sexta-feira, 27 de junho de 2014

Vinho no púcaro búlgaro

O Sonoma, um dinâmico site brasileiro de venda de vinhos, comandado pelo californiano Alykhan Karim, sempre garimpa pelo mundo vinhos que combinam qualidade, bom preço e certa dose de ineditismo em relação ao nosso mercado. Esta semana, na prateleira virtual do Sonoma, foram incluídas, entre outras, garrafas de um vinho branco elaborado com a uva Pinot Noir. O inusitado do branco de uva tinta foi mais celebrado, entretanto, do que a própria origem do vinho: a Bulgária. Mas existe vinho búlgaro? Lembrei-me imediatamente de O Púcaro Búlgaro, o festejado romance surrealista do escritor Campos de Carvalho (1916-1998), escrito em 1964, que partia de uma dúvida ainda maior: "a Bulgária existe?". Carvalho não tinha a pista de hoje: o pai da presidente Dilma era búlgaro. A história de Carvalho (devidamente vertida para para o búlgaro, não sem antes um puxãozinho de orelha do tradutor) começa quando um carioca da Gávea visita um museu na Filadélfia e encontra numa das vitrines de antiguidades um “púcaro búlgaro”, pequeno vaso de barro originário de um reino distante. Ele tem dúvidas (ainda não havia o Google) e suas questões aparentemente não são respondidas pelos dicionários: “(...)eles lá estão, um e outro [púcaro e búlgaro], com os seus verbetes – ma s isso é fácil, Deus também lá está; queria é vê-los o autor aqui fora, resplandecentes de luz solar e não de luz elétrica ou gás néon, e sem os canhões de Tio Sam para lhes garantir a pucaricidade ou a bulgaricidade.” Para decifrar o enigma, ou provar que a Bulgária realmente não existe, ou o contrário, o narrador passa a montar uma expedição com personagens dos mais insólitos, dentre eles o cearense Radamés Stepanovicinsky, professor de Bulgarologia, um tal Pernachio e nada menos do que um marinheiro fenício. A ver o que dá essa nau de insensatos que gira em mar de divertido nonsense. O livro já foi para o palco algumas vezes e ganhou uma divertida adaptação dirigida por Fernando Collaço e Stefanie Alves (na foto um dos atores com o “púcaro” nas mãos). A histórica Bulgária (que tem as terras da Trácia como ponto de resistência cultural) não só existe, como mantém uma tradição vinícola das mais ancestrais. Novo impulso se deu com a queda do monopólio de produção estatal, nos fins dos anos 1990, quando os vinhos búlgaros passaram a ser produzidos por iniciativa privada e vendidos muito além da “Cortina de Ferro”. “A Bulgária acordou”, sentencia a crítica inglesa Jancis Robinson. São hoje mais de 80 vinícolas industriais, com produção de 60.000 t, em 97 mil hectares de vinhedos. As variedades mais plantadas são a Cabernet Sauvignon (14%), Rkatzeteli (14%), Merlot (12%), Pimid (11%), Red Misket( 8%), Dimyat (6,5%) e Muskat Ottenel (6%). A genial história de Campos Carvalho, como se vê, é pura literatura e seu narrador certamente não mudaria de ideia nem depois de se embriagar com taças do denso Melnik, feito na região da homônima cidade. O próprio Dionísio, o deus do vinho do panteão grego, teria sido cultuado, antes, na Trácia, como Zagreus. Homero relata na sua Ilíada que os navios dos aqueus traziam diariamente vinho tinto “doce como o mel” da cidade trácia de Ismarus para seus soldados acampados aos pés de Tróia. Com os romanos, se deu a expansão dessa viticultura nas terras dos balcãs, atestada pelo poeta Ovídio, exilado em Tomi (atual Romênia) no ano 8 da nossa era. O vinho búlgaro anunciado pelo site Sonoma também tem origem na Trácia, uma das 5 regiões vitivinícolas do país. Só não há mesmo vinhedos na Bulgária na região de Sófia, a sua capital (Sófia existe?). Edoardo Miroglio, piemontês de Alba, fundou sua vinícola na vila de Elenovo, 30 quilômetros da cidade de Nova Zagora. Miroglio seguiu justamente a rota do histórico terroir trácio-búlgaro, como têm feito outros novos empreendedores. Historicamente, explica Miroglio, a Trácia estendia-se à leste da Macedônia em direção ao Mar Negro e ao Mar de Mármara; ao sul do Danúbio para o Mar Egeu; sendo que a fronteira entre Macedônia e Trácia praticamente correspondia ao curso do rio Struma. O Vale do Struma é hoje uma das prósperas regiões vinícolas búlgaras. E vinhos de expressão são feitos com a Melnik no Vale do Struma, principamente nas vinícolas Damianitza e Logodaj. Miroglio, empresário do ramo têxtil, também produz vinhos na sua Tenuta Carreta, sua vinícola italiana na região da Langhe e Roero, com vinhedos em 70 hectares. Na Bulgária, cultiva cerca de 200 hectares, incluindo a Pinot Noir, vinhos já comparados aos da Borgonha pela revista Decanter. ROUSSEFF BÚLGARA - A presidente Dilma Vana Rousseff foi recebida em festa na Bulgária, em outubro de 2011, onde recebeu a condecoração Stara Planina, a maior distinção da República da Bulgária, entregue pelo então presidente Georgi Parvanov. Dilma disse na ocasião que estava muito emocionada em visitar a terra natal de seu pai, o advogado Pedro Rousseff,que emigrou para o Brasil em 1929. MELNIK - A cidade de Melnik , a apenas 8 quilômetros da fronteira com a Grécia, é o mais antigo centro de produção vinícola da Bulgária. E é só por ali que a uva Shiroka Melnishka Loza (ou só Melnik) cresce. Quem gostava dos vinhos da região era Winston Churchill, isso antes da instalação da Cortina de Ferro. http://melnikwinecompany.com/where-we-work/the-town-of-melnik/

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