segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

Oui, uma garrafa do Napa

O brinde de 2008 será com Chardonnay californiano. Pelo menos para os produtores de Bottle Shock, que estréia em agosto. Randall Miller diz que filmou com "a maior fidelidade possível" a história da pequena vinícola do Vale do Napa que, com seu Chardonnay 1974, bateu aclamados vinhos franceses numa degustação às cegas. Os resultados do chamado "Julgamento de Paris", em 1976, e o registro jornalístico do aturdimento de connaiseurs diante das "surpresas do gosto" serviram, é claro, para que americanos tirassem uma casquinha de esnobes. Mas foi principalmente marco para a indústria vitivinícola dos EUA. (Julgamento de Paris, Campus/2006, é também título do livro de George Taber, único "infiltrado" no evento). Um novo Sideways? Pela polêmica que o filme pode gerar, sim. Em Sideways (Paul Giamatti, 2004), o vinho embala peripécias de quarentões em crise, que fazem do Pinot Noir sua âncora. Ao desbancarem o Merlot, atingiram uma indústria para lá de sensível. Em Bottle Shock, os vinhos são os protagonistas. Depois da pré-estréia, em janeiro, no Sundance – maior festival de cinema independente dos EUA, em Utah –, críticos elogiaram a atuação do inglês Alan Rickman, como Steven Spurrier, negociante de vinhos que planeja a degustação incluindo "emoções da Califórnia". Bill Pullman e Chris Pine representam os vinicultores Jim Barret e seu filho Bo, do Chateau Montelena, na lida conturbada de suas vinhas. Um pecado, segundo quem assistiu à pré-estréia, foi o set se restringir à Califórnia. Uma virtude, a trilha sonora com música dos anos 70.

http://www.imdb.com/title/tt0914797/

http://www.montelena.com/our_winery/paris.html

DC 8/2/2008

Safra dos tribunais

Uma bomba caiu na virada do ano sobre o Le Parisien, um dos mais influentes jornais da França. Criado em 1944 como Le Parisien Libéré, o diário que a duras penas "lutou" na Resistência durante a ocupação nazista no final da II Guerra vê hoje sua liberdade mais uma vez ameaçada. Reportagem sobre champanhes (Le Triomphe du Champagne), publicada em dezembro de 2005, foi considerada pela corte peça publicitária de incitação ao consumo de álcool. Os juízes apegaram-se aos títulos dos artigos: "Eles são bons e baratos" ou "O champagne, estrela inconteste das festas". A multa de 5 mil euros foi aplicada porque, naturalmente, o jornal não publicou ao pé do texto a advertência até então obrigatória só para publicidade de bebidas: "L'abus d'alcool est dangereux pour la santé" (O abuso do álcool é prejudicial à saúde). A ação é uma vitória da organização anti-álcool ANPAA (Association Nationale de Prevention em Alcoologie e Addictologie), que recebe polpuda verba oficial. Denis Saverot, editor da revista La Revue du Vin, acusa o governo de desdenhar a cultura do país, onde o vinho tem papel fundamental. À Decanter online, Saverot pergunta aonde vai parar a França, terra da "joie de vivre", após decisões tão draconianas. Em outra ação, também patrocinada pela ANPAA, a casa Moët & Chandon foi condenada a pagar 30 mil euros por uma campanha publicitária de 2006. Nas peças, uma garrafa de champanhe rosé aparece cercada de pétalas de rosas, com o slogan: "La nuit est rose". Na França é proibido associar a idéia de consumo de álcool a uma visão eufórica da vida. A Federação Internacional dos Jornalistas e Escritores do Vinho criou uma petição online contra a grande confusão estabelecida pela corte e pela ANPAA entre jornalismo e propaganda.

