Napa). Em 1995, Coppola adquiriu o Chateau Inglenook e vinhedos adjacentes e pôde recompor a antiga propriedade (hoje Rubicon). No Château, montou um museu para a história da vinícola e a de seus filmes. A escrivaninha de Vito Corleone é uma das relíquias. Os vinhos e o estar à mesa cumpriram seu papel na antológica trilogia, como na cena em que Vito (o jovem De Niro) volta à Sicília para a grande vingança, mas não deixa de visitar uma inebriante adega. Ou nas tomadas em que os sócios "do começo" fazem planos na Nova York dos anos 20, entre garrafas de vinho tinto e generosos pratos de massa.

http://www.rubiconestate.com/site.php

http://www.nataliemaclean.com/index.asp

DC 7/7/2006

A nova jornada de Natalie

O site e os artigos sobre vinhos da escritora e sommelère canadense Natalie MacLean já se tornaram cult no seu país. Bem-informada, apresenta em newsletters os lançamentos de reconhecidos produtores mundiais. Nunca esquece de estabelecer os inúmeros vínculos culturais do vinho e de valorizar a boa mesa de jantar como território de "tolerância e unidade". Revela um bom humor e um senso crítico inconfundíveis ao analisar comportamentos. Num de seus artigos na internet, descreve o "wine snob" como ave rara capaz de eriçar a "plumagem verbal" na presença de um Cabernet de boa origem. Relata ainda os hábitos da hilária subespécie Borus technotalkatus que, em intervalos regulares, emite sons como "fermentação maloláctica". Ou as manias daquela outra subespécie de esnobe que, ao degustar o vinho, percebe não só a região e a vinícola de origem, mas também "o que o viticultor e sua mulher estavam conversando no dia em que as uvas eram colhidas". As tiradas de Natalie são as de uma observadora perspicaz: "o que distingue o verdadeiro esnobe dos falastrões que se autodenominam connaisseurs é atitude. Estes provarão novos vinhos, de novas regiões; esnobes estão convencidos que somente um bom château pode fazer um bom vinho". Não é à toa, portanto, a expectativa em torno do primeiro livro de Natalie Red, White, and Drunk All Over: A Wine-Soaked Journey from Grape to Glass (Doubleday Canada), a ser lançado no próximo dia 29.

http://www.nataliemaclean.com

http://gremolata.com/natalie_maclean.htm

DC 18/8/2006

A despensa do Dragão

A kombi vermelha, a "casa rolante" do escritor argentino Julio Cortázar (1914-1984), era chamada de Fafner, nome do dragão que guardava o tesouro dos Nibelungos. "Obstinada predileção wagneriana", dizia Cortázar. Foi nesse "dragão" que ele e a mulher, Carol Dunlop, empreenderam uma viagem insólita pela auto-estrada que liga Paris a Marselha. Durante 30 dias, a partir de 23 de maio de 1982, marcaram ponto em dezenas de parkings ao longo da rodovia, numa espécie de jogo com a realidade das margens, documentado com poéticos detalhes em Os Autonautas da Cosmopista (Editora Brasiliense/1991). Para enfrentar a jornada, Fafner ganhou um estoque de alimentos. Os viajantes foram contidos nas guloseimas, mas uma das listas para a sobrevivência foi encabeçada com "whisky (à beça)". E vinho, também à beça. As refeições eram feitas quase sempre na kombi. Na apresentação do livro, Cortázar faz questão de revelar a emoção que sentiu ao receber a inesperada visita de amigos, munidos de garrafas de Fendant, uma variedade de uva muito antiga usada para vinhos brancos, ainda plantada na Alsácia. Os escritores relatam também o encontro de um "oásis", o restaurante Relais du Beaujolais, onde puderam relaxar ao gosto do vinho epônimo. Anotam ainda a "visita" de policiais, com os quais dividiram copos de Sauvanes e rodelas de salame. Afinal, de suspeitos, foram alçados a respeitáveis viajantes, graças à onipresente máquina de escrever.


152">http://www.speculum.art.br/module.php?a_id>152

322">http://www.twis.info/grape.php?ID>322

DC 4/5/2007

Um pedaço do Irã na Califórnia

Dezesseis colunas de pedra dourada sustentam touros estilizados e recebem os visitantes na vinícola Darioush, no Vale do Napa, na Califórnia. O proprietário é Khaledi Darioush, um iraniano que migrou para os Estados Unidos no final dos anos 70, após a revolução dos aiatolás. Prosperou na área de mercearias e fez de sua vinícola um pedaço do Irã, com arquitetura inspirada na Persépolis de Dario. Hoje faz vinhos varietais disputados, com uvas Cabernet Sauvignon, Merlot, Chardonnay, Viognier e, não à toa, Syrah. Nascido na região vinícola de Shiraz, Khaledi vem de uma família que produzia vinho por hobby. Criança, bebericava escondido dos barris, conta Najmieh Batmanglij em From Persia to Napa, Wine at Persian Table (Mage Publishers/2006), livro que mostra a importância do vinho na cultura persa, de tempos imemoriais até a realização do sonho de Darioush, em Silverado. Já nos EUA, Khaledi passou a colecionar vinhos franceses. No final dos anos 90, comprou sua área, replantou os vinhedos e ergueu sua Persépolis. As rochas travertinas vieram do Irã, antes de passarem por corte e tratamento na Turquia e na Itália. Réplicas de objetos arqueológicos decoram os salões de degustação. E, se o fake reina, os arquitetos se defendem: o mobiliário tem a assinatura de Mies van der Rohe.

http://www.darioush.com/

http://www.napavintners.com/index.asp

DC 27/4/2007

Papas, questões terrenas

Os papas de Avignon, que durante 70 anos, no século XIV, dirigiram a Igreja Católica não de Roma, mas a partir de uma região de vinhedos no sudeste da França, tiveram de administrar uma poderosa oposição à "intrusão religiosa nas questões terrenas", como anotou o historiador americano Marvin Perry. Debates e cismas religiosos de lado, em pelo menos um ponto a ingerência eclesiástica em assuntos temporais rendeu bons frutos: Châteauneuf-du-Pape é até hoje uma das apelações mais importantes do Vale do Rhône. Nomeado papa em 1305, o francês Clemente V, arcebispo de Bordeaux, transferiu em 1309 a sede do papado para Avignon. Apreciava vinhos da Borgonha, mas não deixou de aumentar a área plantada ao norte, em Châteauneuf. O sucessor João XXII colheu os frutos desses vinhedos de solo pedregoso, celebrou a bebida como "vin du pape" e construiu ali um castelo de verão, logo Châteauneuf-du-pape (ruínas do château, destruído em 1944, ainda podem ser vistas). O Châteauneuf-du-pape nunca foi vinho para amadores. Eric Asimov, crítico do New York Times, ressalta esse caráter, apontando para uma rusticidade intensa, resultado de blends dominados hoje pelas uvas Grenache, Mourvèdre e Syrah, apesar de a lei francesa permitir a combinação de até 13 varietais.

http://www.chateauneuf.com/english/index.html

http://www.terroirs-france.com/region/rhone_chateauneuf.htm

DC 20/4/2007

Oxigênio para vinícolas

Young Bloods é o nome de uma banda pop, mas é também o nome de batismo de um grupo de jovens vitivinicultores australianos de Rutherglen dispostos a chacoalhar as propriedades "herdadas" de suas famílias. Rutherglen é uma das mais antigas regiões vinícolas da Austrália. Desde o início do século XIX os agricultores tiram proveito dessa terra e muitas das vinícolas já têm à frente dos negócios membros da quinta ou sexta geração de produtores. Do Young Bloods of Rutherglen tomam parte Eliza Brown (All Saints Estate E St Leonard's), Susie Campbell (Campbells Winery), Damien Cofield ( Cofield Winery), Jen Pfeiffer (Pfeiffer's Winery) e Stephen Chambers (Chambers Rosewood). Na área de marketing, há visível sangue novo na série de festivais enogastronômicos e no Muscat Trail, circuito ciclístico por 10 vinícolas de Rutherglen. A região é conhecida pelos vinhos fortificados, especialmente o moscatel, os tintos "robustos" e os "modernos" brancos. Os adjetivos são dos produtores. O Rare Merchant Prince Muscat recebeu de Robert Park Jr., o maior crítico americano, 99 de pontuação (de 100), enquanto Isabella Rare Tokay, 98. Os Young Bloods de Rutherglen na verdade seguem os passos do Bordeaux Oxygène, grupo de viticultores franceses, formado em 2005, determinado a reinjetar paixão no mundo do vinho Bordeaux, com investimentos em marketing voltado a jovens consumidores.

