terça-feira, 22 de julho de 2014

'Chiarlando' de Barbera

Michele Chiarlo é um dos mais vibrantes produtores do Piemonte, tradicional região vinícola no norte da Itália. Com a ajuda dos filhos Alberto e Stefano, Michele não somente tem produzido premiados vinhos Barbera e Barolo, mas destaca-se pelo empenho em desenvolver e promover sua região de origem. Stefano é o enólogo. Alberto cuida do mercado externo: montou uma eficiente estrutura comercial que faz com que seus vinhos cheguem também ao Brasil. Há pouco mais de 10 anos, com a criação do La Court, um parque com arte entre vinhedos de Barbera, os Chiarlo contribuíram muito com o desenvolvimento do enoturismo. A ação foi ampliada com o resgate e a restauração de uma vila no coração de Barolo. O Palas Cerequio já se tornou indispensável para uma hospedagem de charme na região. Dois dos vinhos mais pontuados de Michele Chiarlo são justamente seu Barolo de Cerequio e o Barbera d'Asti Superiore Nizza La Court. Mas eles também fazem experiências. A partir de 1 hectare da uva Albarrosa (um cruzamento da Barbera com a Chatus, segundo recentes pesquisas de DNA) conseguiram lançar o primeiro varietal da cepa, em 2000. Os vinhos da uva Barbera, em vários estilos, são vinhos rústicos, versáteis, friendly food , e tradicionalmente acompanham refeições dos piemonteses. Há quem os comparem ao Beaujolais. São frutados, com boa acidez e taninos de leves a moderados, com alguma adstringência. "Quando estou diante de uma lista de vinhos só italianos, com amedrontadores de tão caros Barolo e Brunello e nomes desconhecidos do interior da Itália, Dolcetto e Barbera são confiáveis amigos que não criam constrangimento quando a conta chega", diz Mark Oldman. O Barbera até poucos anos atrás era o patinho feio do Piemonte, diante dos esplendorosos e aristocráticos outros dois "bês", Barolo e Barbaresco, estes da uva Nebbiolo. Chiarlo foi um dos responsáveis pela ascensão do Barbera, seguindo regras básicas na busca de qualidade: uvas melhores, vinhedos menores e, para garantir mais estrutura, algum tempo em barrica francesa. Foi esse o vinho que ele apresentou aos japoneses numa época em que o mercado só tinha olhos para Barolo e Barbaresco. Angelo Gaia, o rei da Nebbiolo, já em 1969 usou barrica para seu Barbera, receita chancelada depois pelo enólogo e consultor francês Émile Peynaud. Graças a esses esforços, grandes garrafas saem das vinícolas de Michele Chiarlo, Ceretto, Pio Cesare, Coppo, Bruno Giacosa, Prunotto e Vietti. Quem se aventurar pessoalmente pela região vai encontrar também bons vinhos de pequenos produtores, como os de Nino Bronda, em Nizza Monferrato, na vizinhança do amigo e contemporâneo Chiarlo. A uva Barbera é a mais plantada no Piemonte e está em terceiro lugar entre as mais cultivadas da Itália, depois da Sangiovesi e da Montepulciano. GREGA NOS EUA - O site Elloinos, sobre a viticultura grega, de Markus Stolz, informa que a vinícola americana Tryphon, com vinhedos a 975 metros de altura, na Floresta Nacional de Tahoe, Califórnia, plantou 64 mudas da uva Assyrtiko, a cepa dos brancos da grega Santorini, correndo todos os riscos e desafios em terreno completamente diferente do encontrado na ilha grega. As mudas são do berçário da Universidade da Califórnia, Davis. Markus Stolz entrevistou o casal Larry e Dayle Rodenborn, da Tryphon para o Elloinos. www.elloinos.com/ NO PÃO DE AÇÚCAR - O Grupo Pão de Açúcar acaba de lançar o projeto Vinhos Brasileiros Premiados, em parceria com Instituto Brasileiro do Vinho (Ibravin), que possibilitará a pequenas vinícolas comercializar seus rótulos em suas gôndolas. Participam da primeira etapa do projeto as seguintes vinícolas gaúchas: Pizzato, Don Guerino, Perini e Lídio Carraro, totalizando aproximadamente 25 rótulos, entre vinhos tintos, brancos, rosés e espumantes. www.ibravin.org.br/noticias/162-vinhos-premiados-ao-alcance-do-consumidor Diário do Comércio de 18/7/2014

