quarta-feira, 27 de maio de 2009

Remédios da Era de Escorpião

Vinho para a saúde. Vinho contra a doença. Hipócrates (460-370 a. C.), o grego pai da Medicina, sempre recomendou a bebida para doentes e saudáveis, em doses de bom senso. Os romanos descreveram e documentaram muitas de suas receitas com vinho. O árabe Avicena, no século X, também considerou o vinho bom para remédio e o celebrou na sua medicina: "o vinho é o amigo do moderado e o inimigo do beberrão." Bem antes dele, entretanto, os egípcios já aviavam suas receitas com ervas em finas misturas com a bebida. Um papiro datado de 1850 a.C. deu algumas pistas da farmacopéia natural dos faraós. Agora, graças à arqueologia molecular e seus modernos recursos de análise química, a composição dos remédios usados durante milênios no Antigo Egito começam a ser meticulosamente desvendados. Um time de pesquisadores liderados pelo arqueólogo Patrick McGovern, da Universidade da Pennsylvania, conseguiu a primeira evidência química direta desses vinhos aditivados com ervas e plantas. Testes em resíduos de peças arqueológicas deram positivo para vinhos e aditivos orgânicos. Estavam presentes, por exemplo, no anel amarelado da jarra encontrada em Abydos, Alto Egito, na tumba de Escorpião I (3.150 a.C.), um dos primeiros faraós, e também na ânfora escavada em Gebel Adda, no sul do país, com datação entre os séculos IV e VI d.C.. Comprovam, assim, um arco milenar dessa prática. Uma das ervas na jarra de Abydos é o coentro, conhecido no combate a males do estômago. Estudos futuros devem confirmar a presença de sálvia, hortelã, segurelha e tomilho. Na ânfora de Gebel Adda, evidências arqueobotânicas e moleculares mostram que alecrim foi misturado ao vinho resinado. Justamente a erva que contém grande número de componentes químicos antioxidantes – panaceia que vem dos faraós ? Cientistas liderados por McGovern comemoram. Acabam de publicar um artigo na primeira edição online do PNAS (Proceedings of the National Academy of Sciences), com todos os detalhes dos experimentos e da tecnologia de ponta utilizada. Acreditam que estudos cada vez mais rigorosos vão desvendar milênios de uma eficiente medicina natural. "Talvez o que eles conheciam possa ser 'reescavado' e aplicado na saúde e na medicina do século XXI".

http://www.pnas.org/content/early/2009/04/13/0811578106.abstract

http://www.museum.upenn.edu/

Diário do Comércio de 22 de maio de 2009

segunda-feira, 18 de maio de 2009

Os jardins de Hugh Johnson

A Royal Horticultural Society (RHS), instituição fundada em Londres em 1804, acaba de lançar In the Garden, livro editado por Mitchell Beazley. O que uma publicação que trata de jardins estaria fazendo numa coluna de vinhos? É que o autor de In the Garden é ninguém menos que Hugh Johnson, um dos mais respeitados críticos de vinho da atualidade, com duas obras referenciais: A História do Vinho e o indispensável The World Atlas of Wine, editado no Brasil pela Nova Fronteira. Além de vinhedos e châteaux, Hugh Johnson conhece jardins em todo mundo e cultiva o seu em uma belíssima propriedade na Inglaterra. O novo livro reúne textos escritos como um diário para a RHS, publicados de 1993 a 2008. Entretanto, muito longe de um livro de auto-ajuda a jardineiros e paisagistas, interessados nos nexos entre plantas e estações, In the Garden completa o perfil de requinte de seu autor. É ali que ficamos sabendo como o enófilo apura seus sentidos. Educação que passa pela "Hidrophonia", disciplina que envolve os muitos sons das águas ao cair em cascatas e fontes. Johnson estuda a harmonia desses pingos, sinfonias entre os verdes. Os ventos também cantam ao passar por entre as plantas. O bom jardineiro deve ter isso em conta: é preciso estudar a posição de bambuzais e das grandes árvores para que toda a escala de sons funcione bem. Ele está interessado também na luz, focos que podem potencializar cores e detalhar recortes e filigranas de flores e folhas. Como enófilo, é claro, faz uma declaração de amor à vide: "não há nada como colher de uma videira como treinamento para pensarmos como uma planta".

http://www.rhs.org.uk/
www.trasdiary.com

Diário do Comércio de 15/05/2009

sexta-feira, 8 de maio de 2009

O que diz o Monte Testaccio

O Testaccio, erguido em um dos distritos (rioni) de Roma, nas imediações do rio Tibre, é um monte todo feito de pedaços de ânforas – 40 milhões delas, segundo cálculos dos arqueólogos. A chamada "colina envergonhada" foi usada durante séculos como área de descarte pelos antigos romanos, em época áurea. Escravos e mulas tiveram de penar transportando cacos da cerâmica destinada ao lixo. A grande maioria das ânforas que formam o Testaccio era utilizada no efervescente comércio de azeite. Mas há as usadas para o vinho, outro produto importante da dieta romana. O Testaccio é registro imponente da sede de consumo de uma cidade poderosa, onde há cerca de dois mil anos contava-se um milhão de habitantes. Para abastecer a "metrópole" superpovoada era necessário importar grãos, azeite, vinho. Considerando-se que essas ânforas tinham capacidade para 50 litros (11 galões imperiais), e provavelmente foram usadas mais de uma vez, falar em 40 milhões de unidades é tratar de superlativo fluxo de mercadorias entre as várias possessões do Império. Muitos dos fragmentos já retirados nas escavações no Testaccio têm inscrição de origem muito precisa: a Baetica, região da então romana Hispania, hoje a espanhola Andaluzia, terra de 200 milhões de oliveiras e bons azeites. Os ricos romanos também gostavam de vinhos de outras praças, da Campânia, por exemplo, onde a videira em terra vulcânica é cultivada desde o século XIII a.C.. As primeiras escavações no Testaccio foram feitas em 1872. Por meio delas, os estudiosos descobriram também que o monte foi usado, na Idade Média, como local para adegas. É que o "frescor" presente em nichos com paredes de cerâmica era ideal para a preservação dos vinhos. Hoje o Testaccio ferve é com bares da moda, onde vinhos e azeites vivos estão no cardápio.

http://www.testaccio.roma.it/

http://ceipac.gh.ub.es/MOSTRA/e_expo.htm

DC de 8/Maio/2009