http://www.campbellswines.com.au/

http://www.spittoon.biz/bordeaux_oxygene_some_recommen.html

DC 13/4/2007

Idéias em fermentação

A imagem de Tom Wark na abertura do seu blog Fermentation não é lá muito amistosa. É como se ele estivesse ali para alertar o internauta desavisado: aqui você não vai encontrar dicas de vinho para a festa de aniversário. "Não recomendamos a ninguém o uso do Fermentation como manual de treinamento para sommeliers", diz. Criador de estratégias de comunicação para a indústria do vinho, com 17 anos de experiência, Tom Wark mantém seu Fermentation na rede desde 2004, garimpando sem descanso as notícias desse universo. E sem medo de opinar. Um de seus bombardeios é dirigido ao mapa das áreas vinícolas dos Estados Unidos (American Viticultural Areas, AVAs), as "appellations" americanas desenhadas por burocratas de Washington. Uma "ferramenta de marketing" mais do que uma chancela precisa para o vinho de cada região, diz Tom. Para ele, as AVAs não foram bem definidas e nelas não se tem homogeneidade de solo e clima para que o consumidor fique bem informado sobre o caráter e a alma do vinho que está na garrafa. Entre 2000 e 2005, o número de vinícolas cresceu 70% nos Estados Unidos, passando de 2.904 para 4.929. Vinhos e uvas contribuem hoje com mais de US$ 162 bilhões para a economia americana. Em recente comentário, Tom faz a defesa de um novo sistema de distribuição dos vinhos nos EUA: uma rede "com tecnologia" capaz de integrar vinicultores e varejistas. Venda direta on-line é tudo que assusta os atacadistas.



http://fermentation.typepad.com/fermentation/

http://www.winepros.org/consumerism/ava.htm

DC 5/4/2007

Rações de Persépolis

A compreensão de que o Irã islâmico e atômico de Mahmud Ahmadinejad foi um dia a Pérsia de Ciro, Dário e Xerxes sempre enfrenta caminhos tortuosos. Uma aproximação possível se dá no quesito arrogância dos dignatários, exaltada em Os Persas, tragédia de Ésquilo escrita em 480 a.C., pouco tempo depois da derrota destes para os gregos de Temístocles, na Batalha de Salamina. Era uma Pérsia guerreira e expansionista (como se vê no alegórico filme 300, de Zack Snyder). Mas também capaz de garantir rações de vinho e poesia a seus súditos. Algumas plaquetas de argila encontradas em Persépolis – antiga capital cerimonial do império construída por Dário em 500 a.C. na região sudoeste do que é hoje o atual Irã – revelam como a distribuição do vinho era feita entre a população. Cada membro da família real recebia diariamente quase cinco litros, originários das montanhas onde mais tarde se ergueria a poética cidade de Shiraz. Em dia de festa, a ração podia ser bem maior. Em From Persia to Napa: Wine at the Persian Table (Mage Publishers, 2006), livro que associa a sofisticada culinária persa à sua tradição vitivinícola, Najmiieh Batmanglij revela que uma princesa certa vez recebeu um navio com 500 galões. Parte do salário de alguns funcionários públicos, membros da guarda e oficiais era pago com a bebida. Um trabalhador comum era contemplado com até 20 litros mensais. E quando uma bebê nascia, sua mãe recebia quase dez litros, se fosse menino. Para uma menina, a ração caía pela metade. Tudo uma questão de berço: há 7.600 anos, muito antes do esplendor de Xerxes, os homens que viveram na região do atual Irã sabiam o que eram as delícias do vinho.

http://www.iranian.com/Books/2006/August/Wine/index.html

http://taylorandfrancis.metapress.com/content/v10826kr2310w222/

DC 30/3/2007

O incendiário de Vallejo

Aquele armazém climatizado parecia o lugar mais seguro do mundo: um prédio de concreto e aço, onde antes funcionara um estaleiro de submarinos. Passou a ser cômodo para vinicultores, colecionadores e empresas que administram vinhos de terceiros guardar garrafas na Wines Central, em Vallejo, a 48 quilômetros de San Francisco. Isso até o grande incêndio que destruiu seu precioso estoque. Cerca de 6 milhões de garrafas, algumas raridades, foram perdidas. Um prejuízo de cerca de US$ 200 milhões. O alarme foi dado na tarde de 12 de outubro de 2005. Mais de 120 bombeiros e 12 aviões foram chamados para controlar o fogo, que consumia milhares de caixas e fazia explodir as garrafas guardadas ali por mais de 90 vinícolas, muitas pequenas, mas também algumas das principais casas californianas do Vale do Napa. Richard Ward, da Saintsbury, em Carneros, resumia a desolação dos produtores. No seu caso, a empresa perdia referência histórica, pois em Vallejo mantinha garrafas de todas as safras, desde a fundação, em 1979. Depois das brigadas, vieram os investigadores. Tudo levava à hipótese de um incêndio criminoso. Nesta terça-feira, 17 meses depois, agentes federais prenderam o empresário Mark Anderson, que sublocava o armazém para guardar valorizadas coleções de clientes seus. Ele é acusado de colocar fogo no depósito para clamuflar outro crime. A polícia descobriu que Anderson desviava e negociava grandes vinhos colocados sob sua guarda.

http://www.avenuevine.com/archives/000342.html

http://fermentation.typepad.com/fermentation/2005/11/exclusive_image.html

DC 23/3/2007

Ronald Searle, pronto pra beber

O octogenário cartunista inglês Ronald Searle vive numa pacata vila nas montanhas cortadas pelo Var, na França, perto de um grande número de vinhedos. Mas seus desenhos continuam fazendo barulho mundo afora, em primorosas e sucessivas edições. As charges do best-seller Illustrated Winespeak (Souvenir Press 2005), muitas criadas para divulgar a vinícola californiana Clos du Val, satirizam as "frases tortuosas" dos "poetas-degustadores". JáSomething in the Cellar brinca com as dificuldades para se abrir uma garrafa (uma frágil mulher conta com a ajuda de um trem!). Searle ilustra também as "cerimônias" do vinho em vários países. Não faltam dráculas da Transilvânia brindando a chegada da "suculenta" podridão nobre.

http://www.bpib.com/illustrat/searle.htm

DC 16/3/2007

O recreio dos mosqueteiros

Porthos, Aramis, Athos e d’Artagnan acabam de se safar de mais uma encrenca. E agora estão à mesa farta, com bons vinhos , numa inevitável algazarra. Os estalajadeiros de uma França em pé de guerra com a Inglaterra não podem se queixar de tédio quando os clientes são os mosqueteiros de monsieur de Tréville, que dão a vida pelo rei Luís XIII e nutrem certa rixa pelo cardeal Richelieu e seus asseclas. Os personagens de Os Três Mosqueteiros, de Alexandre Dumas, entre um duelo, uma amante e uma Milady, sempre se animam com garrafas de Borgonha, Bordeaux, Champagne e de revigorantes da Espanha. Athos é o perito: A vida é um rosário de miseriazinhas que o filósofo desfia dando risada. Sêde filósofos como eu, senhores, assentai-vos à mesa e bebamos; nada faz parecer o futuro mais cor-de-rosa do que olhar para ele através de um copo de Chambertain. (Capítulo XLVIII). A bebida mais sensível da trama, entretanto, é o vin d’Anjou, proeza do Vale do Loire. Dumas escalou o d’Anjou para título do seu capítulo XLII. Num encontro dos quatro amigos, guisados ainda quentes, d’Artagnan oferece desse vinho recém-chegado de Villeroi, que pensava ter sido enviado a ele pelos mosqueteiros. Que nada! O "delicioso" vin d'Anjou que Athos tanto prefere ("quando não há Champagne nem Chambertain"), na verdade era um presente de grego, que descobriu-se estar envenenado. Todos salvos pelo conselheiro Athos: "Não se bebem vinhos de procedência desconhecida".

http://www.lvo.com/GASTRONOMIE/VINS/VIGN/ANJO1F.HTML

http://www.anjou-tourisme.com/upload/doc/IeA_uk.pdf

DC 9/3/2007

Volta ao mundo em 80 vinhedos

Nicolas Beausset, negociante de vinhos na Espanha, e Géraldine Reinhold Von Essen, executiva de uma operadora de turismo francesa, estão neste momento na Ásia para conhecer os "vinhos da nova latitude", produzidos em áreas de Bangcoc, na Tailândia, a Beijing, na China. Trata-se da segunda etapa do projeto Vinos Sin Fronteras, iniciado em janeiro pela África do Sul. Os globe-trotters visitarão 80 vinhedos em um ano, cruzando 15 países, em 5 continentes. À redescoberta da diversidade vitivinícola do planeta liga-se um projeto humanitário. A dupla vai recolher apoio e doações para a ONG Acción Contra el Hambre, que desde 1979 atua nas regiões mais pobres do globo. Já amealharam cerca de 100 garrafas, que serão vendidas em prol da entidade. Na África do Sul, rastrearam vinhedos de Johannesburgo à Cidade do Cabo. Na vinícola Klein Constantia ganharam uma garrafa de 'Vin de Constance', o vinho doce de Moscatel que encantava o escritor Sthendal (1783-1841). Em Constantia, de clima mediterrâneo, o vigor das variedades brancas, como a Sauvignon Blanc e Semillon, impressionou os viajantes. Já em Stellenbosh, capital dos vinhos sul-africanos, degustaram "elegantes" Pinotage, híbrido "caseiro" da Pinot Noir com a Cinsault. Um diário com imagens das vinícolas visitadas pode ser visto no site do projeto. A Quoin Rock Winery, que se orgulha da sala de degustação em ambiente medieval, doou 12 garrafas, sendo 6 assemblage de uvas Sauvignon Blanc e Viogner.

