sexta-feira, 30 de novembro de 2007

A machadinha de Carry Nation

Ainda há quem acuse a advogada Carry A. Nation (1846-1911) de estar por trás, como uma sombra, do fraco desempenho dos Estados Unidos no ranking de consumo per capita de vinho. É pesada a lembrança de seu ativismo xiita contra o álcool, isso antes mesmo da Lei Seca, que perdurou de 1919 a 1933 e vitimou muitos produtores. No banco dos réus também leis e impostos que restringem o livre fluxo de vinhos e uvas entre estados até hoje. Uma realidade anotada pelo escritor Jonathon Alsop, professor da Boston Wine School, com uma metáfora bem local: a cultura americana do vinho seria como aqueles jogadores de basquete muito altos, mas que ainda não perceberam essa vantagem. Com cerca de 300 milhões de habitantes, os EUA estão em 3° no rol dos oito maiores países consumidores (França, Itália, EUA, Alemanha, Espanha, China, Reino Unido e Argentina), que representam 2/3 da oferta mundial de vinho. No entanto, o consumo per capita é baixo, de 8,69 litros/ano, segundo dados do Wine Institute. Na campeã França, com uma população de 60,8 milhões de pessoas, o consumo está estacionado em 55 litros/ano. Há que se considerar que, de 2001 a 2005, o consumo per capita nos EUA cresceu 10%. É pouco, reclamam especialistas, sob a herança de Carry Nation. Bíblia e machadinha nas mãos, Carry militou no início do século 20 numa cruzada moralista contra o álcool, destruindo saloons e suas prateleiras de bebidas. Presa 30 vezes entre 1900 e 1910, fez disso propaganda da causa. Por ironia, hoje é personagem cult de museu de Kansas, cujos saloons vieram abaixo com golpes de machadinhas e marretas.

http://www.kshs.org/cool2/hammer.htm

http://www.wineinstitute.org/resources/statistics

DC 30/11/2007
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segunda-feira, 26 de novembro de 2007

A Colina de Magris

A Colina de Turim, com seus bosques, veredas, vilarejos, vilas barrocas e neoclássicas, organizados vinhedos (e nada isentos apreciadores de Freisa e Barbera), mereceu um texto apaixonado de Claudio Magris, um dos intelectuais italianos mais originais da atualidade. Em Microcosmos (Rocco/1997), o triestino ergue pequenos monumentos ao universal a partir de uma torrente de particularismos históricos, geográficos e culturais. A viagem literária pelo Norte da Itália, com destaque para a sua Trieste e o Piemonte de coração, rendeu um precioso relato sobre a Collina Torinese – "ondulada, variada", tendo a seus pés a Turim "geométrica, esquadrinhada" –, com ênfase nas "existências entrelaçadas". O personagem Dom Girotto (1857-1943), arciprestre de Revigliasco por 52 anos, é um pouco dessa síntese. "Filósofo-latinista-enólogo", seu tema predileto girava em torno da pequenez do ser humano e sua finitude, um entendimento compartilhado que tinha um quê libertário. Ainda hoje, no oratório que leva seu nome "troneiam várias garrafas dos épicos vinhos tintos do Piemonte", descreve Magris. O latinista-enólogo certamente sabia que "a superfície daquele latim (e sua magniloqüente irrealidade) assemelhava-se ao sabor do Barbera e do Dolcetto, vinhos tão ligeiros a escorregar no copo e na garganta, dignos dos cuidados e da competência que Girotto dedicava aos dons da videira, numa simbiose de teologia e enologia não rara por essas colinas (...)"