http://www.decanter.com/news/173401.html

http://www.fijev.com/

DC 14/2/2008

Uma uva impronunciável

O inglês Peter F. May advoga a tese de que o vinho tem de ser divertido. E é com esse espírito que vem colecionando rótulos ímpares de vinícolas de todo mundo. Em 1998, sua coleção foi parar na web, num site aberto a colaborações. Até que no ano passado May selecionou 100 dos mais inusitados e os reuniu num luxuoso pocket book (Marilyn Merlot and the Naked Grape/Quirk Books). Há impressões degustativas de cada um dos vinhos, mas nada disso desperta mais interesse do que o humor de alguns rótulos. The Unpronounceable Grape (A Uva Impronunciável) está na garrafa de um vinho húngaro elaborado com a variedade Cserszegi Füszeres ! Fat Bastard, compondo com o desenho de um rinoceronte, é o Chardonnay francês mais vendido nos Estados Unidos. Já o Rude Girl, vinho sul-africano da uva Shiraz, etiquetado com inovação na Inglaterra, é uma grande brincadeira. A moça do rótulo aparece vestida com uma provocante minissaia, de costas, olhando de uma sacada. Graças a uma tinta especial sensível ao calor, assim que a temperatura da garrafa sobe, sua roupa... desaparece. Na garrafa do Nero di Predappio, a atração é a estampa de um jovem Benito Mussolini. Há gosto para tudo!

www.winelabels.org

http://www.winesofhungary.com/variet.htm

DC 28/12/2007

Variáveis Busby e Chernobyl

Além de ter publicado em 1825 um tratado referencial sobre a cultura do vinho (A Treatise on the Culture of the Vine and the Art of Making Wine), Busby peregrinou pela Espanha e França atrás de cepas que pudessem florescer na Austrália. O escritor britânico Gerald Asher lembra, no seu ensaio Australia: Sunny-Side Up, que uma das relíquias de Busby em terra australiana é a Crouchen, cepa plantada comercialmente no país, mas já desaparecida na França.
Outra jóia é o vinhedo de Chardonnay, na região de Mudgee, descendente direto das mudas colhidas em Clos Vougeot por Busby, mais de 150 anos atrás. Isso sem contar que a ele é atribuída a introdução da uva Shiraz. O florescimento foi interrompido pela corrida do ouro, na virada do século, até o fim da II Guerra. Mais tarde, novos imigrantes – italianos, gregos, iugoslavos – criaram grande demanda por uma boa mesa, com vinhos.Um forte impulso na produção ocorreu quando a Austrália passou a abastecer, no final dos anos 80, mercados temerosos com uma possível contaminação do ambiente europeu após o desastre na usina de Chernobyl.


http://www.wineaustralia.com/australia/

http://pt.wikipedia.org/wiki/Acidente_nuclear_de_Chernobil

DC

Parreirais de Itamaracá

Ao observar cachos de uva pendendo no escudo do príncipe Maurício de Nassau (1637-1644), o enófilo Carlos Cabral foi levado à história de parreirais plantados na Ilha de Itamaracá, no período da invasão holandesa em Pernambuco. A heráldica está numa pintura de Frans Post. "As belas e suculentas" uvas podiam ser consumidas in natura, mas eram também processadas para abastecer as cerimônias religiosas da grande colônia de judeus de Recife e Olinda, principalmente o Shabat. A informação, então inédita, é um dos achados do livro Presença do Vinho no Brasil – um pouco de história (Editora de Cultura/2007). O Cabral escritor também faz uma viagem nas caravelas que aqui aportaram com Pedro Álvares Cabral, e remonta o inventário da carga de vinhos e alimentos. Os alentejanos de Pêra Manca, produzidos na região de Évora, foram embarcados e bebidos durante os 42 dias de Atlântico. Por aqui, sabe-se que os índios não gostaram. "Isso porque tinham seu próprio fermentado, o cauim", explica Cabral, que há 23 anos convive com o vinho – hoje é consultor do Grupo Pão de Açúcar. Ele fez pesquisa de campo, consultou documentos originais e organizou informações históricas já conhecidas, construindo um quadro evolutivo da indústria de vinhos no Brasil. Com os navios, na época da colonização, vieram também mudas para que o vinho "para a missa" fosse garantido. O fidalgo Brás Cubas, que integrava a expedição de Martin Afonso de Souza, não só fundou a cidade de Santos, como plantou o primeiro vinhedo com a vitis vinifera. "O clima do litoral não favoreceu a viticultura, mas o insucesso não parece ter abalado o pioneiro, que subiu a serra e no planalto de Piratininga cultivou o primeiro vinhedo produtivo do país "pelos lados do Tatuapé", escreve Carlos Cabral.

