sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Na Massália de Pítias

Um mapa estudado com lupa por Barry Cunliffe, professor de Arqueologia Europeia da Universidade de Oxford, mostra como o comércio de vinhos foi importante no crescimento de Massália (a atual cidade de Marselha, na França) – colônia portuária fundada em 600 a.C. por gregos da Phoacea. Os pontos pretos indicam os locais onde arqueólogos de várias expedições escavaram ânforas de vinho com o mesmo desenho das usadas comumente pelos mercadores e comerciantes de Massália, entre 540 e 350 a.C. Análises da constituição petrográfica da argila dessas vasilhas também ajudaram a indicar a localização das olarias originais. A maior parte dessas ânforas foi resgatada na faixa de terra entre Ampurias e Nikaia (Nice), colônias vizinhas criadas depois de Massália. Mas alguns desses potes de argila "viajaram surpreendentemente para longe, para a costa da Itália, com concentração nas imediações da Baía de Nápoles, para o sul da Sicília e ao longo da Costa ibérica", escreveu Cunliffe no seu livro The Extraordinary Voyage of Pytheas the Greek (Walker & Company/2001). Pítias, o famoso massaliense que hoje tem merecida estátua bem em frente ao prédio da Bolsa de Marselha, foi um aventureiro grego que navegou não só pelo Mediterrâneo, mas pelas costas do Atlântico, alcançando as ilhas britânicas e terras geladas da Escandinávia. De suas detalhadas "crônicas científicas", reunidas na obra Peri tou Okean (No Oceano), por volta de 320 a.C., restaram somente citações em livros de 18 escritores nos séculos posteriores, como o geógrafo grego Strabo. A vocação de Massália para o comércio vem de vários séculos anteriores a Pítias. Ânforas etruscas e utensílios para bebidas datadas de c. 650 a.C. foram encontradas em grande quatidade no delta do Rhône, bem na boca do rio, uma rota importante para o vinho, o sal, produzido em larga escala, e jóias criadas com corais, caminho em direção às terras bárbaras do Norte. Pítias ainda era menino quando Aristóteles elogiava as regras jurídicas e políticas da colônia e o Conselho formado por 600 homens, que elegiam outros 15 para levar adiante os negócios do austero governo. Funerais ostentatórios e roupas de casamento luxuosas eram proibidos, assim como o vinho para mulheres e exageros no consumo geral da bebida. Em compensação, relata Cunliffe com ironia, aqueles que desejassem cometer suicídio podiam submeter seu pleito ao Conselho (Timouchoi). Se julgado procedente, recebiam da cidade de Massalia, sem custo algum, a dose letal exata de cicuta.


Diário do Comércio de 5 de novembro de 2010

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