sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Um blog jeffersoniano

O escritor e historiador James M. Glaber, especialista em Thomas Jefferson (1743-1826) e nos vinhos que encantaram o 3° presidente dos Estados Unidos, acaba de lançar um blog: Wine and Conversation with Thomas Jefferson. Parte para a empreitada com o reconhecimento adquirido como autor de dois livros: Passion:The Wines & Travels of Thomas Jefferson (Bacchus Press/1995) e An Evening with Benjamin Franklin and Thomas Jefferson: Dinner, Wine and Conversation (Bacchus Press/2006). Em 1787, Jefferson, representante americano em Paris, viajou pela França e conheceu os melhores vinhedos. "O que hoje sabemos sobre os grandes vinhos da França do final do século XVIII, sabemos por meio de Jefferson", diz Glaber. O presidente hedonista, fã de Bordeaux e da Borgonha, deixou muitas anotações sobre sua adega e vários registros comerciais de suas aquisições, o que têm alimentado a série de obras sobre o tema. Gabler promete repetir no blog as inferências históricas que tanto lhe deram prestígio. Acredita, por exemplo, que Jefferson acharia o tinto que hoje sai de Bordeaux um pouco mais leve do que o degustado em seu tempo, mas reconheceria nele o tradicional e prodigioso estilo. Provocado pelo blogueiro Tom Wark (Fermentation.com), Gabler diz ainda que Jefferson, que tanto lutou pela aclimatação de vinhedos na sua Monticello, certamente ficaria feliz com o progresso da viticultura nos EUA. E os Cabs californianos estariam sem dúvida na sua adega. No seu primeiro post, ao indicar um Cabernet Sauvignon 2008, da vinícola Seven Oaks, Gabler insere a garrafa num jantar comandado por Jefferson em 1786 na mansão de Champs-Élysées. Também à mesa, o explorador John Ledyart, mais você, leitor.


www.thomasjefferson.net/

DC de 26/11/2010

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Uma omelete e uma taça de vinho

Existem vinhos para pratos (falsamente simples) com ovos? A escritora inglesa Elizabeth David (1913-1992) deixou um pequeno tratado sobre o assunto, artigo originalmente escrito para The Spectator e reunido num de seus livros de sucesso An Omelette and a Glass of Wine (The Globe Pequot Press/1997). Na verdade, conhecedora da posição de vários sommeliers, a de que ovos não combinam muito bem com vinhos (alguns fazem cara feia para o cheiro forte que os ovos deixam na taça), Elizabeth David faz, desde o título, uma das suas deliciosas provocações, defendendo sempre a liberdade das combinações à mesa. Ela conta que ao degustar uma singela omelette no celebrado restaurante Hôtel de la Tête d'Or, no Monte Saint Michel, na Normandia – confecção que demanda tanto uma grande entrega quanto muito respeito aos ingredientes –, não dispensou uma ou duas taças de vinho, que realçaram mais ainda o sabor de seus ovos. Se essa combinação fosse banida das mesas, o que dizer de pratos feitos como uma luva para um bom vinho, mas adereçados com molhos mayonnaise, Hollandaise e Béarnaise? Quando jovem, Elizabeth David viveu na França e estudou na Sorbonne. Mais tarde passou a viajar e escrever sobre gastronomia, o que fez com talento durante décadas. Levou alegria à sua Inglaterra de mesa racionada do pós-guerra, introduzindo delícias da culinária da França e da Itália e os sabores do Mediterrâneo. Ah, a abobrinha! É dela o clássico Mediterranean Food (John Lehmann), publicado em 1950. A cozinha regional francesa sempre foi celebrada em seus escritos, incluindo a ode à omelette, esse prato que encontra ecos e maneiras de preparação diversas em todo o mundo. Elizabeth faz questão de descrever em detalhes o prato de um pequeno restaurante de Avignon, a cidade dos papas, com destaque para a Omelette Molière, que leva na receita a magia dos queijos parmesão e gruyère. Para esse prato de ovos e queijos, Elizabeth defende a participação de vinhos brancos: um aromático traminer da Alsácia, ou um Borgonha branco como o adorável Meursault. Há sommeliers que apostam hoje, resistindo sempre, num Chardonnay mais untuoso e barricado, chileno talvez, para a brava omelette que sai fumegante da cozinha.