http://www.arpnet.it/pronto/progetti/collina/collina.html

http://www.italialibri.net/autori/magrisc.html

DC 23/11/2007

sexta-feira, 16 de novembro de 2007

Reencontro com os verdes

Carlos, maître do restaurante Arábia, um dos étnicos mais estrelados do Brasil, estava emocionado na quinta-feira da semana passada, numa degustação de vinhos verdes, comandada pela Comissão de Viticultura da Região dos Vinhos Verdes de Portugal (CVRVV), em São Paulo. "Foi um reencontro sentimental com os vinhos verdes", resumiu, depois de provar o refrescante e mineral Casa de Santa Eulália 2006, das uvas Azal e Arinto, produzido na região de Cabeceiras de Basto. Carlos trabalhou vários anos no Rio, quando o vinho verde reinava sozinho na cena enogastronômica local, também como marca de uma identidade que a colônia de portugueses, principalmente os da região do Minho, fazia questão de preservar. O maître Carlos estava ali, numa viagem no tempo, quando Carlos Cabral, consultor de vinhos do Grupo Pão de Açúcar, apontou uma das razões do ostracismo do vinho verde, a partir dos anos 70. Cabral, que acaba de lançar Presença do Vinho no Brasil - um pouco de história (Editora de Cultura) e acompanha de perto a trajetória do vinho no País, explicou que o ministro Delfim Netto equiparou os impostos de importação dos vinhos verdes, menos alcoólicos, com os de gradações mais altas e isso encareceu o produto. A taxação coincidiu com a entrada de vinhos alemães de baixa qualidade. E hoje há a grande força de marketing dos Lambruscos. Por isso, a palavra de ordem é resgatar os verdes, agora modernos, com acidez mais equilibrada. A António Cordeiro, enólogo da CVRVV, cabe a missão de divulgar os vários estilos de vinho verde hoje produzidos em Portugal, com destaque para os varietais das cepas Loureiro e Alvarinho.

http://www.vinhoverde.pt/

http://www.casasantaeulalia.com/

DC 16/11/2007

sexta-feira, 9 de novembro de 2007

A democracia dos blogs

O crescimento do número de blogs sobre vinhos é uma novidade que a indústria do setor começa a considerar. Somente nos EUA, são mais de 400. E isso porque tanto marinheiros de primeira viagem quanto degustadores já experimentados têm por eles circulado à procura de informações frescas, sem vícios. A agilidade e a informalidade dos blogs são armas imbatíveis se comparadas aos processos editoriais complicados de grandes revistas e pomposos livros. Um vinho recém-lançado às margens do Douro pode ter sua avaliação conhecida por um consumidor inglês instalado na City londrina, poucos minutos após a degustação. Num clique! Muitos articulistas de revistas e jornais tiveram de montar suas "filiais" na internet. Saul Galvão, experiente e bem-humorado crítico de vinhos, dá suas dicas enogastronômicas em 'O Negócio é passar bem', no Estadao.com.br. O colunista de vinhos do NYT abriu seu The Pour. O maior incentivador dessa prática é o blogueiro Tom Wark, que desde 2004 mantém seu Fermentation na rede. Essa paixão o levou a instituir o American Wine Blog Awards, que põe em cena os melhores blogs escritos em inglês. A palavra de ordem é independência. Tom entrevistou vários blogueiros na seção Bloggerview, onde profissionais e amadores expõem seus pontos de vista, com certa rebeldia. Vale passear pelos blogs vencedores do concurso, a começar pelo Dr. Vino, primeiro na categoria "best writing", pela prosa ao mesmo tempo precisa e provocativa. Essencial ainda o Wine Library TV, melhor videoblog, com impagáveis episódios de degustação.

http://tv.winelibrary.com/

http://www.vinfolio.com/thewinecollector

http://drvino.com/

http://fermentation.typepad.com/fermentation/2007/02/american_wine_b_4.html

quinta-feira, 1 de novembro de 2007

De koalas e baleias

Duas respeitáveis vinícolas do Novo Mundo estampam em alguns de seus rótulos as imagens de animais que ajudam a preservar. O koala no centro de uma placa de trânsito amarela é marca registrada da série de vinhos Bear Crossing da Angove's, tradicional vinícola no Sul da Austrália, fundada pelo médico inglês William Angove no final do século XIX e ainda hoje tocada pela família.
Cada garrafa com o koala vendida em todo mundo – a empresa já exporta para mais de 30 países, inclusive o Brasil –, rende uma porcentagem para a Australia Koala Foundation, entidade que ajuda nas ações para a preservação da espécie. Um dos vinhos com o selo koala é produzido com a cepa Petit Verdot (permitida no blend de Bordeaux), que encontrou clima e solo apropriados nas terras quentes do continente.
Já o Southern Right sul-africano, da propriedade de Anthony Hamilton-Russel, traz no rótulo a imagem da baleia que batizou o vinho, declarada em extinção desde 1986. Trata-se de um vinho da cepa-emblema do país, a Pinotage (resultado do cruzamento da Pinot Noir com Cinsaut ), cultivada nas colinas da cidade de Hermanus. A partir dos vinhedos Southern Right se avista a Walker Bay, baía que na primavera recebe em suas águas quentes famílias e famílias de baleias. As vendas do Southern Right ajudam nas campanhas em defesa da baleia.


http://www.angoves.com.au/

http://www.southernwines.com/vineyard.cfm?preview>523