quarta-feira, 4 de julho de 2012

O memorável claret de Keats

Clareteamos e champanhamos até as duas. Assim ousou o poeta Byron ao descrever uma noitada em Londres, dando poder de verbo ao claret e ao champagne que, com o Porto, formavam uma espécie de tríade de vinhos apreciados pelos ingleses. É certo que alguns desses românticos do início do século XIX não foram grandes gourmands – Lord Byron vivia de biscoitos, Wordsworth dizia se alimentar com paisagens e contemplações, "talvez eu coma para me persuadir que sou alguém", escreveu Keats – , mas quando se tratava de vinhos... Sabiam, entretanto, como o paladar (a relação deste sentido com a vida das pessoas) podia servir de lição para julgamentos estéticos de outras naturezas, analisou Denise Gigante, da Universidade de Stanford, em Taste – a Literary History . Keats caiu de amores pelo claret e, sempre que podia, tinha o "sensual", "refrescante", "que não briga com seu fígado", o "pacificador" claret em sua taça. Numa das cartas que escreveu para seu irmão George, o poeta compara: alguns vinhos pesados transformam o homem em Silenus, o claret o faz um Hermes. O pintor Benjamin Haydon deixou registrado em seu diário um "pecado" do jovem poeta. Keats cobriu sua língua com pimenta-caiena para alcançar "o frescor do claret em toda a sua glória". Longe de ser um mero anglicanismo, como diz o crítico inglês Hugh Johnson, o uso da palavra claret é uma instituição inglesa que perdura. Vinho tinto de Bordeaux, com predonimância da uva Merlot, o claret nunca tem mais de 12,5% de álcool, é seco, levemente tânico, muito refrescante. Como claret, esse vinho aparece nos mais antigos registros da Berry Brod & Rudd, que há mais de 3 séculos está em operação na Saint James's Street, 3. Mas pode ser hoje encontrado em marcas próprias de supermercados, com o subtítulo Red Bordeaux, escreve Johnson. Trata-se do mesmo claret que foi servido em 28 de dezembro de 1817 no jantar promovido por Haydon para receber Wordsworth, Keats, o ensaísta Charles Lamb (ele é autor do célebre ensaio "Dissertation on Roast Pig") e o explorador Joseph Ritchie. O que se comeu, bebeu e discutiu nesse encontro foi registrado nos diários de Haydon e serviu de base para um romance-histórico apaixonado de Penelope Hughes-Hallet, The Immortal Dinner - A Famous Evening of Genius and Laughter in Literary London, 1817 . Na mesa das discussões – a derrota de Napoleão, a nova poesia, as pinturas de Haydon, o mecenato, os frisos do Partenon, Shakespeare –, um microcosmo da vida intelectual londrina pouco mais de dois anos após Waterloo. DC de 21/6/2012

Celebrada carga do Westmorland

O Museu Asmolean, em Oxford, organizou na última quarta-feira (27/6) uma degustação de queijo parmesão com vinhos italianos – apenas um dos eventos paralelos da exposição The English Prize: the Capture of the Westmorland . O que tem uma coisa a ver com a outra? É que a exposição traz à cena toda a carga que o navio mercante inglês Westmorland carregava quando, em janeiro de 1779, foi capturado por dois navios de guerra franceses, na rota Livorno-Londres.O Westmorland foi conduzido ao porto de Málaga e lá foram revelados tonéis de anchovas, azeitonas, alcaparras, mais biscoitos, tecidos, vinhos (entre eles, Madeira) e 37 magníficas "rodas" de Parmigiano-Reggiano. Além desses alimentos, o navio levava 50 engradados com pinturas, gravuras, aquarelas, esculturas, mapas e uma verdadeira biblioteca, toda bagagem "de recordação" pertencente a jovens ricos e da nobreza inglesa acumulada durante um "Grand Tour" de estudos pela França e Itália.Um desses jovens tinha despachado uma coleção de gravuras do mestre Piranesi. A exposição, na verdade, ilustra essa prática de formação. A carga tinha sumido de vista, mas havia uma pista: o maior lote fora vendido, em 1784, para o rei Carlos III da Espanha e este o integrou à coleção real, tudo devidamente registrado. No final dos anos 1990, pesquisadores acabaram o rastreamento da carga – o famoso quadro "A Libertação de Andrômeda por Perseu", de Anton Mengs, por exemplo, estava em São Petersburgo. Já os perecíveis queijos, destes que são produzidos com capricho no vale do Po desde a Idade Média, certamente duraram menos que as obras de arte. E podem muito ter sido apreciados com bons vinhos. Se a captura do Westmorland tivesse sido hoje, os produtores do Parmigiano-Reggiano indicariam desde clássicos Barolo e Brunello de Montalcino a vinhos locais como o DOC Colli de Parma, um honesto Lambrusco ou até vinhos da uva Monica di Sardegna. DC 29/06/2012