sexta-feira, 24 de outubro de 2014

Quanto cabe numa barrica?

Ao iniciar o projeto do Dicionário do Vinho, Maurício Tagliari e Rogério Campos não imaginavam estar diante de uma experiência inédita: não havia outro dicionário do gênero em todo mundo. É claro que as definições de termos técnicos da vitivinicultura podem ser encontrados em livros introdutórios dessa ciência ou em guias e obras mais especializadas, em português ou outras línguas. Mas reunidos de forma organizada, de A a Z, em "entradas" sintéticas, era mesmo a primeira vez. Assim, o Dicionário do Vinho, multilíngue, dando voz a mais de 17 mil palavras, editado pela Companhia Editora Nacional, tornou-se uma obra de consulta indispensável na biblioteca de enólogos, sommeliers, viticultores e entusiastas da bebida. Todos esses termos juntos "nos dá vertigem", brinca Telmo Rodriguez, um dos mais talentosos enólogos da Espanha. Dentro do conjunto de palavras, há descrições de mais de duas mil variedades de uvas e definições para jargões do comércio do vinho e das degustações. Estão também relacionados alguns personagens da mitologia ligada aos vinhos, o deus Bacco puxando o cortejo, mas os autores explicam que não incluíram marcas, muito menos nomes de vinicultores ou de profissionais envolvidos na produção e comércio da bebida. Indicam, na verdade, o desejo de preparar um futuro livro que contemple o "quem é quem" desse mundo. A primeira palavra do dicionário é "aatchkik" , uva cultivada na Geórgia e na Ucrânia, empregada na elaboração de vinhos rosés. A última é "Zypern", indicando o equivalente em alemão para Chipre, uma país de tradição vinícola, entre outros tantos citados na obra. Entre "aatchkik" e "Zypern", termos técnicos que, não raras vezes, aparecem em entrevistas, resenhas e catálogos de produtores. "Chaptalização", por exemplo, mereceu um verbete com detalhes da prática de acrescentar açúcar ao mosto, antes ou durante a fermentação, com o objetivo de aumentar o grau alcoólico do vinho, prática polêmica e desaprovada pela União Europeia. O nome da operação rende homenagem à Antoine Chaptal (1756-1832), químico francês e ministro de Napoleão, que incluiu a medida nas ações de modernização da indústria francesa da época. "Fermentação maloláctica" é outro termo dos bastidores das vinícolas que chega frequentemente aos salões. Trata-se de uma segunda fermentação do vinho, aquela em que o ácido málico se transforma em ácido láctico, com a liberação de gás carbônico, truque realizado por bactérias lácticas (Oenococcus oeni) e que, em resumo, tem a função de suavizar o paladar do vinho. "As especificidades dos vinhos elaborados à volta do planeta exigem um aprofundado conhecimento de termos, nomes de regiões e sub-regiões de uvas, de solos, de sei lá de quantas coisas mais que o vinho na sua vivência secular foi sendo construído pela mão do homem e da natureza", escreveu num dos prefácios do dicionário o português Luís Pato, tradicional produtor da uva baga, da Bairrada. O dicionário de Tagliari e Campos "nos permite a valiosa possibilidade de encontrar as palavras corretas necessárias para descrever a infinita variedade de vinhos e estilos que hoje o mundo nos oferece", elogiou o vinicultor argentino Nicolas Catena. Maurício Tagliari, um dos autores, é compositor, produtor e enófilo, fundador do grupo musical Nouvelle Cuisine, atuando nos mercados fonográfico, publicitário e cinematográfico. Como ele diz, "a paixão pelo vinho que desaguou na produção deste volume nasceu no seio da família de imigrantes italianos e cresceu com a convivência de muitos amigos nos últimos anos". Tagliari é membro da Academia Brasileira de Gastronomia. Rogério de Campos, que assina a obra com Tagliari, é jornalista, editor, tradutor e diretor editorial da Conrad. Em tempo: numa barrica bordalesa, comumente usada na França, cabem 225 litros. Está no dicionário. A a Z DO PORTO - Acaba de ser lançado em Portugal, e com alguns anos de atraso, o Dicionário Ilustra do do Vinho do Porto (Porto Editora), com mais de 3.000 verbetes e 600 imagens. A edição brasileira foi lançada anos antes, em 2011, pela Editora Cultura. Consta que, por ocasião do término da pesquisa, não houve editora ou instituição portuguesa interessadas no projeto. E o vinho é do Porto! Assinam a obra dois craques: Manoel Poças Pintão, há décadas figura histórica do setor, à frente da casa de Porto Poças, e o enófilo Carlos Cabral, um dos maiores conhecedores de vinho do Porto no Brasil. DC de 24/10/2014

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