domingo, 14 de junho de 2009

Tinto argelino para o méchoui

Quando se fala em Argélia, ensolarado país na costa norte africana praticamente engolido pelo Sahara, quase sempre é para localizar Albert Camus, um de seus filhos de maior densidade. Algumas vezes a tâmara daquele solo árido ganha espaço no reino da doçaria. A deglat nour, doce e transparente, se contrasta entre as de cor marrom. Já dos vinhos quase não se vê notícia. Pois os vinicultores locais integrados no estatal ONCV (Office National de Comercialisation dês Produits Vitivinicoles) estão cansados de ver suas garrafas seguindo a "rota do couscous" marroquino, ao passo de imigrantes africanos na Europa. Temem que seu vinho fique para sempre associado à mercadoria barata e de baixa qualidade. Contra isso passaram a replantar vinhedos, principalmente nas localidades de Mascara e Tlemcen, e a investir em qualificação profissional, com jovens treinados na França. Há certa nostalgia no ar, como relatam John e Erica Platter no emocionante livro Africa Uncorked (The Wine Appreciation Guide/2002) – pungente retrato da viticultura na África. Produtores mais antigos se lembram da imensidão de vinhedos antes de 1962, ano da independência da Argélia. Eram 36 mil hectares que colocavam o país em quarto lugar no ranking de produtores. Em dez anos, pós 62, o número de vinícolas havia encolhido de 3 mil para 50. Antes disso, os argelinos tinham é orgulho do seu vin médicin, usado para compor com grandes vinhos do Rhône e da Borgonha, "tirar sua palidez", diziam. Tempos em que o porto de Oran (ao lado) ficava atulhado de barricas à espera para cruzar o Mediterrâneo. Os vinhedos também foram vítimas da guerra. Tratar mal a viticultura dos dominadores franceses no período pós-colonial foi uma prática de Estado, simbólica, que tentou em vão apagar uma tradição milenar. É nessa força que voltam a se apoiar hoje os viticultores argelinos, espelhando os berberes que muito aprenderam com os fenícios. Numa ruína romana em Tipaza, a uma hora da capital Argel, arqueólogos reconstruíram um tanque de fermentação de cerca de 2.000 anos. Hoje os tintos locais driblam as barreiras religiosas e não podem faltar à mesa com o méchoui, o carneiro assado no espeto.

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