http://www.vinossinfronteras.org/

http://www.accioncontraelhambre.org/

DC 2/3/2007

Wine clubs e seus cartões

Mais um cartão vem se somar à cascata dobrável de plásticos que faz a alegria (e compõe o clichê) de consumidores norte-americanos. Várias vinícolas, especialmente na Califórnia, têm emitido seus cartões próprios como forma de fidelizar clientes. Coisas do marketing com terroir da América! No já tradicional cartão da Rutherford Hill Winery, no Vale do Napa, onde os empreendedores da família Terlato têm produzido um Merlot estrelado, o galpão-símbolo da propriedade é orgulhosamente destacado. Pesquisa recente divulgada pelo site winesandvines.com com 350 vinícolas dos Estados Unidos mostra que os produtores, principalmente médios e pequenos, têm investido na venda direta de suas garrafas. Alguns deles conhecem seus 50 clientes mais fiéis pelo nome, graças à freqüência com que estes comparecem a eventos promovidos pelos efervescentes clubes do vinho. Hoje, o canal mais popular de vendas está nas salas de degustação que os vinicultores tratam de aprimorar e abrem a seus visitantes. Em seguida aparecem os "wine clubs", uma tendência em alta em todo o mundo. 37% das vinícolas pesquisadas pela Wines & Vines indicaram que os clubes são responsáveis por 11% a 50% das vendas diretas. Na Rutherford Hill, cerca de 3 mil sócios estão ligados a cada um de seus rótulos. Isso quer dizer que os membros desses clubes participam de promoções especiais e podem receber religiosamente em casa as garrafas do vinho preferido, nem bem a safra tenha começado a caminhar.

http://www.rutherfordhill.com/default.asp

http://wine.about.com/od/wineclubs/Wine_Clubs.htm

DC 23/2/2007

Memória de Cnossos

Vinicultores de Creta fazem vinhos tal um sherry cor de âmbar que os especialistas acreditam ser iguais àqueles produzidos na Idade Média. Garrafas que enriqueceram mercadores venezianos e saciaram nobres ingleses. Outros apostam na similaridade com os Malvasia guardados em jarras de terracota no palácio do rei Minos, em Cnossos. Uma realidade da Idade do Bronze que veio à tona graças às escavações do polêmico arqueólogo britânico Arthur Evans. Trata-se de um revival, para usar a expressão do jornalista americano Gerald Asher, que num tour pela ilha provou um fortificado (quase um "confit de uvas") de Sitia, uma área demarcada como Archanes, Dafnes e Peza, onde os vinhedos estão protegidos dos ventos quentes da África por uma barreira montanhosa. Das cepas particulares (Kotsifali, Mandilaria, Liatiko e Vilana) saem também brancos frutados e tintos encorpados. A tradição vinícola em Creta tem mais de 5.000 anos. A poderosa ilha cantada por Homero tem sua ligação com o vinho colorida pela mitologia. Nikos Kazantzakis, escritor da Grécia moderna, romanceou a rotina da civilização minoana no livro No Palácio do Rei Minos (Marco Zero, 1986). As taças cheias de vinho pontuavam os momentos de êxtase religioso. Num ambiente assim a princesa Ariadne, com seu novelo-guia, ajudou o príncipe Teseu de Atenas a encontrar a saída do labirinto que o arquiteto Dédalo construiu no subsolo de Cnossos. Isso depois da luta vitoriosa contra o minotauro. Dionísio, Deus do Vinho, desposou Ariadne durante viagem de barco da Ásia à Europa, na qual se deu a propagação da vitis vinifera.

http://www.greekwinemakers.com/czone/regions/crete.shtml

http://www.culture.gr/2/21/211/21123a/e211wa03.html

DC 16/2/2007

Entente Cordiale

O herdeiro do trono britânico cedeu uma de suas aquarelas, inspirada numa paisagem francesa de pinheiros e céu azul do Cabo de Antibes, para ilustrar o rótulo do Château Mouton Rothschild 2004, produzido em Pauillac, no Médoc, a noroeste de Bordeaux. A apresentação oficial do rótulo será dia 23, em Nova York, enquanto a Shotheby’s ultima os preparativos para um leilão inédito de grandes garrafas da adega da baronesa Philippine de Rothschild, hoje à frente dos negócios da casa. O convite ao príncipe Charles é simbólico e fecha informalmente as celebrações do centenário da Entente Cordiale, acordo entre ingleses e franceses, assinado em 1904, durante a I Guerra Mundial. Desde 1945, a cada safra, os rótulos desse vinho dão espaço a grandes artistas. Dali, Braque, Chagall, Kandinsky... Tapies e Miró emprestaram seus traços gestuais. Picasso está presente com uma bacante. A coleção, idealizada pelo inquieto barão de Rothschild, pode ser vista na internet. Ou em Nova York.

http://www.halter.net/mouton.html

http://www.bpdr.com/

DC 9/2/2007

Tokay operístico

O libretista italiano Lorenzo Da Ponte (1749-1838) escreveu as duas primeiras cenas de Don Giovanni, de Mozart, na companhia de uma garrafa de vinho Tokay, um saquinho de tabaco de Sevilha, chocolate, biscoitos e um sininho para chamar a jovem empregada da casa, de 16 anos, sua musa. Era 1787, Mozart precisava trabalhar numa ópera a ser encenada em Praga e chamou Da Ponte para ajudá-lo. Com vida de peripécias como as de seus personagens, amigo de Casanova, fugido de sua Venezia para Viena, Da Ponte escreveu Don Giovanni simultaneamente com outros dois libretos, para Martín i Soler (L’Arbore di Diana) e Salieri (Tarare). Tudo em dois meses. Viva as doçuras da musa e do Tokay! Em setembro daquele ano, Da Ponte e Mozart entravam em Praga para preparar a estréia da ópera, cuja partitura seria terminada às vésperas da apresentação, em 29 de outubro. Da Ponte descreveu seu ambiente de trabalho em Memórias, livro preparado décadas depois, já em Nova York. Tokay é uma das 22 regiões vinícolas da Hungria, no Nordeste do país, e seus vinhedos são reconhecidos como especiais desde 1770. O elixir que encantava a nobreza européia recebeu de Luís XIV o veredicto: "o vinho dos reis, o rei dos vinhos". Elaborado principalmente com uvas Furmint e Hárslevelü, o Tokay é fruto da podridão nobre, como o Sauternes. O microclima entra na ação com dois rios convergentes e o fog que recobre a área no outono e no inverno. Atacadas pela Botrytis, as uvas apodrecem e há uma especial concentração de açúcar, responsável por sua sofisticação. Até hoje, sob a "terra benedicta" do Tokay, quilométricas adegas guardam preciosidades húngaras.

http://www.wines.com/tokaj/tokaj.html

http://www.wines.com/tokaj/home.html

DC 2/2/2007

Brett do bem, Brett do mal

Numa das divertidas passagens do livro O connaisseur acidental (Editora Intrínseca, 2004), o escritor Lawrence Osborne descreve como foi apresentado à Brettanomyces, a famosa levedura de nome complicado que agita o mundo dos produtores de vinho. Em visita ao baixo Ródano, uma das regiões vinícolas mais importantes da França, Osborne foi bater no restaurante Le Verger des Papes, em área do Châteauneuf-du-Pape. Enoanalfabeto, depois de se atrapalhar todo com a carta local, Osborne pediu um Beaucastel, o mais caro da lista. Ao dividir a degustação com o garçom, foi alertado:" Não sente um gostinho de titica de galinha?". Espanto! A Brettanomyces, "doença" de vinho tinto, é responsável por aromas que vão dos medicinais band-aids, passando pelo cheiro de animal e couro molhados, suor de cavalo e ... galinheiro, sim. Por trás desse espetáculo de odores estão os fenóis e os ácidos gordurosos voláteis. Há enófilo que não tolera tanto "estábulo" na taça e faz campanha pela erradicação dos "defeitos" provocados pela Brettanomyces. Mas a levedura tem morada na maioria das vinícolas e quase sempre está presente no complexo ciclo microbiológico da fermentação. Cientistas e produtores discutem é em que medida a presença de brett pode ser tolerada ou pode destruir uma safra. O Beaucastel é reconhecido como um dos melhores vinhos do mundo justamente porque os níveis de brett lhe conferem.