http://educaterra.terra.com.br/voltaire/mundo/2004/08/03/000.htm

DC 28/12/2008

Questão 'hamletiana'

George M. Taber, autor do clássico Julgamento de Paris, acaba de lançar To cork or not to cork (Scribner/2007). O novo livro avança ao front na guerra travada entre defensores e detratores da rolha de cortiça no tamponamento dos vinhos. A questão "hamletiana" do título do livro é respondida pelos principais protagonistas: de vitivinicultores arruinados, que passaram a receber suas garrafas de volta, com vinhos contaminados pelas rolhas, a consumidores exigentes que ainda vibram com a capacidade "mágica" da cortiça em preservar conteúdos de várias décadas. Taber coloca de um lado Américo Amorim, chairman do Grupo Amorim, um conglomerado português que fabrica e distribui três bilhões de rolhas por ano, cerca de um quarto de todas as rolhas manufaturadas no mundo, o que gera um faturamento de 1,5 bilhões de euros. Perfilado do outro lado da arena, Jerome Zech, um ex-executivo da IBM, que, instalado na criativa e tecnológica Seattle, ajudou a construir a SupremeCork. No início dos anos 90, a empresa começou a produzir em escala rolhas de material sintético, anti-TCA, e passou a vencer resistências e a abocanhar vários mercados, abrindo espaço para outras empresas do ramo. A SupremeCork gaba-se de ter quebrado o monopólio representado por Amorim e de colocar a ciência a favor do vinho. Amorim, de seu lado, passou a profissionalizar a corticeira, atendendo a um clamor que vem de longe. Taber destaca certo desleixo atávico dos fabricantes de cortiça portugueses, problema que teria crescido após a Revolução dos Cravos e que degradou muitos vinhos franceses a partir da década de 80.

http://www.supremecorq.com/

http://www.amorim.pt/cor_home.php

DC 14/12/2007

Alforria para os vinhos

O jovem texano ajeita o chapéu e com um rifle em punho assalta uma casa de tacos de Austin. A cena é de ficção, mas não a agressividade de atacadistas do Texas que, lambendo os beiços, chegaram a patrocinar um projeto de lei que igualaria com pena idêntica o crime do cowboy ao de quem ousasse remeter ao estado uma só garrafa de vinho. Era 1999, e o então governador do Texas, George W. Bush, vetou a idéia. Intrincadas disputas movimentam diariamente os bastidores da indústria do vinho dos Estados Unidos. De um lado se alinham mais de 5 mil vinícolas, a maioria de desenho familiar, que produzem mais de 10 mil novos rótulos a cada safra, mas encontram dificuldade em escoá-los. Quinze dos 50 estados americanos ainda hoje proíbem que vinícolas de outras regiões remetam seus vinhos diretamente ao consumidor de seu território: Alabama, Arkansas, Delaware, Kentucky, Maine, Maryland, Massachusetts, Mississippi, Montana, New Jersey, Oklahoma, Pennsylvania, South Dakota, Tennessee, Utah. Os defensores do livre comércio entre vinícolas, consumidores e varejistas (com destaque para as seduções on-line) têm até um mascote: um mal encarado bago de uva, devidamente agrilhoado, que alerta vitivinicultores e apaixonados pelo vinho com o lema Free the Grapes! . Na outra trincheira, movimenta-se a todo-poderosa associação de atacadistas (Wine & Spirit Wholesalers of America), agarrada à colcha de retalhos de leis que lhe garantem o monopólio em alguns estados. Os dez maiores intermediários do vinho controlam cerca de 58% do mercado americano.



http://www.freethegrapes.org/

http://www.wineinstitute.org/initiatives/stateshippinglaws/

DC 22/2/2008