sexta-feira, 15 de junho de 2012

De Lattara para toda a França

Traços de vinhedos da Idade da Pedra foram escavados por arqueólogos franceses em Port Ariene, colados a uma das muralhas da portuária Lattara dos romanos. O sítio está localizado em território da atual Lattes, 5 km ao sul de Montpellier, província de Hérault, na tradicional região vitivinícola de Languedoc-Roussillon, sul da França. Os especialistas acreditam que o desenvolvimento da vinicultura local se deu principalmente a partir do século III a. C., o que não significa que o cultivo das uvas não fosse conhecido séculos antes – a presença de sementes não mente. A profusão de ânforas de vinho encontradas em antigas casas e armazéns em Lattes, por sua vez, tem confirmado a grande influência da Massalia grega (atual Marselha) no comércio mediterrâneo não só de vinhos, mas de outras commodities agrícolas. Não há dúvidas sobre o gosto dos latterenses pelo vinho de Marselha, servido em peças (crateras, taças) importadas de Atenas, mais tarde vindas de Roma. Esses serviços em terracota estão hoje à mostra no Museu Arqueológico Henri Prades, em Lattes, batizado em homenagem ao pesquisador pioneiro. O projeto agora é pesquisar como se deu "a transferência da cultura de vinho" dessa área para o resto da França, explica o arqueólogo molecular americano Patrick McGovern, da Universidade da Pennsylvania. Ele vai apoiar as pesquisas de rastreamento que começam a ser feitas por Benjamin Luley e Michael Dietler, da Universidade de Chigaco. Eles estão debruçados nos vestígios enológicos encontrados nessa região lagunar, cruzamento de culturas desde 600 a. C. – de fenícios e etruscos a gregos e romanos. O Languedoc-Roussilon é uma das maiores regiões vinícolas do mundo (283 mil hectares), com mais de 20 mil pequenos agricultores em ação, a maioria fornecendo suas uvas para cooperativas (caso de Hérault). Durante anos, a região produziu um tinto pálido, vin ordinaire, explica o crítico inglês Hugh Johnson, atualmente animado com produtores de primeira geração, que retomaram posições nas colinas onde os romanos plantaram alguns dos primeiros vinhedos de toda Gália. Hoje a mais importante appelation é a Languedoc, que desde 2006 substitui a denominação Coteaux du Languedoc. DC de 15/06/2012

quinta-feira, 7 de junho de 2012

La Mozza de Batali

Rabo de cavalo, bermudão, crocs laranja nos pés, o chef Mario Batali monta na sua vespa para cumprir uma agenda movimentada em Nova York, muitas vezes longe da cozinha. De avião, percorre todo o globo, seja como estrela de eventos gastronômicos ou para conferir o forno da pizzaria em Los Angeles, verificar a cozinha da nova casa em Singapura ou o manejo dos belos vinhedos de Maremma, onde fica La Mozza, sua vinícola italiana. Esse americano de Seattle, com passagem rápida pela Cordon Bleu, não vê incompatibilidade alguma em ser um grande cozinheiro (é um “tomatólogo” de respeito capaz também de criar odes ao Prosecco e à Itália dos ancestrais) e um bem-sucedido homem de negócios, em dobradinha com Joe Bastianich. O premiado Babbo Ristorante e Enoteca, em Greenwich Village, e o Del Posto são os carros-chefes de uma lista de 15 restaurantes por eles operados em todo os EUA. Batali ainda arranja tempo para escrever bons livros de culinária (Molto Italiano: 327 Simple Italian Recipes/Ecco/2005) é um deles, sobre comida italiana caseira). Espírito de celebridade, gosta muito dos flashes e de uma TV. Tem gente que não perde um só programa Iron Chef America (Food Network), que tem Batali como um dos astros. Assim, não se sabe qual dos títulos o deixou mais contente: o de homem do ano da revista GQ ou de “outstanding chef” 2005 do James Beard Awards, respeitável instituição de assuntos gastronômicos do seu país. Sintonizado às novas tecnologias, REM e U2 direto no seu ipod, Batali ajudou a criar e a desenvolver o aplicativo para iPhone, iPad, iPod touch e Android com a chamada Mario Batali Cooks! E faz bons vinhos!, acrescentaria. A vinícola La Mozza foi criada em 2000, empreendimento com Joe e Lidia Bastianich. São 36 hectares no cantinho sudoeste de Maremma, 45 minutos de carro de Montalcino, na Toscana. Batali explica o terroir que exploram com afinco. Maremma é uma área mais seca do que as colinas no centro da região. Ali as chuvas são esparsas já que a Ilha de Elba (a de Napoleão) funciona como anteparo. Em Maremma, a vinicultura é pois levada com uvas de clima quente. Nas garrafas de I Perezzi, o blend é feito com a local Morellino di Scansano (o nome local da Sangiovese em Maremma), Syrah, Alicante e uma pitada de Colorino e Ciliegiolo. Já no vinho Aragone, a Sangiovese também é misturada à Syrah e Alicante, mas entra na composição a Carignan para a criação do que Batali chama de "supermeds" (em contraste com os famosos supertoscanos). DC de 8/6/2012