segunda-feira, 14 de julho de 2014

Desafio Bobal

O blogueiro Rob Tebeau, do Fringe Wine, que garimpa vinhos de uvas pouco conhecidas (ou de cepas conhecidas plantadas em regiões não usuais, ou ainda vinificados fora do padrão), lançou certa vez um desafio a seus leitores. A questão era aparentemente simples: quais as três uvas mais plantadas na Espanha? Considerando-se o perfil do blog, entretanto, sabíamos de antemão que haveria surpresas. Mesmo para quem não acompanha de perto a evolução desse mundo de hectares e vinhedos, o voto na Tempranillo teria fácil justificativa. É talvez uma das castas mais visíveis e presentes entre os vinhos globalizados espanhóis à venda no Brasil. Mas a Espanha não é feita só de Tempranillo, costumam alertar, com razão, os vinicultores espanhóis diante das 600 variedades cultivadas no país. A Tempranillo está na segunda posição em área plantada na Espanha, com cerca de 214 mil hectares. Os vinhedos da uva branca Airén, entretanto, são os mais extensos, alcançando 300 mil hectares – e não são somente os maiores da Espanha, mas do mundo inteiro. Em terceiro no ranking estaria a variedade Garnacha ou a Monastrell, também mais propagadas pelo mercado? Não, o terceiro maior vinhedo espanhol – e aí a surpresa reservada por Tebeau – é formado pela esquecida uva Bobal, com 40 mil hectares plantados somente na região de Utiel-Requeña, província de Valência. Presente há mais de 2 mil anos na tradição vinícola local,somente nos últimos cinco anos a Bobalpassou a constar na lista e nas taças dos “winegeeks”, tão aficionados pelas novidades dos vinhos como os conhecidos geeks são vidrados nos gadgets. No Brasil, por exemplo, dois rótulos da variedade andam circulando pelas prateleiras virtuais: Dominio de La Vega Bobal 2010 (importado pela Viníssimo, com promoções no site Sonoma) e Pasión de Bobal 2009, das Bodegas Sierra Norte (à venda no site da Via Vini). A província autônoma de Valência, no Sudeste da Espanha, produz grande variedade de vinhos em três de suas D.O. (Denominación de Origen): D.O. Valência, D.O. Alicante e D.O. Utiel-Requeña. É em Utiel-Requeña que “produtores mais diligentes celebram suas raízes através de vinhos feitos com sua uva nativa Bobal”, escreve John Perry no site Catavino. Sete vinícolas da região, por exemplo, estão agrupadas na Associação Primum Boval, para promover a ideia de um vinho varietal de qualidade. O primeiro rótulo do Primum foi lançado em 2012. A região Utiel-Requeña tem 115 vinícolas já engarrafando vinhos 100% Bobal. Graças à boa acidez, a Bobal é usada também em vinhos rosados e espumantes. Cerca de 7.100 famílias tocam suas vinícolas na região, o que mostra o papel do vinho na economia valenciana. Antes da aposta na qualidade, o vinho da Bobal era tão somente vendido para compor com outros tintos. Silvia Franco, do site In VinoVeritas, destaca a suavidade da casta. Encontrou no Domínio de La Vega Bobal 2010 um vinho excepcionalmente rubi, frutado (cerejas e frutas negras), com notas de especiaria e carvalho: “uma carícia na boca de tão sedoso”. A uva Bobal é hoje responsável por cerca de 80% da produçãode vinhos em Utiel-Requeña, região que engloba os municípios de Caudete, Camporrobles, Fuenterrobles, Requeña, Siete Aguas, SinarcasUtiel, Venta del Moro e Villagordo Cabariel. Os vinhedos estão num grande plateau circular, de 45 quilômetros de diâmetro, com altitudes de 600 a 900 metros acima do nível do mar, a cerca de 70 quilômetros do Mediterrâneo. Aí os vinhedos de Bobal crescem com gosto, em condições extremas: invernos rigorosos e prolongados, verões quentes e secos, mais os ventos quentes e secos soprados do mar. DEZ TINTOS - Aqui uma relação de 10 vinhos tintos top da D.O. Utiel-Requeña: Bassus Premium (Hispano-Suizas); Primum (7 bodegas); Generación 1 (Vicente Gandía); Artemayor (Dominio de la Vega); Carlota Suria (Pago de Tharsys); Bobos (Hispano-Suizas); Cerro Bercial Reserva (Sierra Norte); Vegalfaro Crianza (Vegalfaro); Lagar de Lar (Finca Ardal) e Helix (Aranléon). www.abc.es/viajar/restaurantes/20140322/abci-mejores-vinos-requena-utiel-201403211217.html CARTA DE AROMAS - Eis uma carta com uma lista de palavras relacionadas aos aromas dos vinhos, para levar na carteira. "As palavras não têm um significado em si próprias. São simples instrumentos para descrever experiências, contar histórias e construir memórias", justifica o editor Alder Yarrow, do premiado site Vinography. Há versões em inglês, francês, alemão, espanhol, italiano, japonês e também português. www.vinography.com/archives/2009/03/vinography_aroma_card_now_avai_2.html Diário do Comércio de 11/7/2014