DC de 19/11/2010

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

"Arcana alquimia" dos rótulos

Os designers especializados têm elevado os rótulos dos vinhos à condição de obras de arte. É claro que um rótulo deve, sobretudo, conter as informações básicas sobre o conteúdo da garrafa. Mas, com o crescimento e variedade da oferta, tem também o papel de se destacar nas prateleiras. Alguns comparam os rótulos às capas de livros, portas de entrada para uma experiência estética e de prazer. O inglês Peter F. May, "embaixador" da uva Pinotage e colecionador incansável de rótulos (é autor de Marilyn Merlot and the Naked Grape/Quirk Books/2006), acredita que os vinicultores devem apostar mais na graça e na alegria intrínsecas de seu produto e espelhá-las já nos rótulos – qualidades que enriquecem o rito da degustação e em nada atrapalham a avaliação enológica da bebida. A jovem escritora Tanya Scholes lançou no mês passado um livro ilustrado com rótulos inovadores de cerca de 250 vinícolas, que ampliam nossa visão sobre o tema. The Art and Design of Contemporary Wine Labels (Santa Monica Press/2010) conta a história dos rótulos desde seu início utilitário até o papel estético de hoje, numa sociedade mergulhada em visualidades. "Confrontados por milhares de opções, o passeio por um empório pode se tornar uma verdadeira Odisseia", escreveu o designer Jeffrey Caldway, fundador do Icon Design Group e coautor do referencial Icon: Art of Wine Label(Wine Appreciation Guild/2006), para elogiar a importância do trabalho da coleção comentada de Tanya: ela acende uma luz sobre a arcana alquimia dos rótulos.


DC de 13/11/2010

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Na Massália de Pítias

Um mapa estudado com lupa por Barry Cunliffe, professor de Arqueologia Europeia da Universidade de Oxford, mostra como o comércio de vinhos foi importante no crescimento de Massália (a atual cidade de Marselha, na França) – colônia portuária fundada em 600 a.C. por gregos da Phoacea. Os pontos pretos indicam os locais onde arqueólogos de várias expedições escavaram ânforas de vinho com o mesmo desenho das usadas comumente pelos mercadores e comerciantes de Massália, entre 540 e 350 a.C. Análises da constituição petrográfica da argila dessas vasilhas também ajudaram a indicar a localização das olarias originais. A maior parte dessas ânforas foi resgatada na faixa de terra entre Ampurias e Nikaia (Nice), colônias vizinhas criadas depois de Massália. Mas alguns desses potes de argila "viajaram surpreendentemente para longe, para a costa da Itália, com concentração nas imediações da Baía de Nápoles, para o sul da Sicília e ao longo da Costa ibérica", escreveu Cunliffe no seu livro The Extraordinary Voyage of Pytheas the Greek (Walker & Company/2001). Pítias, o famoso massaliense que hoje tem merecida estátua bem em frente ao prédio da Bolsa de Marselha, foi um aventureiro grego que navegou não só pelo Mediterrâneo, mas pelas costas do Atlântico, alcançando as ilhas britânicas e terras geladas da Escandinávia. De suas detalhadas "crônicas científicas", reunidas na obra Peri tou Okean (No Oceano), por volta de 320 a.C., restaram somente citações em livros de 18 escritores nos séculos posteriores, como o geógrafo grego Strabo. A vocação de Massália para o comércio vem de vários séculos anteriores a Pítias. Ânforas etruscas e utensílios para bebidas datadas de c. 650 a.C. foram encontradas em grande quatidade no delta do Rhône, bem na boca do rio, uma rota importante para o vinho, o sal, produzido em larga escala, e jóias criadas com corais, caminho em direção às terras bárbaras do Norte. Pítias ainda era menino quando Aristóteles elogiava as regras jurídicas e políticas da colônia e o Conselho formado por 600 homens, que elegiam outros 15 para levar adiante os negócios do austero governo. Funerais ostentatórios e roupas de casamento luxuosas eram proibidos, assim como o vinho para mulheres e exageros no consumo geral da bebida. Em compensação, relata Cunliffe com ironia, aqueles que desejassem cometer suicídio podiam submeter seu pleito ao Conselho (Timouchoi). Se julgado procedente, recebiam da cidade de Massalia, sem custo algum, a dose letal exata de cicuta.


Diário do Comércio de 5 de novembro de 2010