sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Uma omelete e uma taça de vinho

Existem vinhos para pratos (falsamente simples) com ovos? A escritora inglesa Elizabeth David (1913-1992) deixou um pequeno tratado sobre o assunto, artigo originalmente escrito para The Spectator e reunido num de seus livros de sucesso An Omelette and a Glass of Wine (The Globe Pequot Press/1997). Na verdade, conhecedora da posição de vários sommeliers, a de que ovos não combinam muito bem com vinhos (alguns fazem cara feia para o cheiro forte que os ovos deixam na taça), Elizabeth David faz, desde o título, uma das suas deliciosas provocações, defendendo sempre a liberdade das combinações à mesa. Ela conta que ao degustar uma singela omelette no celebrado restaurante Hôtel de la Tête d'Or, no Monte Saint Michel, na Normandia – confecção que demanda tanto uma grande entrega quanto muito respeito aos ingredientes –, não dispensou uma ou duas taças de vinho, que realçaram mais ainda o sabor de seus ovos. Se essa combinação fosse banida das mesas, o que dizer de pratos feitos como uma luva para um bom vinho, mas adereçados com molhos mayonnaise, Hollandaise e Béarnaise? Quando jovem, Elizabeth David viveu na França e estudou na Sorbonne. Mais tarde passou a viajar e escrever sobre gastronomia, o que fez com talento durante décadas. Levou alegria à sua Inglaterra de mesa racionada do pós-guerra, introduzindo delícias da culinária da França e da Itália e os sabores do Mediterrâneo. Ah, a abobrinha! É dela o clássico Mediterranean Food (John Lehmann), publicado em 1950. A cozinha regional francesa sempre foi celebrada em seus escritos, incluindo a ode à omelette, esse prato que encontra ecos e maneiras de preparação diversas em todo o mundo. Elizabeth faz questão de descrever em detalhes o prato de um pequeno restaurante de Avignon, a cidade dos papas, com destaque para a Omelette Molière, que leva na receita a magia dos queijos parmesão e gruyère. Para esse prato de ovos e queijos, Elizabeth defende a participação de vinhos brancos: um aromático traminer da Alsácia, ou um Borgonha branco como o adorável Meursault. Há sommeliers que apostam hoje, resistindo sempre, num Chardonnay mais untuoso e barricado, chileno talvez, para a brava omelette que sai fumegante da cozinha.

DC de 19/11/2010

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