sexta-feira, 15 de abril de 2011

Vinhos de aposta à la D'Artagnan

O romancista Alexandre Dumas (1802-1870 ) registrou em suas Memórias Gastronômicas (Jorge Zahar Editor/2005) uma anedota que expõe não só sua pena afiada, mas sua paixão pelas coisas da boa mesa, seus vinhos, e seu tempo. Muito além de Os Três Mosqueteiros e O Conde de Monte Cristo, legou seu Grande Dicionário de Culinária, consumação de um projeto de vida. "Queridos leitores, rogo a Deus que lhes reguarde o apetite, o estômago – e os poupe de fazer literatura..." Ele mesmo um chef de cuisine, Dumas narra um episódio que dá humor aos requintes da sociedade francesa entre 1830 e 1850, em seu caminho para o centro da cena enogastronômica mundial. Conta o escritor, usando "bravatas à la D'Artagnan" (como assinala o tradutor André Telles): certo dia, o visconde de Vieil-Castel, um dos mais finos gourmets de então, desafia seus pares: um homem sozinho é capaz de jantar 500 francos, incluindo, claro, os bons vinhos. Aos muxoxos de incredulidade dos amigos, ele mesmo diz ser capaz da proeza. Escolheu o Café de Paris, o melhor restaurante da época, e passou a organizar o cardápio. Teria duas horas, das 19h às 21h, para a refeição, vigiada pelos jurados. Começou com 12 dúzias de ostras de Ostende, com meia garrafa do vinho Johannisberg (Riesling do Reinghau, Alemanha). E mais meia para outra rodada de ostras. Depois, uma exótica sopa de ninhos de andorinhas. Seguindo, e fora do cardápio, uma bisteca com maçã. O peixe, um ferra do lago de Genebra, foi um dos manjares do jantar, mais um faisão trufado – aí já estava na segunda garrafa de Bordeaux. E também um guisado de hortulanas (paixão nacional hoje proibida). Para o final, aspargos, petit-pois, abacaxi e morangos, com meia garrafa de Vin de Constance (tradicionalíssimo vinho de sobremesa da África do Sul) e outra meia de Xerez espanhol. Total da conta: 548 francos. Ganhou a aposta e embolsou 6 mil francos. Lição: nunca brinque com os gourmets e restaurateurs de Paris.

DC de 15 de abril de 2011

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