sexta-feira, 3 de outubro de 2014

Por trás das garrafas

Das elegantes ânforas de terracota resgatadas pelos arqueólogos às garrafas de vidro com sofisticado design foram milhares de anos. Uma indústria que, ao longo dos séculos, atendeu às demandas sempre crescentes de transporte e armazenamento do vinho, seja com jarros de cerâmica, cantis de couro (lembra-se do alucinado D. Quixote degolando odres da adega de uma estalagem?) ou barricas de madeira. Foi, entretanto, com as garrafas de vidro soprado e o advento das rolhas de cortiça, este no início do século 18, que os vinhos passaram a ser o que são, protegidos da oxidação. E, mais que isso, avançaram pelo universo da maturação, colocando também o tempo na sua medida. Uma elegante garrafa, fora de todos os padrões, foi recentemente criada pela artista e designer cipriota Kristina Apostolou para o vinho Anama, do ousado enólogo Lefteris Mohianakis. A vinícola do Chipre lançou 1.881 garrafas numeradas da safra 2010 desse vinho, considerado um marco na retomada dos vinhos doces da ilha. Um conceito novo para uma bebida naturalmente doce, preparada com uvas passas (Xynisteri e Mavro), que segue os passos de um dos mais conhecidos vinhos do mundo antigo, o Kyprion Nama, e seu afamado sucessor, o Commandaria. A cor radiante do Anama aparece através do vidro branco, como se tratasse do "medicamento" de uma antiga farmácia, panaceia como nos tempos dos ancestrais vinhos gregos, mas sem o ranço da resina protetora. As garrafas de vidro escuro geralmente são usadas contra a luz, que pode comprometer o envelhecimento dos vinhos de guarda, como os Bordeaux, os Borgonha, os Barolo. Mas a regra em nada impede, por exemplo, o engarrafamento de Champagne numa garrafa de cristal ou a "inovação" cipriota. Conta a lenda que o czar Alexandre II, querendo que a linda cor do Champagne não ficasse escondida numa garrafa de vidro opaca, encomendou à famosa casa Roederer um Champagne acondicionado em garrafas de puro cristal. Até hoje os produtores de vinhos com apelo de cor, como os rosés, também preferem os frascos translúcidos. A indústria vinícola mais moderna, contudo, sempre precisou das garrafas mais resistentes e mais uniformes, que permitissem seu transporte seguro e a facilidade de empilhamento. Essas características começaram a aparecer com a fabricação em série e o advento da Revolução Industrial, no século 18. Os ingleses foram pioneiros ao fabricar essas garrafas de vidro forte e escuro, contribuindo para o próprio desenvolvimento do Champagne, dos grandes Châteaux de Bordeaux e do vinho do Porto. O abade Don Pérignon (1638-1715), a quem poeticamente é atribuída a invenção do Champagne, certamente comemorou as grossas garrafas que mantinham-se intactas e não estouravam com suas experiências de gases e borbulhas. As garrafas de vinho variaram também de tamanho desde que começaram a sair das potentes fornalhas inglesas, "enriquecidas com chumbo". Uma garrafa Nabucodonosor, cujo nome homenageia a grandiosidade do império babilônico, tem capacidade para 15 litros. Numa Magnum cabem duas garrafas, ou 1,5 litro. A maior garrafa do mundo, para 173 garrafas-padrão de um Cabernet Sauvignon da vinícola californiana Beringer, foi feita apenas para decorar uma loja e não conta no dia a dia das degustações. Já alguns champagnes de 3 litros (Double Magnum) são até hoje usados por vencedores da Fórmula 1 ou por damas muito chiques em batismos náuticos. Mas como nasceu a garrafa de 750 ml, hoje aceita mundialmente como padrão? Segundo o especialista Marcelo Copello, há três teorias. A primeira tem a ver com os famosos vinhos franceses. Uma barrica bordalesa tem capacidade para 225 litros, portanto encheria 300 garrafas. É uma boa conta. A segunda hipótese é a aquela que trata 750 ml de vinho como boa e honesta dose para um casal durante uma refeição. A terceira teoria, segundo Copello, diz que 750 ml correspondem à capacidade do pulmão de um antigo soprador de vidros.ESTILOS - Nesses frascos com forma de cantil, chamados de bocksbeutel, são tradicionalmente engarrafados os vinhos brancos da Francônia, no sul da Alemanha. Mas também vinhos rosés portugueses, como o celebrado Mateus. Já os fiaschi, que muitas vezes decoram cantinas italianas em meio a um mar de camisetas, são praticamente sinônimos dos antigos vinhos Chianti, produzidos na Toscana. A palha ajudava a proteger as então frágeis garrafas exportadas para todo o mundo Os modernos Chianti, entretanto, ganharam as tradicionais garrafas de desenho bordalês. Os apreciados vinhos de Châteauneuf-du-Pape, no Sudeste da França, onde os papas moraram durante o Cisma, também têm as suas garrafas próprias, todas identificadas pelo brasão papal em alto relevo. DC de 3/9/2014

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