quinta-feira, 10 de abril de 2014

O bad boy da garagem

Jean-Luc Thunevin acaba de passar pelo Brasil, em uma semana de negócios (não pode nem mesmo mergulhar em Ipanema). Mas encontrou-se com vários amigos brasileiros, entre eles Ed Motta, o soul-jazzista que gosta de chás e vinhos. Muitos deles o conheceram na sua propriedade em St. Émilion e são fãs dos "vinhos de garagem", que desde meados dos anos 1990 estão mudando o cenário aristocrático de Bordeaux. Em São Paulo, Thunevin participou de uma concorrida degustação de seus vinhos promovida pela Associação Brasileira de Sommeliers (ABS), entre eles, amostras do Valandraud 2012, "que ainda está na barrica", e uma série de outros rótulos disponíveis no Brasil. Um deles, o Bad Boy, um corte de Merlot (95%) com Cabernet Franc (5%). Thunevin, "pied noir", é o próprio "bad boy", como o batizou, há vários anos, o crítico de vinhos Robert Parker. E esse seu rótulo é mais uma das provocações: está lá a simpática ovelha negra apontando para a "garage" (ao lado). Ex-lenhador, ex-DJ, ex-dono de restaurante chinês, o ex-bancário do Crédit Agricole pegou seus 15 mil euros de indenização para comprar casa e um pequeno terreno na medieval St. Émilion, até começar a produzir seus vinhos, em menos de um hectare de terreno, com a ajuda da mulher, a ex-enfermeira Murielle. Hoje ele tem vários vinhedos na região, além da plantação em Roussilon, no Sul da França. As primeiras garrafas foram produzida de maneira artesanal, com tanques de fermentação e barricas de carvalho aboletadas na garagem da propriedade. Daí o "vin de garage". (As proezas do casal lembram certamente a de jovens americanos que nos anos 1960/70 tomavam conta das garagens dos pais com instrumentos e caixas de som para também tirar um rock fora dos padrões.) O vinho que deu impulso aos "garagistes" de Bordeaux foi o Valandraud 1991, com apenas 1.500 garrafas – hoje são 15 mil ao ano, mas muito menos do que as 300 mil do Château Mouton-Rothschild, por exemplo. E vale a lei de mercado: oferta pequena e grande procura, preços nas alturas. O Château Valandraud 2003 não sai por menos de R$ 2.400. O Château Valandraud 2012 degustado na ABS é do mesmo ano em que a casa foi elevada à categoria de Premier Grand Cru Classé de St. Émilion. O sucesso de Thunevin se deve muito ao crítico americano Robert Parker, que encontrou nesses vinhos as características de um, vá lá, "gosto americano": vinhos espessos, mais alcoólicos, mais frutados, com mais madeira e de certo modo uma reação ao estilo bordalês tradicional. Os primeiros Valandraud chegaram a receber notas altas no ranking de Parker, muitas delas maiores do que as recebidas pelos premiers crus classés de Bordeaux. Certamente, como era de se esperar, esses vinhos de garagem não foram bem recebidos pelo inglês Hugh Johnson e Jancis Robinson também acha que estão muito longe de refletir o terroir de Bordeaux. Na mesma linha dos vinhos de Thunevin estão o La Mondotte, do Château Canon-la-Gaffeliére, La Gomerie, de Beau-séjour-Bécot, Rol Valentin, Marajollia e Le Dôme, Les Astéries e Laforge, do Château Teyssier, todos "cult wines". O Château Le Pin, considerado o pai dos "garagistes", foi fundado no final dos anos 1970 pelos belgas Marcel e Gérad Thienpoint, que começaram a fazer vinhos de garagem em pleno Pomerol. Algumas garrafas do Le Pin, de safras consagradas, como a de 1998, não saem por menos de R$ 11.790. P.S. Trazem vinhos de Thunevin para o Brasil as importadoras Casa do Porto, Vinissimo e Casa Flora. DC de 11/4/2014

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