terça-feira, 29 de abril de 2014

Vinhos, sem palavras.

Está de volta o Château Pétrogasm, o inusitado site de vinhos que não usa palavras para descrever as garrafas resenhadas, somente imagens, de fotografias a desenhos e pinturas. Durante os últimos 12 meses, o château esteve congelado para balanço. Voltou a operar agora em abril, com mais recursos técnicos, informa Benjamin A. Saltzman, o BAS, seu fundador. Um punhado de pérolas marca a reestreia: a resenha absoluta do Champagne Blanc des Blancs 2004 do produtor Bruno Paillard. BAS é um entusiasta do vinho, trabalhou alguns anos na indústria do vinho de Los Angeles e atualmente está mergulhado na sua tese de doutorado sobre literatura inglesa medieval, que defenderá na Universidade da Califórnia, Berkeley. Vive em Sausalito (CA), de onde publica suas resenhas. Em tom de blague, BAS diz que o maior problema do vinho certamente não é combiná-lo com a comida e, sim, com as palavras. Ele sabe que é muito difícil descrever um vinho, seja com palavras ou mesmo com arte, já que qualquer tradução seria sempre inferior à complexidade da bebida. Mas diante da enxurrada de chavões da crítica atual, uma imagem pode ser mais estimulante. Está aí a aposta de BAS e do co-fundador Andrew Stuart. Antes do primeiro post, em junho de 2007, eles já citavam o filósofo Wittgenstein para justificar as resenhas imagéticas. É bom lembrar, aliás, que o Château Pétrogasm (uma homenagem ao célebre Château Pétrus) está aberto para novos residentes que queiram associar suas degustações a estimulantes imagens.www.chateaupetrogasm.com DC de 25 de abril de 2014

quinta-feira, 10 de abril de 2014

O bad boy da garagem

Jean-Luc Thunevin acaba de passar pelo Brasil, em uma semana de negócios (não pode nem mesmo mergulhar em Ipanema). Mas encontrou-se com vários amigos brasileiros, entre eles Ed Motta, o soul-jazzista que gosta de chás e vinhos. Muitos deles o conheceram na sua propriedade em St. Émilion e são fãs dos "vinhos de garagem", que desde meados dos anos 1990 estão mudando o cenário aristocrático de Bordeaux. Em São Paulo, Thunevin participou de uma concorrida degustação de seus vinhos promovida pela Associação Brasileira de Sommeliers (ABS), entre eles, amostras do Valandraud 2012, "que ainda está na barrica", e uma série de outros rótulos disponíveis no Brasil. Um deles, o Bad Boy, um corte de Merlot (95%) com Cabernet Franc (5%). Thunevin, "pied noir", é o próprio "bad boy", como o batizou, há vários anos, o crítico de vinhos Robert Parker. E esse seu rótulo é mais uma das provocações: está lá a simpática ovelha negra apontando para a "garage" (ao lado). Ex-lenhador, ex-DJ, ex-dono de restaurante chinês, o ex-bancário do Crédit Agricole pegou seus 15 mil euros de indenização para comprar casa e um pequeno terreno na medieval St. Émilion, até começar a produzir seus vinhos, em menos de um hectare de terreno, com a ajuda da mulher, a ex-enfermeira Murielle. Hoje ele tem vários vinhedos na região, além da plantação em Roussilon, no Sul da França. As primeiras garrafas foram produzida de maneira artesanal, com tanques de fermentação e barricas de carvalho aboletadas na garagem da propriedade. Daí o "vin de garage". (As proezas do casal lembram certamente a de jovens americanos que nos anos 1960/70 tomavam conta das garagens dos pais com instrumentos e caixas de som para também tirar um rock fora dos padrões.) O vinho que deu impulso aos "garagistes" de Bordeaux foi o Valandraud 1991, com apenas 1.500 garrafas – hoje são 15 mil ao ano, mas muito menos do que as 300 mil do Château Mouton-Rothschild, por exemplo. E vale a lei de mercado: oferta pequena e grande procura, preços nas alturas. O Château Valandraud 2003 não sai por menos de R$ 2.400. O Château Valandraud 2012 degustado na ABS é do mesmo ano em que a casa foi elevada à categoria de Premier Grand Cru Classé de St. Émilion. O sucesso de Thunevin se deve muito ao crítico americano Robert Parker, que encontrou nesses vinhos as características de um, vá lá, "gosto americano": vinhos espessos, mais alcoólicos, mais frutados, com mais madeira e de certo modo uma reação ao estilo bordalês tradicional. Os primeiros Valandraud chegaram a receber notas altas no ranking de Parker, muitas delas maiores do que as recebidas pelos premiers crus classés de Bordeaux. Certamente, como era de se esperar, esses vinhos de garagem não foram bem recebidos pelo inglês Hugh Johnson e Jancis Robinson também acha que estão muito longe de refletir o terroir de Bordeaux. Na mesma linha dos vinhos de Thunevin estão o La Mondotte, do Château Canon-la-Gaffeliére, La Gomerie, de Beau-séjour-Bécot, Rol Valentin, Marajollia e Le Dôme, Les Astéries e Laforge, do Château Teyssier, todos "cult wines". O Château Le Pin, considerado o pai dos "garagistes", foi fundado no final dos anos 1970 pelos belgas Marcel e Gérad Thienpoint, que começaram a fazer vinhos de garagem em pleno Pomerol. Algumas garrafas do Le Pin, de safras consagradas, como a de 1998, não saem por menos de R$ 11.790. P.S. Trazem vinhos de Thunevin para o Brasil as importadoras Casa do Porto, Vinissimo e Casa Flora. DC de 11/4/2014