sexta-feira, 1 de junho de 2012

Torta Dobos e vinícolas de charme

Conhecer a vitivinicultura italiana é como enfrentar uma Torta Dobos, aquela obscena, clássica e deliciosa especialidade vienense criada por um padeiro húngaro e que virou emblema depois de passar pela mesa dos Habsburgos. Você tem de, inevitavelmente, começar apreciando camada por camada, aceitando o fato de que a única saída é, paradoxalmente, mergulhar dentro dela. A imagem é do escritor americano Matt Kramer (Wine Spectator), em Making Sense of Italian Wine (Running Press Book Publishers/2006) e cai como uma luva sobre o recém-lançado Vinícolas de Charme – Itália (Inbook/2012), editado por Claudio Schleder , com textos de Patrícia Jota e Breno Raigorodsky, que também empresta consultoria técnica ao projeto. Para esse recorte de charme, que incluiu 50 vinícolas – do Piemonte à Sicília, taças em profusão na Toscana de Marchesi Antinori – foram consideradas a qualidade e especialidade dos vinhos nelas produzidos, mas, mais do que isso, como explicam seus autores, entraram em conta a beleza e o capricho dos vinhedos, a tradição no manejo dos parreirais, a história das localidades visitadas, o acolhimento de quem faz vinhos com alma. Mas é preciso lembrar que há um critério jornalístico, de serviço, já que vinhos das casas descritas podem ser encontrados nos catálogos das nossas principais importadoras. A seleção proposta é um bom início para entender uma Itália com perto de um milhão de produtores (de todos os calibres), 350 cepas "autorizadas", 329 vinhos DOC e 73 DOGC (Denominazione di Origine Controllata e Garantita), distribuídos num mapa de desenho intrincado que pode levar o viajante desavisado quase à loucura. Não é preciso dizer que muitas vezes a tradição (ou a quebra inteligente desta) leva ao charme, o que significa a inevitável inclusão neste livro de vinhos de um ícone como Angelo Gaja, que revolucionou o estilo dos tintos do Piemonte, e garrafas de Vietti e Pio Cesare, para ficar na terra dos Barolo. Entre as vinícolas de charme da Toscana, está Castello di Ama, na zona do Chianti Clássico, onde as barricas de vinho dividem modernamente espaço e paixão com arte contemporânea. Da Sicília, Donnafugata, seus orgulhosos vinhedos de uvas autóctones e uma ligação de nomes e rótulos que evocam a ilha de Lampedusa e O Leopardo(a entrada Donnafuggata poderia ter explorado este aspecto de charme). Com o mesmo espírito, a InBook já editou Vinícolas de Charme - Argentina, Brasil, Chile e Uruguai, sobre os vinhos top do Cone Sul, e Champagne & vinhos borbulhantes. P.S.: Vale sempre o crédito: Claudio Schleder, editor experiente e requintado, trouxe o pop e o vanguardismo de Andy Warhol e sua NY para a versão brasileira da revista Interview, criada com Richard Raillet, ao som de Rolling Stones, em dezembro de 1977. DC de 1/6/2012