segunda-feira, 4 de julho de 2011

Com a boca no Etna

Respeitado pelos antigos gregos por ser a entrada para o mundo infernal, morada de deuses, o vulcão Etna impera com seu aparentemente eterno e ameaçador fio de fumaça na costa leste da Sicília. De tempos em tempos, mostra sua fúria espetacular, muitas vezes destruidora, derramando seu mar de cinzas e lava na vizinhança. "A impressão mais surpreendente que você leva do Etna é a de que os moradores locais parecem dar pouca importância ao vulcão que pode engolir seu mundo em minutos", escreve Robert Camuto, que promoveu recente jornada à Sicília para escrever Palmento – A Sicilian Wine Odyssey (University of Nebrasca Press/2010). Os ímpetos do vulcão, entretanto, não são menores do que os de obsessivos viticultores que manejam seus vinhedos, principalmente na face norte do Etna, em busca de um terroir embebido em lava e terra vulcânica. "O Etna é a Borgonha do Mediterrâneo", proclamou Marco de Grazia, que produz o rótulo Terre Nere. Graduado em Literatura Comparada pela Universidade da Califórnia em Berkeley, ex-importador de vinhos italianos para os EUA (empresa agora sob o comando do irmão), um dos sócios da bodega argentina Altos Las Hormigas, o americano De Grazia comprou 15 hectares em terraços abandonados no Etna e ali ergueu seu negócio. Faz parte da geração de jovens viticultores que há cerca de dez anos corre atrás do tempo perdido, centrando fogo no cultivo das cepas nativas: Cattaratto, Frappato, Grecanico, Grillo, Inzolia, Nerello Mascalese, Nero D'Avola, Nerello Cappuccio, Perricone e Zibibbo. Foram cerca de 100 anos de abandono da atividade na ilha, contabiliza De Grazia. Do alto de uma tese conspiratória, explica a decadência da viticultura siciliana: a inversão do eixo das políticas a partir da vitória dos piemonteses e a unificação da Itália, em 1861. De Grazia faz seu tinto com a uva Nerello. Acredita que a região ao redor do vulcão tenha nada menos do que 25 diferentes crus – ou seja, terrenos específicos que possibilitam uma "variedade extraordinária" de resultados. Os vinhos Terre Nere de De Grazia exploram essas possibilidades. São produzidas cerca de 100 mil garrafas por ano, com vinhos envelhecidos por 18 meses em barricas francesas. Está no Etna também, desde 2001, o "belga maluco" Frank Cornelissen, ex-montanhista, que faz o vinho Magma, elaborado a partir da Nerello Mascalese e da Nerelo Cappuccio. Cultivados em alta altitude, seus vinhedos escaparam da devastadora Phylloxera do final do século XIX. São apenas 10 mil garrafas, pintadas com caligrafias japonesas pelo próprio Frank. A receita? Esmaga as uvas com os pés, fermenta o mosto em ânforas de argila – isso mesmo! – enterradas na terra de lava. E espera com paciência o tempo dos "ciclos cósmicos". Alguns críticos acham o vinho "selvagem" demais para ser bebido. Mas, exótico, algumas das garrafas alcançaram US$ 200 cada mundo afora.

DC de 1/7/2011

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