sexta-feira, 9 de abril de 2010

O tinto carcamano de John Fante

Jimmy Toscana menino, mais tarde um jovem, vive e narra o dia a dia de uma típica comunidade italiana de Denver, nos Estados Unidos, em pleno vigor da Lei Seca (1919-1933). Os italianos que desembarcaram na América no início do século foram maltratados pela pobreza, aliciados pelo gangsterismo, pelos preconceitos e viveram dramas recorrentes de crise de identidade. "Fico nervoso quando trago amigos em casa (...) Aqui pende um quadro de Victorio Emanuelle, adiante outro da Catedral de Milão e, ao lado, uma imagem da basílica de São Pedro, e sobre o aparador repousa um jarro de vinho em estilo medieval; está sempre cheio até a borda, sempre vermelho e cintilante do vinho." Jimmy é mais um alter ego do escritor americano John Fante (1909-1983), personagem central dos contos de O Vinho da Juventude, que a Editora José Olympio acaba de publicar, com precisa tradução de Roberto Muggiati. Essa coleção de contos nasceu como Dago Red, em 1940, e começou a ser publicada da forma atual a partir de 1985. John Fante é mais conhecido pelo romance Pergunte ao Pó, celebrado pelos beatniks, especialmente por Charles Bukowski. Fluente, a prosa do autor foi saudada até mesmo por John Steinbeck: é daquelas obras que conseguem universalidade ao falar de uma rotina dura, sem glamour algum, de uma casa num bairro de imigrantes empobrecidos. Dago red, anota Muggiati, é algo como “tinto carcamano” e refere-se ao vinho que os italianos do norte de Denver bebiam durante o período da Lei Seca. Dago era uma palavra ofensiva, pejorativa, contra a qual os italianos e seus filhos lutavam, não só no sentido exato da palavra. O vinho da juventude de Jimmy é a bebida por trás da frequente embriaguez do pai, o pedreiro sem obra a quem restava beber, voltar para casa assobiando La Donna è Mobile e esperar com vergonha, diante de uma mulher exaurida pelos afazeres de casa e do fogão. "Vimos seu rosto, avermelhado, alegre, estimulado, os olhos brilhantes como os de um esquilo. Não estava exatamente bêbado, mas a inclinação do chapéu e o balanço dos ombros nos diziam que não havia poupado no Borgonha". O vinho que pontua, sem nenhum exagero, o livro de Fante é também o vinho da missa, símbolo de toda carga moral e religiosa de seu ambiente – uma comunidade ajoelhada ao catolicismo. Quando o novo padre do colégio de Jimmy foi visitar os Toscana, seu pai seguiu uma rotina imutável, que dava orgulho à casa: o visitante era convidado a descer até a adega cavada na terra onde havia quatro barris de cinquenta galões de vinho – cem galões amadurecidos e cem no processo de fermentação. A subida posterior, com a jarra cheia de vinho fresco e proibido, "as gotículas da espuma ainda borbulhantes", era motivo de júbilo.

DC de 17/4/2010

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