sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Três gerações, uma garrafa, dois copos

Os americanos ainda convivem com fantasmas da Lei Seca, que vigiu durante mais de 13 anos nos Estados Unidos (1920-1933), isso apesar de, hoje, 3/4 da população consumir algum tipo de bebida alcoólica, numa ciranda que envolve nada menos do que US $ 189 bilhões (números de 2007). Quem mostra essa realidade é o jovem escritor americano Garrett Peck, que acaba de lançar The Prohibition Hangover – Alcohol in America from Demon Rum to Cult Cabernet (Rutgers University Press/2009). Seu livro traz a trajetória de um país onde a bebida alcoólica foi demonizada durante décadas – "demon rum" era como os movimentos religiosos pela temperança tratavam a bebida, principalmente os destilados, sem excluir cerveja e vinho –, um Estados Unidos que agora tratam de abraçar todos prazeres da boa mesa, representados pelos grandes Cabernets californianos cultuados em todo o país (e mesmo fora dele). A discussão colocada por Garrett Peck vem em boa hora, quando crescem no mundo inteiro as ações para restringir o uso do álcool, principalmente quando associado à direção irresponsável. A viticultura francesa já sentiu na pele essa onda "dry", que despreza até mesmo o peso cultural do vinho: está aí a redução vertiginosa do consumo per capita na França (era de 100 litros, em 1960. Em 2004, somente 54 litros). A literatura é farta sobre os problemas gerados no período da Lei Seca americana, entre eles o gangsterismo protagonizado pelo contrabandista Al Capone e a quebra da viticultura dos EUA. Mesmo os movimentos que levaram à dura lei estão bem vivos em perfis como o da religiosa carola Carry A. Nation e sua machadinha destruidora de bares. A novidade em Peck é que ele traz o debate para a atualidade. Segundo ele, desde o fim da Lei Seca, o país ainda não discutiu seriamente o papel do álcool na sociedade americana. Alguém pode negar, por exemplo, que a cerveja é elemento indispensável de um jogo de beisebol? E que os estádios são verdadeiras Nações Unidas da cerveja, para usar uma de suas boas imagens. O autor conta como surgiu a idéia do livro. Foi num jantar de Natal, em 2003. Ao redor da mesa, três gerações de americanos: ele, a mãe e a avó. Para o "roast beast", abriu um bom Borgonha, safra 1997. Somente ele e a mãe aproveitaram da garrafa. Sua avó, que cresceu sob a Lei Seca, nem mesmo provou o vinho. Muitos americanos carregam sobre os ombros da memória as pregações contra a bebida. Até quando, numa mesma família, haverá essa separação entre abstêmios e apreciadores sociais do vinho e da cerveja? É uma das questões de Garrett Peck.


http://www.prohibitionhangover.com/

DC de 28 de agosto de 2009

Nenhum comentário: