quinta-feira, 5 de maio de 2011

Sede e fome de monge

A gastronomia e o mundo dos vinhos certamente devem uma parte de seu desenvolvimento aos monges e frades desde a Idade Média. Eles ajudaram, principalmente, a preservar antigas receitas e criar novas fórmulas para outras tantas – muitas sopas e preparações do fundamental peixe nasceram entre uma e outra oração nos monastérios. E dedicavam-se de corpo e alma a seus vinhedos. Durante os festejos do casamento de Catarina de Valois e Henrique V da Inglaterra, o arcebispo de Sens, encabeçando uma procissão de padres, levou ao quarto real sopa e vinho, acompanhados com benção papal. Boa imagem da importância desses dois caldos. Muitos dos tratados de cozinha e sobre vinhos desse período têm como autores dignatários da Igreja, vários exemplares escritos por devotos alemães. Eram capazes de relacionar os melhores vinhedos de sua época e de sua terra: Johannisberg, Steinberg, Hochheim... do Reinghau, mas também falavam das parreiras da Francônia, de onde saíam os vinhos Stein e Leisten. Não menos celebrados pelos clérigos eram os néctares da Côte D'Or (Romanée, Chambertin e Clos-Vougeot), do Rhône (Hermitage e Château-neuf-du-Pape), de Gironde (Saint-Emilion e Sainte-Croix-du-Mont, assim como os caros do Haut-Médoc. O celebrado vinhedo de Clos-Vougeot, propriedade primeira dos monges bernardinos, antes de ser declarado propriedade nacional por Napoleão, rendeu boas histórias. Algumas delas foram compiladas pelo estudioso americano George H. Ellwanger em The Pleasures of the Table, em 1902. (Uma edição fac-similar dessa obra foi editada pela Universidade de Cornell, nos EUA) Contam que Dom Gobelot, então responsável pela adega de Clos-Vougeot, foi forçado a se retirar para Dijon, mas levou com ele centenas de garrafas como souvenir. E quando o jovem Napoleão, conquistador da Itália, ao voltar da Batalha de Marengo, requisitou alguns safrados Vougeot para sua mesa, não teve dúvidas em responder: "Se ele quiser algum Vougeot de 40 anos, peça para que venha beber aqui, pois não estão à venda". E um abade desse mesmo monastério foi nomeado cardeal pelo papa Gregório XVI, em gratidão
a um presente – uma cesta de vinhos.

DC de 29/4/2011

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