http://www.wynboer.co.za/recentarticles/200602bretta.php3

http://www.makewine.com/makewine/brett.html

DC 26/1/2007

Civilização BYOB

A Associação Brasileira de Sommeliers (ABS) seção São Paulo traz no seu site uma lista de restaurantes que permitem que o comensal leve consigo o vinho que deseja beber. A relação cresce devagar. A prática civilizada, já popular na Austrália, Nova Zelândia e vários países europeus, ganha novos adeptos no Novo Mundo. No Canadá, virou assunto de governo. Em Ontario, os restaurantes que aderem ao BYOB (sigla em inglês para Bring Your Own Bottle ou Traga Sua Própria Garrafa) ganham até um selo de prestígio. Poder levar o próprio vinho ao restaurante "é o Nirvana para pessoas como eu que amam grandes vinhos e comida, mas não cozinham um nada", escreve a escritora canadense Natalie Maclean. Radical, Natalie, por exemplo, não dispensa um burger com Bordeaux. "Não é porque você está fazendo uma refeição casual que vai ter de tomar um vinho zurrapa", diz. A prática, na verdade, deixou de ser uma questão meramente financeira. Os vinhos de restaurantes são caros, sim, mas a sofisticação crescente do mundo do vinho trouxe outra variável para os enófilos: os desafios da enogastronomia, de harmonização de pratos e bebidas. A camaradagem BYOB tem, entretanto, regras universais. Só se leva ao salão vinhos que não constam da carta do restaurante visitado. E nada de cara feia para a chamada rolha, que é a taxa que algumas casas cobram pelo serviço. Oferecer uma taça da preciosidade ao chef é uma delicadeza de bom tom. Nos EUA, principalmente em Nova Yok, há chefs que, num movimento inverso, passaram a fazer desafios: preparam menus sofisticados à espera do melhor vinho da adega do cliente.

http://www.abs-sp.com.br/conteudo/page_cont_117.asp

http://www.drvino.com/byob.php

DC 19/1/2006

Golos essenciais

O mercado editorial português, que no ano passado comemorou a edição de número 200 da Revista de Vinhos, com tiragem de 25 mil exemplares, entra em 2007 com dois outros projetos da cena enogastronômica consolidados. A Wine Passion, em edição bilíngue, tem contribuído para a promoção dos vinhos, do enoturismo e do patrimônio de Portugal. Desde julho, quando foi lançada, cuida também dos ingredientes do bem-viver, "de tudo que com vinhos fica melhor", disse ao DC Maria Helena Duarte, diretora da revista. A Wine Passion deverá estar nas bancas brasileiras a partir de fevereiro, com reportagens que dão dimensão cultural aos dados mais práticos do mundo do vinho. Na última edição, o destaque foi para os vinhos do Alentejo, região que encerrou 2006 tendo o Brasil como principal mercado de exportação. "Nos dias de hoje, o apreciador exigente é aquele que sabe distinguir entre um vinho caro e um grande vinho", escreveu Luís Ramos Lopes, diretor da Revista de Vinhos. E aí entram as publicações especializadas, com sua equipa de degustadores. A blue Wine, também lançada no ano passado, traz no "assemblage" de especialistas Jancis Robinson, colunista do Finantial Times, que não dispensa os comentários sobre a fantástica variedade das castas nativas de Portugal. "Queremos produzir exemplares suficientemente bons para que os queira guardar com o mesmo carinho com que guarda seus vinhos de eleição", escreveu o editor da blue Wine Nuno Guedes Vaz Pires.

http://www.winepassion-magazine.com/

1">http://www.essenciadovinho.com/php/primeira.php?lingua>1

DC 12/1/2007

A letra V de Dumas

Vinho é um verbete bem encorpado no Grande Dicionário de Culinária, de Alexandre Dumas, que acaba de ser lançado pela editora Jorge Zahar. Dumas (1802-1870), um dos mais famosos escritores franceses do século XIX, justificou seu interesse: o vinho é a "parte intelectual da refeição". Autor de Os Três Mosqueteiros e O Conde de Monte Cristo, Dumas (o gourmand gordinho na caricatura de H. Mailly) fez de seu dicionário gastronômico um livro tão reconhecido quanto A Fisiologia do Gosto, de Brillat-Savarin. Decidiu-se pela obra depois de desilusões com o mundo literário. Colecionou informações em viagens pela Itália, Espanha e África. Copiou receitas de clássicos franceses e de menus de restaurantes. Em pequenos goles, pílulas de almanaque, o romancista narra a história cantada por poetas e escritores. Os vinhos de Bordeaux, escreve Dumas, demoraram mais de 80 anos para serem incorporados ao gosto da corte. Richelieu fazia de tudo para convencer Luís XV sobre as qualidades da bebida, mas Sua Majestade julgava um Château-Laffite apenas "passável". Dumas inclui no verbete uma interessante lista de vinhos em voga à época, emprestada de Ludovic Maurial (L'art de boire, connaître et acheter le vin et toutes les boissons, 1865). Antes disso, na letra A, há imperdíveis curiosidades sobre a ancestral arte das adegas.

http://www.online-literature.com/dumas/

http://gallica.bnf.fr/Catalogue/noticesInd/FRBNF30911895.htm

DC 5/1/2007

Tempo de festa de Babette

Candelabros acesos, começa a festa: Potage de Tortue, consomé de tartaruga, e Jerez . Ao provar o vinho encorpado e seco, o general estala a língua e decifra a preciosidade espanhola: "Amontillado!" É o início da rendição dos demais convidados, gente rude de uma vila perdida na gelada Dinamarca. Todos comprometidos contra os prazeres daquela mesa e o pecado da gula. A cada prato, a cada cena, entretanto, são tomados por uma sedução diferente e mais arrebatadora. O Blinis Demidof, panqueca com creme azedo e caviar, é acompanhado com Champagne Brut Veuve Clicquot, safra 1860. Depois, Cailles em Sarcophage à la Sauce Perigourdine, cordonas recheadas de foie gras e trufas acomodadas em vol-au-vent, merece um Clos Vougeot, 1845. O banquete cinematográfico prossegue com salada verde, queijos (Quental, Fourme d'Ambert, Bleu D'Auvergnes). E o nocaute vem com as sobremesas: Baba ao Rhum, frutas frescas e café, arrematado com Marc Fine Champagne. Poucos filmes celebram tão bem os valores transcendentes da gastronomia e dos vinhos quanto Festa de Babette (1987), de Gabriel Axel, adaptação de um conto de Isak Dinesen. Além de emblema da culinária francesa, o filme mostra os incomparáveis poderes de transformação da cozinha e todos os sentidos dela emanados, escreve Priscilla Parkhurst em Accounting for Taste: The Triumph of French Cuisine. Babette foge de Paris para a Dinamarca em 1871 e é acolhida por duas irmãs muito religiosas, que vivem uma rotina de austeridade. Premiada na loteria, Babette, ex-chef do Café Anglais, oferece o primoroso jantar, que amplia o horizonte da pequena aldeia. "A culinária nos exalta espiritualmente, humanizando-nos e predispondo-nos para um convívio de bondade e afeto recíproco", escreveu o filólogo e gourmand Antônio Houaiss (1915- 1999) sobre o espírito da Festa de Babette.

http://www.press.uchicago.edu/Misc/Chicago/243230.html

DC 29/12/2006

Bye-Bye, Bordeaux *

Para apreciadores de um bom vinho, tão devastadores quanto furacões e mares engolindo cidades são os estudos que mostram a ameaça real do aquecimento global para os vinhedos. Cientistas apostam no aumento médio das temperaturas globais entre 2 a 6° C, num futuro de 50 a 100 anos. Mas já há sinais de como o mapa vinícola poderá ser redesenhado. No início do mês, Vasco D’Avillez, presidente da VinoPortugal, associação que promove os vinhos portugueses, fez uma previsão dramática. Disse que, em 50 anos, a produção do Alentejo estará condenada. Citou o verão abrasador de 2006, que queimou boa parte da uva Trincadeira. Como D’Avillez, várias vozes têm se levantado para discutir os efeitos do "novo clima". Em março, cientistas e produtores reuniram-se em Barcelona naquele que foi o Primeiro Encontro Mundial sobre Aquecimento Global e Vinho, organizado pela Academia do Vinho da Espanha. Em 3 ou 4 décadas, indicam estudos, regiões de Bordeaux, da Mancha e do Sul de Portugal terão o perfil de seus vinhos alterados para pior. A tragédia anunciada de temperaturas mais altas indica que tintos perderão cor, ficarão mais alcoólicos e "pesados". A revista Discover de outubro trouxe reportagem (The Grapes of Warmth) que mostra as ameaças do superaquecimento não só aos vinhedos franceses como aos americanos, principalmente do Napa Valley, na Califórnia. Enquanto nessas regiões a temperatura máxima diurna mantém-se estável, a mínima noturna só cresce, provocando o amadurecimento mais rápido dos frutos e um desequilíbrio nos níveis de acidez e açúcar. É da Discover a linha pessimista que dá um bye-bye a Bordeaux. Do lado otimista, registra uma espécie de "renascimento" da indústria vinícola inglesa.

