quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Adega de 3.700 anos

A imagem parece mais uma obra de arte com pegada pop, mas na verdade é um mapa em 3D de uma das mais antigas adegas do mundo, local onde foram encontradas jarras de vinho de 3.700 anos. Estavam enterradas em Tel Kabri, perto da cidade de Nahariya, Norte de Israel. A área é ocupada desde o Neolítico, há 16 mil anos. Mas o material descoberto está nas ruínas de uma cidade dhabitata por cananeus, que ali viveram na Média Idade do Bronze (2000-1550 a.C.). O mapa é o resultado de uma varredura que emprega tecnologia de sensoriamento remoto chamada LIDAR. Foram-se os tempos românticos em que a única ferramenta do arqueólogo era uma pazinha. Os resultados desses “achados de verão” em Tel Kabri foram apresentados por um grupo de pesquisadores da Universidade George Washington e da Universidade de Haifa no encontro das Escolas Americanas de Pesquisa Oriental, na semana passada, em Baltimore, Os arqueólogos desenterraram em Tel Kabri, 40 jarros, com pouco mais de três metros de altura e capacidade para cerca de 50 litros de bebida cada. Acreditam estar diante de uma adega justamente pela concentração das “garrafas” em um mesmo local, no caso, próxima à entrada do pátio central da construção. Geralmente esses jarros são achados de maneira esparsa pelos sítios arqueológicos, muitas vezes na indicada “cozinha”. A primeira vasilha retirada da terra de Tel Kabri estava praticamente intacta, o que é também é muito difícil de acontecer. Depois de encontrarem o primeiro jarro, em julho de 2013, o trabalho de escavação tomou um ritmo frenético para que a descoberta pudesse ser apresentada nos Estados Unidos ainda este ano, contaram os pesquisadores a jornais americanos. O estudo da disposição das garrafas nessa adega poderá mais tarde ajudar a desvendar a própria composição do estoque real. Por ora, a datação já cravou que as peças remontam a 1700 a.C. Andrew Koh, professor da Universidade de Brandeis, já tem em seu laboratório em Waltham alguns cacos desses achados. A análise molecular dos resíduos revelou a existência de ácido tartárico, marcador fundamental e reconhecido da presença do vinho. Mas o estudo também sugere a presença de ingredientes como mel, hortelã, resinas e mesmo canela. Koh diz que os vinhos devem ter sido produzidos de forma sistemática, uma vez que há uma repetição dos ingredientes - e nas mesmas proporções. Koh levanta uma hipótese ainda mais interessante. Os vinhos de Tel Kabri seriam espelhos dos produzidos no Egito na época dos faraós, onde várias receitas já encontradas mostram o vinho como remédio. Há ainda dois "quartos" do palácio da Idade do Bronze para serem escavados em Tel Kabri e mais surpresas são aguardadas pelos arqueólogos para o próximo verão. DC de 29/11/2013

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Moscato de Bergamo

A esta altura do ano, os sommeliers do Palácio de Buckingham e do Castelo de Windsor já estão atarefados conferindo as garrafas de Moscato di Scanzo, tradicionalmente consumidas pela família real britânica nas festas natalinas. Uma relação antiga, registrada em documento da Bolsa de Londres de 1850: o Moscato di Scanzo era, à época, o único vinho italiano listado entre tantos outros célebres franceses de Bordeaux e, principalmente, vinhos do Porto, estes sim, paixões escancaradas (e fortificadas) dos ingleses. Bem antes da nobreza inglesa, os abastados da Renascença italiana já apreciavam o Moscato di Scanzo, preparado na região desde os romanos. Os historiadores do vinho se apegam a um testamento escrito pelo jurista e literato Alberico da Rosciate, de 23 de março de 1350, onde se lê: "Deixo a meu filho Tacino [a propriedade] La Bersalenda, onde é cultivado a moscatel vermelha". O Scanzo é um vinho doce, “vino di meditazione”, e é mesmo uma raridade. São apenas 60 mil garrafas anuais, hoje produzidas por 22 vinicultores, numa área não maior do que 32 hectares. “È poco pìu che un giardino”, dizem os produtores. Os vinhedos da Moscato di Scanzo estão todos concentrados na cidade de Scanzorosciate, em colinas à leste de Bergamo, na Lombardia. Graças à adesão de produtores ao Consorzio di Tutela Moscato di Scanzo, esse vinho tem vencido vários degraus em busca de qualidade. Tornou-se uma área de Denominazione di Origine Controlata (DOC), em março de 2002. E sete anos depois, foi elevada ao status DOCG, quando um “G” de Garantita consagra os vinhos italianos no seu maior patamar. Em nome da qualidade, as regras DOCG limitaram ainda mais a produção. São controlados não só o número máximo de cachos em cada parreira, mas também os níveis de maturação das uvas para a colheita. Os graus finais de álcool e de açúcar residual obedecem igualmente regras rígidas. O Moscato di Scanzo é produzido pelo método dos conhecidos passitos, ou seja, as uvas passam por secagem por pelo menos 3 semanas, processo durante o qual perdem cerca de 30% de seu peso de colheita. Somente depois desse appassimento é qua as uvas são prensadas. Após a fermentação, o vinho fica por pelo menos mais dois anos em contêneires de aço inoxidável ou de vidro. Durante parte desse envelhecimento, a bebida repousa com seus cachos e resíduos para garantir complexidade. As uvas moscatéis pertencem a uma grande família, com mais de 200 variedades, daquelas com casca de um amarelo pálido às completamente tintas, conforme registrou Jancis Robinson em Vines, Grapes & Wines (Mitchhell Beazley/2005). Os moscatos mais conhecidos, da área mediterrânea, são geralmente preparados com uvas brancas. Não é o caso da Moscato di Scanzo, uma variedade local com cascas bem escuras e altamente aromática, só comparável mesmo às que são base do Moscatel Roxo (Portugal) e do Moscato Rosa (Alto Adige, também na Lombardia). Alguns viticultores de Scanzorosciate criaram há pouco mais de dois anos a Associazione Produttori e Amici del Moscato di Scanzo para promover o vinho e a rica cultura gastronômica bergamasca. Seus membros juram que não se trata de um racha no consórcio. No alto, o logo da associação apresenta dois personagens da mais antiga cena de Bergamo: o frade Giovanni da Scanzo, carregando uma taça de moscato, e o jurista Alberico da Rosciate, ilustre personagem da Lombardia do século XIV. Esses mesmos cidadãos históricos estão no camafeu do Consorzio di Tutela Moscato di Scanzo. Diário do Comércio/8/11/2013