sexta-feira, 19 de março de 2010

A musa na garrafa

O vinho flui numa linha do tempo mais do que literária. Esse percurso pelas letras, na verdade uma seleção de textos onde o vinho tem presença marcante – algumas vezes a bebida é protagonista, outras, indispensável, sorrateira, iluminada coadjuvante–, foi estabelecido pelo escritor Waldemar Rodrigues Pereira Filho no livro A Alma do Vinho (Editora Globo, 2009). Pereira Filho emprestou o título de um poema de Charles Baudelaire, o escritor de As Flores do Mal (1857) e Paraísos Artificiais (1860), este último um polêmico "tratado" onde descreve o estado de se estar sob o efeito de drogas e álcool. Alguns dos poemas de Baudelaire dão peso à coleção literária. Mas a linha começa mesmo lá atrás, com o Livro do Gênesis, tratado como a primeira menção à vinha e ao vinho e, também, à embriaguez. A Bíblia é contemplada ainda com As Núpcias de Caná, de São João. Posteriormente aparecem uma ode de Horácio, o poeta e filósofo da Roma de Júlio César, e um fragmento do soldado e poeta grego Arquíloco de Paros (680-645 a.C.): "Na lança, meu pão macerado; na lança, o vinho ismárico; reclinado na lança, eu bebo..." "As referências ao vinho são, nesse momento da produção literária da civilização ocidental, algo tão natural quanto respirar...", escreve o autor numa das notas introdutórias. As grandes obras de Homero, Ilíada e Odisseia, são outros exemplos desse fervor, não contemplados na obra. O arco de autores escolhidos por Pereira Filho é abrangente no que se refere a gêneros e tradições (poesia e prosa, clássicos e populares), e tem ineditismo ao trazer à cena do vinho mais autores brasileiros e portugueses, entre eles: João do Rio, Mário Quintana, Gil Vicente, Mário de Andrade, Tomás Antônio Gonzaga, Álvares de Azevedo, Camilo Castelo Branco, Cruz e Souza, Machado de Assis, Eça de Queirós e Hilda Hilst – o fecho de ouro da edição, com "Alcoólicas", do livro Do Desejo (1990). O crítico literário Manuel da Costa Pinto escreveu na sua coluna "Rodapé", na Folha de São Paulo, que o livro deveria ser considerado como uma espécie de bíblia para "dipsomaníacos convictos, orgulhosos e, sobretudo, letrados", em tempos nos quais a apreciação do vinho constitui o "último bastião contra a barbárie e a breguice sanitárias". Vale ressaltar que o livro de Pereira Filho é irmão mais novo da obra de Charles Coulombe, The Muse in The Bottle:
Great Writers on the Joy of Drinking
(Citadel,2002), onde estão contemplados outros grandes escritores da literatura mundial, como Mark Twain, Charles Dickens, F. Scott Fitzgerald e Evelyn Waugh.

DC de 19/3/2010

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