76.962">http://www.nicks.com.au/Index.aspx?link_id>76.962

http://www.thewineacademy.es/web/esp/

DC 22/12/2006

Bons de faro

Bella ficou famosa e é o orgulho de seus donos. A Golden Retriever da família Trefethen foi escolhida o cão do mês pelo site Wine Dogs da editora australiana Giant Dog, especializada em livros sobre cães que "guardam" vinícolas no Novo Mundo. Bella, de 6 anos, adora roubar rolhas e atazanar esquilos. Mas tem também a missão de receber os visitantes dos vinhedos Trefethen, no sul do Vale Napa, Califórnia. Depois de um livro de sucesso com os cães de 150 vinícolas da Austrália e Nova Zelândia, uma edição com fotos de 450 animais de estimação de 300 vitivinicultores americanos foi lançada na propriedade Rubicon, do cineasta Copolla. Uma das pérolas do Wine Dogs é o vídeo no qual o famoso "farejador" e crítico americano Robert Parker Jr. aparece brincando com seu bulldog Buddy. Com bom humor, Parker preparou para os editores uma escala de classificação de cães, de 100 a 50, como aquela que ele usa para classificar os vinhos que degusta. Buddy certamente receberia 96-100: "um extraordinário cachorro, com caráter profundo e complexo que mostra todas as qualidades esperadas de um clássico cão de sua raça". Um animal de 60-69 seria um "cão de média baixa com notáveis deficiências, como excesso de enxofre, falta de obediência e talvez aromas e gases indecentes." Já madame Nyam Nyam, uma cadela astróloga, faz previsões "lendo" um decantador de cristal. Cães de outros continentes, como Merlot, que "cuida" da Fazenda Cucha-Cucha, das Casas de Giner, no Chile, aguardam os editores australianos. À espera também um ganso bravo que faz a vez de cão de guarda nos vinhedos de Nino Bronda, em Nizza, no Piemonte.

http://www.winedogs.com.au/default.aspx

http://www.trefethen.com/

DC 15/12/2006

Menino francês

O fotógrafo Henri Cartier-Bresson (1908-2004) pontuou uma de suas últimas entrevistas – ao jornalista David Friend, da Vanity Fair –, com vinho branco de Bordeaux. Taças bem servidas, brindava: "À anarquia!" Era março de 2003 e a revista celebrava a abertura da Fundação Cartier-Bresson, em Paris. Com a defesa do anarquismo, ele trazia para a discussão temas como a liberdade de fotografar e uma ética própria, na qual o instinto triunfa sobre a razão. Antes da fotografia, estudou pintura com o cubista André Lhote e caiu na farra com surrealistas. Quase morreu de febre numa jornada pela África. Foi também assistente do cineasta Jean Renoir. Soldado francês na Segunda Grande Guerra, irritava os nazistas com uma colorida provocação cultural: "Nós não podemos trabalhar sem vinho tinto!", dizia aos alemães. Conseguiu fugir a tempo de documentar a libertação de Paris. Em 1947, ajudou a fundar a Magnum, a primeira agência de fotojornalismo, e passou décadas viajando pelo mundo. Sair para a rua, Leica na mão, era o que mais dava prazer a Cartier-Bresson na aventura para capturar o "momento decisivo", aquele no qual, ele dizia, a harmonia visual e a expressão humana se encontram. Seus flagrantes da Paris dos anos 30/40 são memoráveis ao deixar de lado clichês para "reconstruir intelectualmente a cidade". É disso que se trata a imagem do menino todo pimpão carregando preciosas garrafas de vinho.

http://www.henricartierbresson.org/

http://digitaljournalist.org/issue0412/friend.html

DC 8/12/2006

À mesa com Cavour

A unificação italiana passou por uma das mesas do restaurante Il Cambio, de Turim, e foi regada a Sizzano, vinho 40% Nebbiolo, uma das uvas mais nobres cultivadas nas colinas da região do Piemonte. Num dos cantos do restaurante, invariavelmente na mesa com vista para o Palazzo Carignano, sede do parlamento, sentava-se o conde Camillo Benso de Cavour (1810-1861). Primeiro-ministro piemontês à época do rei Vittorio Emanuele II, ativista central do Risorgimento italiano, Cavour estendia seus almoços horas a fio e monitorava o movimento de “visitantes” do parlamento pela janela. Quando sua presença no palácio era requerida, um lenço branco era acenado a partir do balcão. “Era a sucursal do parlamento”, descreve o jornalista Paolo Massobrio, da revista Meridiani. Il Cambio é até hoje um restaurante luxuoso e mítico, com espelhos, cristais e garçons impecáveis capazes de emprestar com elegância um paletó adequado para um visitante desavisado sobre a história e a pompa do lugar. São três ambientes: duas saletas, com 20 e 30 lugares, e o salão Cavour, para até 80 comensais. Por seus veludos passaram muitos políticos célebres como Garibaldi e Mazzini, também artífices da unificação da Itália. A carta de vinhos da casa privilegia os rótulos do Piemonte e mantém tanto o Sizzano quanto vinhos das colinas de Langhe e do Roero, também preparados com Nebbiolo. No cardápio, o prato rotineiro do estadista: a “Finanziera”, de preferência com galinha d’angola. Cavour não dispensava aspargos frescos, regados com gemas de ovos cruas, nem o pernil e os filettini de vitelo com bagna caoda.


http://it.wikipedia.org/wiki/Sizzano_(vino)

http://www.nndb.com/people/514/000092238/

DC 1/12/2006

A heresia dos chips

Uma prática pouco ortodoxa deixa os mestres barriqueiros franceses de cabelo em pé. Isso sem falar no desgosto que provoca nos enófilos puristas. Vinicultores da Austrália e de outros países do Novo Mundo têm substituído a guarda dos vinhos em tonéis de carvalho, amadeirando-os com chips – lascas da nobre madeira misturadas nos tanques de fermentação. Há vinícolas apelando até para receitas com carvalho em pó. Outras não titubeiam em retostar a barrica, na tentativa de reavivar suas qualidades e garantir-lhe uma sobrevida. Os produtores de Bordeaux e de toda a França torcem o nariz, acham isso tudo uma heresia. E discorrem sobre a ciência do carvalho na estabilização dos taninos e os amargores decorrentes de uma madeira de baixa qualidade. Os heterodoxos argumentam: fogem do alto custo da barrica – uma padrão não sai da tonnellerie por menos de 800 euros. Os tonéis são fabricados há séculos por uma estirpe de artesãos como recipientes de guarda e transporte do vinho. A procura pela bebida com toques de madeira é mais recente, tem três décadas, o que transformou o barril em peça estratégica dos enólogos. Estes é que dominam a alquimia da maturação, escolhendo a dedo natureza e idade dos tonéis. Há até mesmo aqueles que não dispensam barris novos a cada safra. Disputam o mercado barricas americanas e francesas, estas trabalhadas com árvores plantadas para a indústria naval na época de Napoleão Bonaparte.

http://www.thewinedoctor.com/advisory/technicaloak.shtml

http://www.francoisfreres.com/

DC 24/11/2006

Adote um barril

A Crushpad está apenas na sua terceira vindima, mas seu fundador, Michael Brill, um ex-executivo da área de informática, já quer produzir 25 mil caixas de vinho em 2007, ante as 15 mil deste ano. Criada em 2004, a Crushpad está longe de ser uma vinícola tradicional. A começar pelo link cultural que estabelece entre o Napa Valley, região dos mais disputados vinhedos da Califórnia, um dos celeiros de uvas para a Crushpad, e o Vale do Silício, epicentro da revolução da informática dos últimos 30 anos, onde se formou o espírito empreendedor de Brill. A Crushpad, com instalações no coração de San Francisco, é uma cooperativa vinícola que só ganhou vida graças à internet. Já tem cerca de 1.500 filiados de 30 estados americanos e de seis países, entre eles Japão e Finlândia. Os interessados em produzir um vinho customizado de qualidade têm toda a assessoria técnica da Crushpad, desde a compra das melhores uvas da região até os negócios com o vinho já engarrafado. Todo o processo de produção pode ser acompanhado por meio de imagens em tempo real, da colheita ao engarrafamento. Uma câmera é capaz de "perseguir" cada um dos barris etiquetados do "enólogo" associado. A surpresa é que os cooperados conseguem produzir bons vinhos a preços que variam de 17 a 32 dólares a garrafa. Os vinhos das vinícolas tradicionais custam até três vezes isso. O modelo da Crushpad pode ser o futuro da indústria vinícola, diz Brill. "Você indica o grau de envolvimento com o projeto e nós fazemos o resto".

http://www.crushpadwine.com

http://www.businessweek.com/magazine/content/06_28/b3992086.htm?