quinta-feira, 3 de abril de 2014

Monseigneur Le Vin

Depois da Primeira Guerra Mundial, "a guerra que iria acabar com todas as guerras", a ordem era brilhar, ainda com um pouco de lembrança da Belle Époque. Paris seguiu à risca, como nenhuma outra capital européia, os motes da retomada, recebendo em festa escritores, artistas, intelectuais, como Picasso, Hemingway, Gertrude Stein. Livros, quadros, música, vinhos e champagne foram protagonistas de uma época de requintes. A cadeia de lojas Nicolas, "a petite maison rouge" que até hoje pontua Paris, entrou na onda desse Pós-Guerra de sonho com seus catálogos e livros sobre vinho, arregimentando em mecenato os melhores ilustradores e desenhistas da época. Uma obra de destaque foi Monseigneur Le Vin, cinco pequenos volumes, quatro deles de autoria de Georges Montorgueil, escritos entre 1924 e 1927. O último volume da série, L'Art de Boire (A arte de Beber) virou cult entre designers dada a qualidade gráfica incomparável das ilustrações de Charles Martin e textos do romancista Louis Forest. Com sutil humor, Forest escreve a título de preâmbulo e dá o tom da publicação: "De acordo com um velho provérbio, 'quando o vinho é servido, tem de ser bebido'. Essa é uma máxima deplorável. E certamente não serve de inspiração para uma mente fina. Um gourmet teria escrito: 'quando o vinho é servido, é preciso saber como bebê-lo". O manual da Nicolas, distribuído gratuitamente para clientes, era, na verdade, um guia para o chamado "bebedor civilizado". Monseigneur Le Vin ganhou uma edição adaptada do Metropolitan Museum of Art, de Nova York, rebatizada de Wine Album (2011), que valorizou a primorosa série de ilustrações de Charles Martin. Em lojas de livros raros também é possivel encontrar exemplares das primeiras edições, entre elas L'Art de Boire, de 1927. A Nicolas foi fundada em 1822, um ano após a morte de Napoleão. Ettienne Nicolas foi um visionário que decidiu vender garrafas de vinho no varejo, de acordo com a demanda, e não só no costumeiro atacado. Ficou célebre um dos cartazes de publicidade da casa, onde o entregador Nectar leva nas mãos nada menos do que 32 garrafas, de uma só vez. Nectar foi desenhado pelo cartunista Dransy, cem anos depois da criação da Nicolas, quando já existiam mais de 200 pontos de venda. Inovava-se também ao entregar vinhos em casa, em triciclos, numa Paris em festa. DC de 4/04/2014