quinta-feira, 5 de junho de 2014

Vinhos da terra do sultão

É da região turca de Mármara um "alegre" vinho tinto da uva Papaskarasi que a vinícola Chamlija acaba de apresentar com sucesso na London Wine Fair. O cartaz de propaganda da Chamlija, reproduzido acima, parece emular a capa do psicodélico ‘Submarino Amarelo’, dos Beatles. Os rótulos também são todos desenhados pela artista Irem Çamlica, filha do viticultor Mustafa Çamlica, representante da terceira geração de uma família que desde 1936 trabalha a terra, de início na búlgara e vizinha Lüleburgaz. Hoje as instalações da vinícola estão em Buyukkaristiran, 120 quilômetros a oeste de Istambul. Papaskarasi significa "uva negra do padre", batismo relacionado aos religiosos dos inúmeros monastérios bizantinos que existiram na região. "É fabuloso e promissor", escreveu sobre a Papaskarasi, o respeitado jornalista inglês Jamie Goode. Mike Rosenberg, auto-intitulado "sommelier do homem comum", diz no blog The Naked Vine: Wine Advice for The Rest of Us, que as maiores surpresas dos concursos e degustações internacionais têm sido os vinhos de países produtores "esquecidos" como Turquia, Grécia, Eslovênia e Líbano. Antes biólogo e editor científico, Jamie Goode vibra como a colega Jancis Robinson ao experimentar vinhos de cepas diferentes, menos disponíveis, como se estivesse fazendo "xizinhos" em uma lista sem fim. Goode conhece bem a aventura da vitis vinífera: foi a partir da região transcaucasiana que a videira se espalhou pelo mundo, "caindo", logo no início da viagem, em direção às vizinhas colônias gregas, no se´culo VI a.C.. Hoje são cerca de 8 mil variedades, escreveu Goode no seu recém-relançado livro Wine Science: The Application of Science in Winemaking (Mitchell Beazley/2014). Pelo menos 1.368 variedades já foram cientificamente identificadas e catalogadas, formando surpreendentes "árvores genealógicas". Uma degustação de vinhos produzidos na Turquia, berço da viticultura, tem portanto sabor especial. Os estudiosos têm evidências de que a origem e a domesticação da videira se deu no sudoeste da atual Turquia, que forma um arco fértil com a Geórgia, Armênia e as áreas montanhosas do Irã. O arqueólogo biomolecular Patrick E. McGovern, da Universidade da Pensilvânia, e o Dr.José Vouillamoz, especialista em identificação genética das variedades de uva, da Universidade de Neuchâtel, na Suíça, dois dos maiores estudiosos do assunto, dizem que a domesticação ocorreu na península anatólica por volta do ano 8.000 a.C.. Análise de achados arqueológicos, como sementes e cerâmicas, indicam atividade vitivinícola na região há 7 mil anos. As instalações em pedra da primeira grande vinícola (4.000 a.C.) foi recentemente descoberta em uma caverna em Areni, Armênia. A Chamlija, vinícola butique, bem distante no tempo de hititas e frígios, é tocada por Mustafa Çamlica, que identificou a cepa Papaskarasi nas imediações de seu vinhedo principal e tratou de cuidar da raridade. Hoje há 211 hectares da variedade plantados na Turquia, especialmente na Trácia, mas com fins especiais, como a preparação da Hardaliye, uma bebida que tem o mosto misturado a sementes de mostarda, cerejas azedas e ácido benzoico. A vinícola Arcadia, na vizinhança da Chamlija, ambas em Kirklareli, também plantou algumas mudas da Papaskarasi para vinho, mas ainda não lançou seus rótulos. Mármara é uma das sete regiões vinícolas da atual Turquia. Fica bem a noroeste do país, banhada por nada menos de três mares cheios de história: Mar Negro, o Egeu e o mar de Mármara. As regiões de Mármara e do Egeu, de clima mediterrâneo, respondem hoje por mais de 66% da produção vinícola da Turquia. A Papazkarasi entra muito pouco nessa conta. As variedades autóctones mais plantadas são: Emir, Narince, Sultaniye, Bornova Misketi, Çalkarasi, Kalecik Karasil, Öküzgözü e Bogazkere. Nos anos1950 o governo iniciou o plantio de variedades francesas, na região do Egeu e da Trácia: Semillon, Clairette, Sylvaner, Gamay, Cinsaut, Pinot Noir e Cabernet Sauvignon. Apesar de estar em quarto lugar na lista das maiores áreas plantadas com vinhedos, (505.000 ha), perdendo apenas para Espanha, França e Itália, somente 2% das uvas são destinadas à vinificação. O que significa que há enorme potencial para o crescimento da vinicultura local. O desenvolvimento da indústria do vinho na região foi inibida com a instalação do Império Otomano (1299-1923), por razões religiosas. Nesse período, as minorias não-muçulmanas tocaram os negócios, que sempre estiveram sujeitos a maiores ou menores restrições. Os sultões do Palácio de Topkapi , entretanto, exerciam o poder com certa tolerância porque sabiam da importância econômica da commoditie. Vinho turco abasteceu França e Itália nos piores momentos da devastação de seus vinhedos pela terrível praga Phylloxera. Mas agora pode conquistar mercados devido a méritos próprios. WINES OF TURKEY - Wines of Turkey, entidade que reúne os principais produtores de vinhos da Turquia, elaborou uma cartilha com informações destinadas aos visitantes da Prowein 2014, realizada em Dussedorf, na Alemanha, em maio. A cartilha, que pode ser consultada na internet, traz todos os detalhes da vitivinicultura na Turquia de ontem e de hoje. www.winesofturkey.org/ NATURALMENTE - Isabelle Legeron, "aquela francesa louca" que carrega um MW (Master of Wine) no currículo, lança seu livro Natural Wine(Ryland Peters and Small/2014) em julho, mas já abriu o debate sobre o tema com uma provocativa tirada. "Somente o vinho natural pode ser verdadeiramente bom. A ironia, como você deve ter adivinhado, é que não temos uma definição para vinho natural", disse Isabelle ao site WineSearcher.com. Muitos a consideram uma xiita na defesa dos vinhos naturais e biodinâmicos. DC de 5/6/2014

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