DC 17/11/2006

'Infanticidas' de plantão

MárioTelles Jr., diretor técnico-executivo da Associação Brasileira de Sommeliers – SP expõe em suas aulas uma classificação bem-humorada dos apreciadores de vinho. Os pacientes ingleses são "necrófilos". Preferem os vinhos envelhecidos, que demandam boa guarda e são capazes de surpreender com as riquezas da maturação. Já os franceses são "infanticidas", ávidos por uma taça de vinho jovem, "cheirando à terra", ainda efervescente, mal saído dos tonéis de fermentação. Os franceses exportam esse conceito com o lançamento do Beaujolais Nouveau. As garrafas com o vinho da uva Gamay (plantada em cerca de 16 mil hectares, área a Oeste de Saône, pouco acima de Lyon) ganham logística para chegar ao mesmo tempo em mais de 150 países, sempre na terceira quinta-feira de cada novembro. Aos críticos que torcem o nariz para o marketing globalizado, Gerald Asher (The Pleasure of Wine) mostra que a festa é histórica e espontânea. Antes mesmo dos rigores da appellation, o rústico e frutado Beaujolais Primeur, ainda na década de 1930, era recebido com fanfarra em bares e bistrôs franceses. A qualidade desse vinho tem muito a ver com o capricho do vitivinicultor e com o decisivo terroir. A torcida dos "infanticidas" brasileiros é para que o fiasco de 2005 não se repita. Caixas de Beaujolais Nouveau ficaram retidas nos aeroportos por causa de uma greve de fiscais da Receita e não puderam ser aprecidadas ritualmente naquele fim de semana sagrado.

http://www.beaujolaisnouveautime.com/

http://www.beaujolais.com/

DC 10/11/2006

O poderoso blog de Asimov

Eric Asimov é sobrinho do escritor Isaac Asimov (1920-1992), autor que popularizou a ciência. Eric, entretanto, não faz ficção científica como o tio. Pé no chão, seu tema passa pelos terroirs. É o crítico-chefe de vinhos do New York Times e desde meados de março mantém em efervescência o blog The Pour, onde posta seus comentários sobre os prazeres e os negócios da mesa, do vinho, dos aperitivos e da cerveja. Sua entrada no mundo dos blogueiros foi comemorada por seus pares. Tom Wark, no seu Fermentation, escreveu que o meio, em plena ascensão, ganha credibilidade com o ingresso de escritores profissionais. O fato de Asimov não poupar o mito Robert Parker nem os "xaropes" californianos foi saudado pelo blog amuse bouche. Asimov é o criador do $25 and Under, espaço de resenhas de restaurantes de baixo custo que "não se encaixavam em outras colunas". Escreveu no $25 ... de 1992 a 2004, período em que saía para comer fora em Nova York pelo menos dez vezes por semana. Alçado a crítico-chefe de vinhos do NYT (gostaria de ser o "Alto Sacerdote do Vinho" do jornal, brinca), é distinguido mesmo como "o cara do vinho". Combina mais com sua juventude e preocupação em não ser um mero resenhista de safras e sim um escritor assumidamente "não-intervencionista", que pretende pisar no terreno onde o vinho e a cultura se encontram. "Algumas pessoas gostam de Bordeaux que tem gosto de Cabernet do Vale Napa. Prefiro Cabernet do Vale Napa que tem gosto de Bordeaux". O blog de Asimov é feito de provocações inteligentes como esta. Com o poder da chancela do NYT.

http://thepour.blogs.nytimes.com/

http://fermentation.typepad.com/fermentation/

DC 3/11/2006

O nariz de Robert Parker

O nariz de Robert M. Parker Jr. termina o ano chamuscado. O maior crítico de vinhos do mundo, um ex-advogado americano de Maryland que há um quarto de século degusta e dá notas de 50 a 100 para vintages de todos os cantos, moldando o rumo do próprio mercado, tem enfrentado os mais duros golpes contra seu sistema de classificação. Na mais recente biografia de Parker (O imperador do Vinho, Editora Câmpus), Elin McCoy já tratava da "tirania do paladar único". O lamento tem sua razão: muitos vitivinicultores franceses, italianos e californianos calibram seus produtos para conseguir boas notas de Parker. Isso inclui, por exemplo, bebidas muito frutadas e com alto teor alcoólico. O tiroteio entre Parker e jornalistas, principalmente ingleses, não pára. E ganhou os blogs. Parker ficou uma fera com Jancis Robinson, que tratou o Château Pavie 2003 (St. Émilion) como "vinho ridículo". O dono do nariz com seguro de um milhão de dólares, que degusta cerca de 10 mil vinhos por ano para a revista The Wine Advocate, amante dos vinhos franceses, condecorado por Jacques Chirac, escritor de vários livros e guias, e que agora dispõe suas notas até via telefone celular, tinha considerado o Château Pavie 2003 um brilhante esforço dos produtores. Até o renomado escritor britânico Hugh Johnson condenou essa hegemonia do gosto. E o debate já alcançou as páginas do New York Times, sob a pena do crítico Eric Asimov. Em sua coluna e no blog The Pour, Asimov tem advogado contra a invasão dos vinhos "monocromáticos" e o fim da salutar diversidade.

http://www.erobertparker.com/info/legend.asp

http://en.wikipedia.org/wiki/Wine_Parkerization

DC 27/10/2006

Austeros de Galeno

Os vinhos apreciados pelos romanos nos primeiros séculos da Era Cristã eram preparados nas regiões do Lazio e Catânia, numa faixa entre Roma e Sorrento, cruzando o Golfo de Nápoles e a fértil região do Vesúvio (Vinun –The History of Roman Wine, Stuart J. Fleming). Citações desses "soberbos" e "ardentes" vinhos aparecem nas Odes de Horácio e nas descrições de memoráveis banquetes feitas por Athenaeus. Na História Natural de Plínio lemos que o imperador Tibério rotulava os "saudáveis" vinhos de Surrentinum como "generosos vinagres". Outros elogios foram feitos pelo médico grego Galeno de Pérgamo (c. 131-201 d.C.). Vinho e ervas eram ingredientes indispensáveis nas suas receitas, principalmente nos antídotos de venenos. Conhecido também como médico dos gladiadores e, por isso, pai da medicina esportiva, foi um dos primeiros a estudar e tratar lesões em articulações e problemas musculares. Mais tarde, cuidou do imperador Marco Aurélio. Nos seus inúmeros tratados, que compõem uma extensa doutrina médica, fez a defesa dos efeitos benéficos do vinho à saúde. Contra infecções gastrointestinais, indicava os encorpados. Para as hemorragias, os vinhos ricos em tanino. No ranking de Galeno, os vinhos de Falernum aparecem em primeiro lugar, disputando com a bebida mais dura e mais "austera" de Surrentinum. O médico também faz elogios aos brancos romanos, fortes e levemente adstringentes, como "fluídos".

http://www.sorrentoinfo.com/itinerari/itinerari_vesuvio/wine_gastronomic.asp

http://www.healthsystem.virginia.edu/internet/library/historical/artifacts/antiqua/

DC 20/10/2006

A batalha de Rabelais

No mundo de François Rabelais (c.1490-1553), grande escritor da Renascença francesa, o vinhedo representa a força da vida e está constantemente em perigo. E é só por devoção a um "jardim" de novos valores que os personagens rabelasianos são capazes de lutar até a morte. A análise é do professor de literatura da Universidade de Berkeley, Timothhy Hampton, que estudou como o vinho deixou sua cor em toda a obra do escritor de Gargântua e Pantagruel. Ao mesmo tempo satírica e mordaz, Gargântua... traz o duelo entre os novos ideais humanísticos renascentistas e o obscurantismo da Idade Média. Rabelais nasceu em La Deviniere, perto de Chinon, no Vale do Loire, cercado de videiras. Seu pai foi proeminente jurista e próspero proprietário de terras. No clássico, a casa dos Rabelais pode ser reconhecida no Château de Grandgousier, onde o gigante Gargântua veio à luz. Durante um nababesco banquete, sua mãe explodiu e o expeliu pela orelha. As aventuras transbordantes dos gigantes de Rabelais ganharam forma nas gravuras exuberantes de Gustave Doré (1832-1883). Recentemente, Art Hazelwood preparou dez gravuras de um dos episódios: capítulo 27 do livro 1 (Eastside Editions/Sonoma/California). Desenhos com punch de quadrinhos mostram o exército de Gargântua e seus aliados expulsando dos vinhedos os inimigos da sabedoria.

http://www.arthazelwood.com/prints/rabelais/Rabelaistext.htm

http://www.worldwideschool.org/library/catalogs/bysubject-lit-adventure.html

DC 13/10/2006

Doce e nobre podridão

Vitivinicultores de Sauternes, subregião de Bordeaux, na França, colhem uma safra 2006 promissora. O marcante verão, com dias de até 35 graus e períodos regulares de chuva, ajudou os vinhedos. "Agora é esperar que a Botrytis tenha feito sua mágica", diz François Amirault, gerente do Château de Fargues. Os prodigiosos vinhos Sauternes, produzidos em Fargues, Bommes, Preignac, Barsac e Sauternes, dependem da pourriture noble (podridão nobre) provocada nas uvas pela Botrytis cinerea, fungo que ataca a casca de cada bago, passa para seu interior e evolui provocando ressecamento e concentração de açúcar. Já a proliferação da Botrytis ocorre graças à alternância de sol e de brumas matinais. A colheita em Sauternes repete rotina de séculos. No Château d'Yquem, o mais tradicional, 140 colhedores estão à caça de cachos "doentes". Como a Botrytis não ataca de maneira uniforme, a busca transforma-se em seleção de bagos podres. Esse rigor garante a qualidade (e o alto preço) dos vinhos. O corte das uvas "botrytizadas" é feito em ondas, no tempo de ação do fungo em cada cepa, Sauvignon Blanc ou Sémillon. Michel Onfray, da nova geração de filósofos franceses, autor de A Razão Gulosa - a Filosofia do Gosto (Rocco, 1999) vê na alquimia dos Sauternes "uma metáfora, uma espécie de lição de metafísica resumida que mostraria (...) a força do destino, os efeitos devastadores do tempo, o caráter implacável da entropia, a destruição instilada no próprio coração da vida, a generalização do princípio parasitário para explicar a realidade, a morte entendida como continuação da vida por outros meios, a eterna metamorfose, a única eternidade dos átomos e da matéria".