sexta-feira, 4 de julho de 2014

Amigos da Bairrada

O mundo inteiro conhece a uva Baga, mesmo sem que ela tenha sido devidamente apresentada, como agora tratam de fazer os integrantes do grupo Baga Friends. Esses produtores da Bairrada, uma das regiões vinícolas na faixa litorânea de Portugal, há um par de anos arregaçaram as mangas para promover o que a casta pode conseguir de melhor: taninos macios para vinhos tintos de guarda de qualidade. Na lista dos “amigos da Baga” estão o respeitado vinicultor português Luís Pato (Vinícola Luís Pato), sua filha Filipa (Vinícola Filipa Pato), Mário Sérgio Nuno (Quinta das Bágeiras), Paulo Sousa (Vinícola Sidónio de Sousa), António Rocha (Vinícola Bugaço), João Póvoa (Vinícola Kompassus), François Chasans (Quinta da Vacariça) e Dirk Niepoort (Quinta do Baixo e famoso produtor de vinhos do Porto e do Douro). “A Baga é uma diva” que pode ser comparada à uva Nebbiolo, dos italianos Barolos, e à Pinot Noir dos Borgonhas, avalia Sarah Ahmed, especialista em vinhos portugueses da revista britânica The World of Fine Wine. No início do ano, três vinhos do Baga Friends foram escolhidos por Joshua Greene, editor e publisher da Wine and Spirits, para a lista dos 50 grandes vinhos para o mercado americano. E o “Oscar do vinho português de 2013”, entregue pela Revista de Vinhos em fevereiro, também alcançou três rótulos desses fãs incondicionais da Baga. Quando se diz que todos conhecem a Baga, mesmo sem saber, é porque essa variedade portuguesa está por trás do popularíssimo Mateus Rosé. Desde que foi lançado, em 1942, perto de um bilhão de garrafas desse vinho foram vendidas em mais de 120 países, sendo responsável pela iniciação etílica de muita gente. A idéia de um vinho global como o Mateus Rosé foi do empreendedor Fernando Van Zeller Guedes, fundador do grupo Sogrape, hoje com um eclético portfólio, formado depois de uma série de aquisições. No Brasil, o fresco e versátil Mateus Rosé (com a tradicional garrafa em estilo “flask”, semelhante à dos vinhos alemães da Francônia) foi febre nos anos 1960/1970, em tempo de poucas opções e exigências. A maioria dos cerca de 2.000 produtores de Baga na Bairrada, uma das regiões vinícolas de Portugal onde é mais cultivada, ao lado da Beira, ainda trata de colhê-la mais cedo para os rosés, evitando o risco da colheita em setembro, época de chuvas. A Bairrada tem marcante influência atlântica, com clima muito úmido. Com isso, um dilema se instala, já que uvas para tintos da Baga teriam de amadurecer por mais tempo nas videiras. Luís Pato, por exemplo, dribla o clima com uma “colheita verde”, descartando cachos quando estes começam a mudar de cor, e fazendo com que os remanescentes ganhem em concentração. Ele também ganhou em qualidade ao fermentar as bagas sem os caules e ao “arredondar” os taninos em barricas de carvalho francesas. Já a filha Filipa garantiu tipicidade a seus vinhos a partir de plantas mais antigas. Como escreve Sarah Ahmed, a culpa dessa conjuntura desfavorável aos tintos varietais não pode ser atribuída somente ao mar de rosés. Houve uma queda de qualidade geral na indústria vinícola portuguesa após a Revolução dos Cravos, em 1974. Os vinhos eram então vendidos a granel para colônias na África, por negociantes e cooperativas que dominavam a produção da Bairrada. (Exceção deve ser feita aos vinhos garrafeira, principalmente os da Caves São João Frei João, que mantiveram regras de vinificação). A área vinícola cresceu e perdeu em qualidade. Era preciso reverter o quadro. Em 1979, a Bairrada conseguiu seu devido status de região demarcada. Anos depois, com a volta da democracia e a integração de Portugal à Comunidade Europeia (1986), os vinhedos e os negóciospassam a ser restaurados. Começa então a “Revolução da Baga” liderada pelo incansável Luís Pato, tão presente no Brasil. O vinicultor também faz com a Baga um espumante ideal para celebrar todas vitórias do Baga Friends. NA ÂNFORA - Filipa Pato lançou em São Paulo, no início do ano, vinhos da uva Baga que envelhecem em duas ânforas de cerâmica de 300 litros, enterradas no solo. O Post Quercus Baga 2013 é feito na Bairrada a partir de vinh edos velhos. As mesmas plantas dão origem a outro vinho de Filipa, o Nossa Calcário, feito em parceria com William Wouters, o marido belga que é sommelier, no escopo do projeto Vinhos Doidos. BUSSACO - Os últimos reis de Portugal dormiram nesse castelo (acima), na Bairrada, transformado no Palace Hotel do Bussaco e que acaba de ser reconhecido como um dos "10 hotéis top para os amantes do vinho" ,pela revista inglesa The Drink Business. Vinhos do Buçaco, da tinta Baga, estão guardados na adega da propriedade desde que começaram a ser feitos, em 1920. www.bussacopalace.com/ Diário do Comércio de 4/7/2014