domingo, 28 de março de 2010

Voyage Rocambolesque





     Durante três semanas, em 1879, os jornais franceses acompanharam trote a trote a "voyage rocambolesque" de um tonel gigante de champagne, que cumpriu um trajeto de 140 quilômetros, de Epernay a Paris. Antes da proeza do tonel, somente a viagem do obelisco de Ramses II, de Luxor a Paris, passando por Alexandria, tinha merecido o “rocambolesque”.
     (O obelisco milenar, do século XIII a.C., chegou a Paris em dezembro de 1833 e, dois anos depois, o rei Luís Filipe decidiu colocá-lo no centro da Praça da Concórdia, no ponto onde um dia tinha brilhado a lâmina da guilhotina. Foi Champollion, o decifrador dos hieróglifos da Pedra de Rosetta, quem convenceu o vice-rei do Egito, Mehemet Ali, a presentear a França com o obelisco faraônico. Uma década depois, a França enviou ao Egito, em retribuição, um belo relógio, que está na citadela do Cairo. Consta que nunca funcionou.) Já a ideia do tonel de Champagne saiu exclusivamente da cabeça do vinicultor Eugène Mercier, também um homem de marketing.
     Doze pares de parrudos bois brancos foram usados para transportar o foudre da vinícola de Eugène Mercier, em Epernay, a capital do Champagne, à Paris. O tonel começou a ser projetado em 1870, com carvalho trabalhado na Hungria, durante cinco outonos. O esqueleto de madeira chegou primeiramente a Estrasburgo e, depois, seguiu de trem para Epernay, onde foi completado com vinho e passou a ser puxado pelos bois. Dezoito cavalos seguiam o cortejo para substituir os bois nos trechos mais íngremes. Por onde o desfile passava, era assediado por uma população em êxtase, tal qual aquela que recebeu a primeira girafa vinda da África, em 1827, um presente do vice-rei otomano Muhammad Ali para Carlos X.
     Repleto de Champagne, o grande barril pesava 20 toneladas e tinha capacidade para 200 mil garrafas de vinho. Nenhum esforço era em vão. Afinal, o Champagne tinha de brilhar na efervescente Exposição Universal de 1889, em Paris, organizada para celebrar o centenário da Revolução Francesa. A atração principal da feira era nada menos do que a Torre Eiffel, acabada de ser construida no histórico Campo de Marte.
     Negociantes franceses de vinho são considerados os primeiros comerciantes dessa indústria a abraçar o marketing para desenvolver seu negócio. A França e o Champagne entraram em nova era no século XIX, com o avanço simultâneo do mercado dos vinhos de luxo e da popularização da bebida. Descontados devem ser os anos terríveis da propagação da filoxera que dizimou vinhedos, no final do mesmo século.
     Em 1887, ano movimentado pelo Jubileu da vizinha Rainha Vitória, os produtores buscaram inspiração na figura de sua majestade. A imagem da viúva (veuve) simples e pura – "grande e genuína mãe" – esteve presente nos rótulos e nos apelos de venda. Aos produtos associados a viúvas reais (lembrar sempre da empreendedora Veuve Clicquot) enfileiram-se as viúvas da ficção, com seus vestidões e suas toucas, puras armas de marketing. A Maison Mercier chegou a lançar, em 1885, um vinho de certa inexistente Veuve Damas do Reims.

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