http://www.yquem.fr/

http://www.chateau-de-fargues.com/

DC 6/10/2006

Alimento com duas faces *

Um projeto de lei no Rio Grande do Sul, que garantia ao vinho local o status de alimento (com carga tributária inferior à das bebidas), acaba de ser vetado pelo governador de plantão, sob o argumento de que o barateamento contribuiria para um consumo excessivo de vinho entre os jovens. A controvérsia tem milênios. Pesquisador da Universidade da Califórnia – Davis, mergulhado em manuscritos e tabelas de nutrição, com estudos sobre comportamento alimentar, o professor Louis Grivetti escreve: "o vinho contém energia e nutrientes e, assim, por qualquer definição, é um alimento – seguramente, entretanto, um alimento com duas faces". Ao longo da história – e há registros do terceiro milênio a. C. – poetas e filósofos exaltaram o vinho por suas qualidades nutricionais, médicas e sociais. Não faltaram metáforas: "sinfonia química", "poesia engarrafada", "pôr-do-sol capturado". Mas o vinho foi também condenado como "destruidor de lares", the opener of graves, segundo levantamento de Grivetti. Por trás da polêmica, sempre considerações sobre o grau de consumo, da moderação ao descomedimento, essencial quando se fala em álcool. Grivetti ilustra o que chamou de dicotomia inerente ao vinho, com representações artísticas. De um lado, o deus Baco, de Caravaggio (c. 1571-1610), e a alegria antecipada de uma experiência inebriante. De outro, o Silenus do Museu do Capitólio, olhos atormentados e corpo entregue com a perda da razão. ( * Wine: The Food with Two Faces é o título de um artigo de Grivetti publicado em The Origins and Ancient History of Wine, Universidade da Pennsylvania).

http://nutrition.ucdavis.edu/faculty/grivetti.html

http://www.culturageneral.net/pintura/cuadros/baco.htm

DC 29/9/2006

O agora de Kháyyám

Procura ser feliz ainda hoje, pois não sabes o que te reserva o dia de amanhã. /Toma uma urna cheia de vinho, senta-te ao clarão do luar e monologa: 'Talvez amanhã a lua me procure em vão'. O astrônomo, matemático e poeta persa Omar Kháyyhám (século 11), célebre pelos quartetos que colocam o vinho a serviço da fruição imediata da vida (em contraponto à sua realidade trágica e efêmera), é conhecido no Ocidente como o "poeta do vinho". Isso se deve muito a Edward Fitzgerald (1809-1883), que traduziu e publicou 75 quadras em 1859. Exilando-se no Rubáiyát de Kháyyám para fugir de um casamento fracassado, conseguiu transformá-lo num best-seller, o maior da história da poesia inglesa, libelo "contra a afetação moralista" da era vitoriana, obra com centenas de traduções em todo o mundo. No Brasil, a versão de Fitzgerald encontrou restrições. Tanto Octávio Tarquínio de Sousa, em tradução de 1928, quanto o poeta Manuel Bandeira, nos anos 60, preferiram partir da versão francesa de Franz Toussaint. Bandeira criticava em Fitzgerald o "abandono" do original. Nas sucessivas edições do Rubáiyát de Tarquínio (são dele os quartetos desta página) há um democrático debate entre tradutor, que defende o agnosticismo de Kháyyám (desnudou a "precariedade do destino humano") e Alceu Amoroso Lima (Tristão de Athayde), pensador católico, que diz que Omar não fez mais do que repetir a filosofia do Eclesíastes. Kháyyám!/ Não te aflijas por seres um grande pecador!/ É inútil a tua tristeza./ Depois da Morte, virá o Nada ou a Misericórdia.

http://iranian.com/Features/2000/January/Khayyam/index.html

http://www.alfredo-braga.pro.br/poesia/rubaiyat.html

DC 22/9/2006

Domadores de Tannat

Vitivinicultores uruguaios estão empenhados em domar a Tannat, pródiga em taninos, uva responsável por mais de 50% dos vinhos de qualidade produzidos no Uruguai. As sementes dessa cepa francesa, hoje redescoberta na sua terra de origem, Madiran (Sudoeste da França), e é predominante em solo uruguaio, têm o dobro de taninos comumente contados numa variedade tinta. Por isso, o equilíbrio dos vinhos de Tannat tem de ser encontrado no laço. Na história dos habitantes da Banda Oriental há sempre espaço para o gaúcho, tipo que a partir do século 18 passou a ocupar suas pradarias. O "hombre-jinete" entendia de domar cavalos, derrubar e carnear uma rês como ninguém. Agora o uruguaio trata de amansar a Tannat, que chegou ao país em 1870, na bagagem do imigrante basco Don Pascual Harriague. Não basta, contudo, conseguir o balanço dos taninos apelando à enogastronomia, que aponta de cara a carne vermelha assada na brasa (o atento crítico Jorge Lucki recomenda a combinação Tannat/Feijoada, lembrando que, em Madiran, o vinho "escolta" o clássico Cassoulet). Na França e no Uruguai há os corajosos 100% Tannat. Mas o envelhecimento em barrica, prolongado em garrafa, não tem aplacado a fúria dos taninos; a extração dos mesmos durante a vinificação é difícil... Os incansáveis produtores têm investido na pesquisa à procura de uma parceira ideal para a uva. No blending dos franceses, a presença da Carbernet Sauvignon. No Uruguai, à Tannat tem se acrescentado Merlot e Folle Noire.

http://www.loscerrosdesanjuan.com.uy/cerros.htm

http://www.rau.edu.uy/uruguay/culktura/gaucho.htm

DC 15/9/2006

Uma taça contra o terror

O colunista Howard G. Goldberg, do New York Times, não cancelou o encontro com o presidente da Champagne Philipponnat, marcado para 12 de setembro de 2001 – programa de degustação de dez vintages Clos des Goisses, considerado um "tesouro francês". Manter a agenda foi uma decisão difícil, já que toda Nova York estava atônita um dia após os ataques terroristas às torres gêmeas do World Trade Center. Mas estar à mesa, principalmente acompanhado de uma taça de vinho, é uma celebração da civilização contra a barbárie, no caso o terrorismo. Na própria vida de Howard, o vinho sempre foi objeto ligado a "questionamento, pensamento, renovação". A homenagem do articulista, mantendo o encontro, foi um elogio memorialístico ao restaurante que ocupava o cimo das torres até os fatídicos 8 minutos e 48 segundos de 11 de setembro, quando dois aviões as destruíram. Windows on the World, então sob a batuta do chef Michael Lomonaco, foi um restaurante que trabalhou para "desmistificar o vinho", com profissionais preparados, disputados sommeliers e uma adega de 50 mil preciosidades, escreveu Goldberg. O Windows vendia cerca de 10 mil garrafas por mês, com uma carta de vinhos de 1.400 rótulos. Palco de degustações memoráveis, o restaurante teve como diretor de vinhos o professor Kevin Zraly, autor do best-seller Windows on the World Complete Wine Course. Mais de 14 mil alunos foram formados por ele na escola que funcionava nas alturas. Os caminhos de fruição construídos por essa gente nenhum terror consegue minar.

http://www.wowws.com/

http://www.champagnephilipponnat.com/goissesF.html

DC 8/9/2006

Garrafas para uma biblioteca

Lorde Charles Somerset, ao criar a Biblioteca da África do Sul, na Cidade do Cabo, em 1818, também sonhava: seria uma bênção ver a nova instituição alcançar a juventude daquele "remoto canto do globo". Governador da colônia (então inglesa), Somerset puxou a indústria do vinho local para o projeto e decretou: as taxas cobradas na selagem das garrafas comporiam um fundo para a formação da coleção. (Esses impostos duraram mais de dez anos, até que chegassem subsídios públicos.) Não é à toa, pois, que o atual acervo destaque preciosos documentos e relíquias sobre a viticultura desse pedaço da África, inclusive aqueles que retratam o peso da Escravidão no sucesso dos negócios. Há ali o primeiro relato de viagem, de 1595, quando Cornelis Houtman aportou numa baía para trocar com pastores vinho espanhol por carne. Já as primeiras mudas, Muscat d'Alexandrie e Chenin Blanc, foram plantadas em 1655 por Jan Van Riebeeck, chefe da colônia (então holandesa). Quatro anos depois, já tinham vinho das uvas locais. Seu sucessor trouxe para a região o modelo europeu de produção e arquitetura, marcante em Constantia. Em 1999, as bibliotecas de Cape Town e de Pretória (1887) foram integradas como Biblioteca Nacional da África do Sul.

