segunda-feira, 11 de julho de 2011

A sede dos exilados de Montparnasse

A arte e a literatura devem muito da sua história ao ambiente de efervescência da Paris das primeiras décadas do século XIX, especialmente dos anos 20 aos 40, cujos personagens (de Picasso a James Joyce são mais de 250 nomes) não dispensavam as varandas dos cafés, dos bares, e as mesas dos restaurantes. A ebulição era estimulada pelos achados de Auguste Escoffier (1846-1935), chef, restaurateur e escritor que renovou as técnicas da culinária francesa e também pela retomada das casas vinícolas, no Entre-guerras. Muito já se escreveu sobre esse clima – o livro paradigma é Paris é uma Festa, de Ernest Hemingway, que chegou ao país em 1921. Um episódio, resgatado em Os Exilados de Montparnasse (Record/2009), de Jean-Paul Caracalla, dá nome aos tintos que foram combustíveis da época. Em carta ao poeta Ezra Pound, Hemingway conta uma viagem que fez à Côte D'Azur, com Zelda e Scott Fitzgerald. Ao chegar, em 1924, o americano estava terminando seu clássico O Grande Gatsby. Com um Renault sem capota, percorreram a paisagem deslumbrante da região sem perder uma só safra, entre Montrachet e Chambertin. Na viagem de volta, com muita chuva, paravam nos bares para se abastecerem. De garrafas. Hemingway escreveu que o amigo ficava excitado ao beber no gargalo. Hipocondríaco e como medo do que aquela roupa molhada poderia causar, Fitzgerald pedia conselhos ao "doutor" Hemingway, que receitava bons goles de Mâcon, vinhos produzidos no Mâconnais, na Borgonha. O refúgio boêmio desses artistas não era restrito a bares, o que não significava falta de bebidas. O eixo passara de Montmartre a Montparnasse, com uma sucessão de casas que reuniam tout-Paris, como La Coupole. O ateliê de Gertrude Stein era um dos festejados pontos de encontro, assim como duas livrarias. Uma delas, a Shakespeare & Company, de Sylvia Beach, era a embaixada da literatura inglesa em Paris – Sylvia lançou Ulisses, de Joyce. La Maison des Amis des Livres, de Adrienne Monnier, era uma biblioteca de empréstimo de obras clássicas e livros de poesia de vanguarda. Adrienne gostava da boa mesa e reunia artistas entre livros, jantares, queijos e vinhos. Não há que temer nem os molhos nem os vinhos, dizia, desprezando a tirania da silhueta.

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