quinta-feira, 19 de setembro de 2013

O vinho ético da Sicília

O jornal italiano Corriere della Sera batiza de ético o vinho produzido pela vinícola Centopassi na Sicília. Isso porque trata-se de um vinho feito com uvas que nascem em terras confiscadas de mafiosos. É considerado ético também porque é elaborado na esteira da cultura biológica, natural, que respeita o meio ambiente e, principalmente, a tradição dos viticultores da região. Mas o apelo dessa origem – “terras dos chefões da Cosa Nostra” – por si só não bastaria para que os vinhos alcançassem tanto sucesso, como vem acontecendo em grandes feiras internacionais. “A nossa ideia fixa agora é a busca da excelência”, disse ao Corrieri o jovem Francesco Galante, que comanda a Centopassi, o braço vinícola da Libera Terra. O site da inglesa Jancis Robinson tem sido generoso com esses vinhos sicilianos enquanto outros críticos são unânimes em apontar os avanços na qualidade da bebida. As 200 mil garrafas produzidas pela Centopassi são vendidas na Europa, mas já chegam aos Estados Unidos e ao Japão. Nada mal para uma vinícola que teve sua primeira colheita em 2006. A Centopassi é resultante da fusão de três cooperativas (Libera Terra, Cooperativa Sociale Pio La Torre e Cooperativa Sociale Placido Rizotto) e trabalha em 90 hectares de vinhedos na região de Palermo e também na província de Trapani e Agrigento, terras legalmente confiscadas pelo estado italiano e confiadas a organizações populares. Além das uvas e dos vinhos, a Centopassi produz pastas, azeite e cultiva legumes. A Itália, em conjunto com a União Européia, já investiu 1,2 bilhão de euros em projetos de reaproveitamento e integração das terras dos mafiosos à economia formal na Sicília, mas também na Calábria, Puglia e Campânia. O governo não nega que está interessado nos empregos que as iniciativas podem gerar. No início do ano passado, foram notícia os investimentos do banco Unicredit feitos na recuperação de 150 hectares de vinhedos perto de Palermo, de propriedade de Michele Grego, o papa, morto na prisão em 2008, sentenciado por vários assassinatos, entre eles o do general Carlo Alberto Dalla Chiesa, conhecido pelo combate à máfia. Na descrição técnica de seus vinhedos, a Centopassi faz questão de incluir originais itens que mostram seu engajamento político. Nos vinhedos de Scheda Vigna Pietralunga, em Monreale, anuncia que as variedades grillo e chardonnay estão em terras de Simonetti, do clã dos Riina. A Scheda Vigna Muffoletto, onde se cultiva a trebbiano toscano, foi confiscada de Genovese, da família mafiosa de Giovanni Brusca. Alguns personagens da luta contra a máfia também aparecem nas fichas técnicas de seus vinhos varietais. O Rocce di Pietra Longa Grillo Terre Siciliane IGT 2012 (100% da uva Grillo) foi dedicado a Nicoló Azoti, sindicalista de Baucina, assassinado pela máfia, “para que sua memória possa ser difundida de maneira indelével na nossa consciência”. Terre Rosse di Giabbascio Catarratto Terre Siciliane IGT 2012 (vinho com certificação biológica) homenageia o dirigente comunista Pio La Torre, “por sua incessante luta pela paz e pela justiça”. Tendoni di Trebbiano Sicilia IGT 2011 é dedicado a “todos os cidadãos que, conhecendo a arrogância e violência da máfia, tiveram a coragem de reagir e levantar a cabeça restituindo dignidade e esperança à própria terra”. Giuseppe Peppino Impastato é um deles. Argille di Tagghia Via Nero d’Avola Terre Siciliane IGT 2012 faz uma homenagem especial a esse jovem morto pela máfia, “cujas ideais continuam apaixonando quem ama a liberdade”. O próprio nome da vinícola Centopassi (cem passos, em português) foi emprestado do filme I Cento Passi(2000), de Marco Tullio Giordana. O filme conta a história de Peppino, que enfrentou um chefão que morava a cem passos da sua casa. O jovem militante antimáfia que lutava via rádio a partir de Cinisi foi morto em 1978, durante campanha como candidato à prefeitura da sua cidade. Gaetano Badalamenti, mafioso traficante de heroína, mandou amarrar o corpo de Peppinonum trilho de ferrovia e o explodiu com TNT. P.S.: Vale a pena ler Palmento – A Sicilian Wine Odyssey (University of Nebraska Press/2010), no qual Robert V. Camuto dedica um capítulo inteiro a suas andanças por Corleone e toda Sicília e os primeiros passos da Centopassi. DC de 20/9/2013

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