http://www.nlsa.ac.za/vine/cultivating.html

http://www.nlsa.ac.za/index.html

DC

Os sextarii dos romanos

Há décadas Hollywood mostra os antigos romanos como grandes beberrões, taças de vinho transbordando, em animados banquetes. O cinema não erra. A prodigalidade do convivium (inspirado, mas diferente do symposium dos gregos) é descrita em muitos textos literários e narrativas históricas. Uma única fonte, entretanto, trata da medida estatística dessa beberronia. Os primeiros cálculos sobre o consumo de vinho entre os antigos romanos foram feitos pelo estudioso André Terchia, em 1986. Partiram de um achado arqueológico: uma inscrição de 153 d.C. em uma ruína na Via Ápia, que mostrava a sede dos cidadãos em sextarii. A primeira conta chegou a números superlativos: um consumo per capita de 182 litros/ano. "É muito vinho pelos padrões modernos", escreve o professor Stuart Fleming, em Vinum - The history of Roman Wine (Piccari Press/2001). Hoje, cada italiano bebe em média 70 litros/ano. Itália, França e Estados Unidos lideram o consumo mundial. As contas iniciais em sextarii foram revistas por Fleming a partir de novas estimativas da estrutura populacional de uma Roma de 700 mil habitantes. Cada romano consumiria então 87 litros/ano. "Quem, depois do vinho, bateria na tecla dos infortúnios de campanha ou da pobreza?" (Horácio, Odes). Para alguns historiadores, a alta ingestão de vinho estaria relacionada à impureza da água, em tempo de precárias condições sanitárias.

http://www.winebiz.com.au/statistics/world.asp.

http://www.http://www.oiv.int/

DC 25/8/2006

O fã-clube da Petite Sirah

Eles são exageradamente apaixonados pela causa: querem elevar a Petite Sirah (nessa grafia mesmo!) ao que consideram seu verdadeiro patamar, o de autêntica variedade americana. São produtores e fãs dessa uva, que desembarcou na Califórnia pouco depois de criada no sul da França, em 1880, e é uma variedade resistente. Venceu a devastadora Phylloxera e sobreviveu a guerras, à Lei Seca e à Depressão nos EUA. A Vinícola Foppiano, em Healdsburg, sediou na terça-feira o quinto simpósio anual da Petite Sirah. Há vários anos produtores investem na qualidade de seus vinhos e há cinco fazem campanha pelo reconhecimento da variedade, empunhando a bandeira P.S. I Love You. Hoje têm motivos para comemorar: até julho, a lista de produtores tinha 332 nomes (67 em 2002), relação que inclui argentinos e brasileiros. Já a área plantada saltou cerca de 10% de 2004 para 2005, chegando a quase 2.500 ha. Petite Sirah é o nome californiano da uva Durif, batizada pelo seu criador, o botânico François Durif. Há cerca de dez anos, testes de DNA feitos na Universidade da Califórnia – Davis mostraram que a Durif (a Petite Sirah) nasceu do cruzamento das francesas Peloursin e Syrah. Há quem diga que as frutas sentem-se mais em casa nas quenturas californianas, onde alcançam altos níveis de açúcar. E, após a fermentação, tornam-se vinhos de alto teor alcoólico (que merecem ser domados na garrafa), encorpados, de muitos taninos, que pintam os dentes de roxo.

http://www.psiloveyou.org/faq.php

http://www.winepros.org/wine101/grape_profiles/petite.htm

DC 11/8/2006

Toda a leveza da cortiça

Micrométricas almofadas pentagonais (ou hexagonais) recheadas com uma mistura de gases. A estrutura celular da cortiça foi observada pela primeira vez pelo cientista inglês Robert Hooke, nos caminhos abertos com a invenção do microscópio óptico (1660). Hoje, a série de características da cortiça está na ponta da língua daqueles que defendem o uso da rolha natural no tamponamento das garrafas de vinho. Em cada centímetro cúbico de cortiça são cerca de 40 milhões de células que formam uma estrutura alveolar fascinante, que lembra a de uma colméia. Cada um dos prismas da rede tem cerca de 45 micrômetros (ou 0,045 milímetros) de altura. Essa arquitetura é responsável pela leveza e pelo alto grau de compressibilidade das rolhas. Já a impermeabilidade fica por conta da suberina, sustância lipídica que reveste as paredes das células e impede a passagem de líquidos e gases. A suberina é o principal componente da cortiça (45%). No tiroteio contra as rolhas sintéticas, entretanto, estão sendo cada vez mais usados conceitos politicamente corretos. Afinal, as rolhas naturais são recicláveis e biodegradáveis. A vinícola espanhola Viña Araújo não esconde o jogo: faz questão de explicitar no gargalo de seu Albariño 2005 que sua garrafa é selada com rolha de cortiça. A tese agora é a de que essa informação passou a ser indispensável para o consumidor.

27">http://www.ctcor.com/faq/faq.php?id>27

http://www.corkmasters.com

DC 4/8/2006

Paixões de Thomas Jefferson

O dia 28 de fevereiro amanheceu com chuva e neve na Paris de 1787. Desafios extras para certa carruagem, puxada por três cavalos, ao iniciar viagem com destino aos mais famosos vinhedos do mundo, entre eles os do coração da Borgonha, na Côte d'Or. O passageiro era Thomas Jefferson, autor da Declaração da Independência dos Estados Unidos (1776) e que viria a ser o 3º presidente do país (1801-1809). Na valise, um indefectível saca-rolhas. Detalhes da temporada de Jefferson em Paris como ministro plenipotenciário, dos bons garfos e interlocutores na farta mesa da residência em Champs-Elysées e das visitas que fez a vinhedos europeus estão em Passions - The Wines and Travels of Thomas Jefferson (Bacus Press/Baltimore, 1995), de James M. Gabler. Na primeira parada, Auxerre, elogio ao "generoso" Clos de la Chainette. Na lista de preferidos, entretanto, renomados Borgonhas, degustados in loco: Chambertin (grand cru), Vougeot e Vosne. Jefferson também esteve em Bordeaux, Vale do Rhône, Champagne, Provence e Languedoc. E conheceu propriedades na Itália e na Alemanha. Tantas foram as paixões cultivadas por ele que é considerado uma espécie de Leonardo da Vinci da América. Tinha como temas de interesse o direito, a liberdade e a democracia. E ao lado das tarefas políticas, cortejava a música e a arquitetura (ele mesmo projetou seu casarão em Monticello, na Virginia, cercado de parreiras). Fã de finos Sauternes, foi um dos grandes conhecedores de vinhos de seu tempo. E wine adviser de vários presidentes dos Estados Unidos.

http://www.thomasjefferson.net/wineconnoisseur.html

http://www.presidentsusa.net/jefferson.htmlv

DC 28/7/2006

Adamastor e Dr. Pinotage

O vinho da África do Sul deve tributos aos navegadores que desafiaram Adamastor. O gigante mitológico cantado por Camões (n'Os Lusíadas) é marcante imagem literária de uma natureza feroz agindo contra desbravadores que tentavam atravessar o Cabo das Tormentas (também da Boa Esperança), no extremo sul do continente. No século XVII, barcos da Companhia Holandesa das Índias Orientais enfrentavam com destemor o mar bravio da região, rumo ao Índico. Seus tripulantes ali fundaram a primeira colônia e passaram a cuidar de uvas e de vinhos, abastecendo mercadores na luta contra outros gigantes dos mares. O primeiro vinho de prestígio foi o branco doce Constantia, de uvas Moscatel. Mas o de maior originalidade nasceu das mãos de Abraham Izak Perold (1880-1941), Ph.D. em Química, então professor da Universidade de Cape Town. Perold percorreu o mundo atrás de variedades que pudessem ser cultivadas naquele pedaço da África. Mas foi além. Como primeiro professor de Viticultura da Universidade de Stellenbosch cruzou a Pinot Noir, a uva dos Borgonha tão querida dos franceses, e a resistente Cinsault. Conseguiu, em 1924, quatro sementes, plantadas no quintal da residência oficial. Ao ser transferido, entretanto, deixou a experiência para trás. Tempos depois, outro mestre, Charlie Niehaus, passeando de bicicleta perto da antiga casa de Perold, notou jardineiros em sua azáfama. E conhecedor da pesquisa com as sementes, salvou-as da sanha dos carpidores. Estas foram replantadas na incubadora da universidade. Nascia a Pinotage, ainda pouco compreendida, mas que pode bem entrar na cota da retomada da viticultura pós-Apartheid.

http://www.pinotage.co.za/html/birth.html

http://www.wineanorak.com/toptenpinotage.htm

DC 21/7/2006