quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Identidade e proteção

O que pode existir em comum entre uma panela de barro – aquela para a moqueca capixaba! – , moldada por oleiros do bairro das Goiabeiras, em Vitória (ES), e um vinho fermentado no Vale dos Vinhedos, entre Bento Gonçalves e Caxias do Sul (RS)? Ou ainda: o que é capaz de valorizar produtos tão diferentes entre si como o queijo enformado no município de Serro, no coração de Minas Gerais, os camarões da paradisíaca Costa Negra cearense, e o vinho que sai dos Vales da Uva Goethe, em Santa Catarina? Pois todos esses produtos são pioneiros na obtenção de uma especial certificação de origem, reconhecidos no catálogo de “indicações geográficas brasileiras”. Essa prática de identificação de produtos da terra, agrícolas ou mesmo culturais, já é histórica e determinante na Europa e mesmo em algumas regiões dos Estados Unidos. Na França pioneira, as appelations d'origine controlée (AOCs) foram fundamentais para o desenvolvimento e afirmação da própria indústria vinícola do país. Num outro extremo, por exemplo, vemos a moderna Grécia vencendo homérica batalha pelo seu – e só seu – queijo Feta. Como a luta que levou os arrozeiros do Litoral Norte Gaúcho a conseguir sua denominação de origem. No Brasil, a certificação ainda é uma área do direito de propriedade intelectual que começou a ganhar impulso somente nos últimos anos. A chancela vem do Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), órgão que aprova e registra tanto as “indicações de procedência” (IPs) como as certificações ainda mais detalhadas, as chamadas “denominações de origem” (DOs). O INPI leva em conta as pesquisas de tipicidade dos produtos, defendidas por engajados produtores e técnicos da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). No ano passado, os vinhos e espumantes do Vale dos Vinhedos, na Serra Gaúcha, conquistaram sua DO, a primeira para vinhos no Brasil. “A DO revela a qualidade diferenciada, controle, rastreabilidade, garantia da origem e tradição”, diz Beatriz Junqueira, coordenadora de Incentivo à Indicação Geográfica de Produtos Agropecuários do Ministério da Agricultura (Mapa). Vale dos Vinhedos já tinha a DO na União Européia desde 2010 e foi o primeiro do Brasil a ter uma IP, em 2002. No campo da vitivinicultura, já tem suas indicações de procedência os vinhos finos e espumantes de Pinto Bandeira, nos municípios de Bento Gonçalves (91%) e Farroupilha (9%). Já a IP Vales da Uva Goethe, na região de Urussanga (SC), recebeu a IP em novembro de 2011. Todos à caminho da sua DO. A denominação de origem (DO) é um passo adiante na linha da certificação, um “carimbo” que indica características ainda mais específicas do meio geográfico (solo, clima, relevo) e também da história e do saber-fazer daqueles que plantam e produz vinhos por ali, muitos descendentes de imigrantes italianos que chegaram à Serra Gaúcha em 1875. Os vinhos DO do Vale dos Vinhedos precisam obedecer a regras específicas. A começar da exigência de que 100% das uvas sejam cultivados dentro dos limites do Vale dos Vinhedos. A uva Merlot, “variedade tinta que ao longo dos anos mostrou melhores resultados nos vinhos” , foi a eleita como representante da identidade da DO, mas também são permitidas Cabernet Sauvignon, Cabernet Franc, Tannat e Pinot Noir. Para os brancos, são usadas tão somente a Chardonnay e a complementar Riesling Itálico (os espumantes Vale dos Vinhedos podem levar a tinta Pinot Noir). Além dos varietais, há os vinhos de corte (assemblage), com as proporções rigorosamente definidas. Segundo dados da Aprovale, a associação de produtores do vale dos Vinhedos detentora da DO, as vinícolas integrantes não podem produzir mais do que 10 toneladas de uva por hectare para vinhos e 12 toneladas por hectare para os espumantes. Concentração que garante qualidade dos frutos e expressividade, como na poesia. DC de 4/10/2013

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