quinta-feira, 5 de setembro de 2013

Champagne no iPhone

O jornal The Washington Post não perdoa os excessos dos vinicultores da região de Champagne, no nordeste da França. E isso, desta vez, nada tem a ver com a defesa intransigente que os orgulhosos franceses fazem de seus vinhos e terroir. O colunista Brian Fung, do site de tecnologia The Switch chama-os de esnobes e os trata como radicais porque agora estão implicando, vejam só, com a cor champanhe com a qual a Apple quer "pintar" alguns modelos de iPhone. “Não podemos sequer dizer que a cor champanhe existe", satirizou Charles Goamaere, diretor de um comitê de defesa do vinho da Champagne. Para ele, champanhe é só vinho. E faz um alerta à Apple sobre esse artifício da cor. Como se a gigante de informática precisasse da carona etílica. Anos antes, como relata o jornalista Brian Fung, a patrulha já tinha avançado para além da indústria dos vinhos. Em 1987, o mesmo comitê processou a Perrier, que fazia o marketing de seus produtos com o slogan: "a champagne das águas minerais". Em 1993, os defensores do vinho da Champagne também correram atrás de um perfume homônimo da alquimia de Yves Saint Laurent. E nem mesmo um singelo iogurte lançado na Suécia em 2002, aromatizado com champanhe, passou no crivo do comitê. Agora, os iPhones. Há os que acreditam que Goamaere transbordou do mote justo de um antigo ditado champanês: "Il n'est champagne que de la Champagne" (Não é champanhe senão o da Champagne). Esse dito há mais de um século passou de ecos entre vinhedos para as tábuas da lei. Hoje somente o vinho produzido em condições especiais na Champagne pode usar esse nome. Não à toa, vinho produzido com mesmo método e mesmas cepas não é champanhe e, sim, cava (Espanha), prosecco (Itália), sekt (Alemanha), espumante (Brasil),.. Há até gente querendo arranjar um nome fantasia para o nosso. Imagine como os franceses ficaram irritados, e desta vez com razão, quando se depararam com uma garrafa do Korbel Champagne, um vinho feito no norte da Califórnia ! "É difícil reclamar da França por ser tão protecionista quando vemos e apreciamos as condições especiais sob as quais o real champagne é manufaturado", escreve o especialista Mark Oldman. As especificidades da região estão no solo calcário e no clima frio, que deixa as uvas com grande e desejável acidez. Champagne é hoje o vinho produzido em zona vinícola 150 quilômetros a nordeste de Paris, compreendendo o Vale do Marne, a montanha de Reims e a Côte des Blancs – área que abraça 167 municípios do Marne, 63 de Aube e 27 do Aise. São cerca de 25 mil hectares de vinhedos destinados às cepas pinot noir (35%), pinot meunier (35%) e chardonnay (27%). O processo (champenoise), extremamente trabalhoso, também é fundamental nessa rotina que busca a qualidade. São etapas complicadas que exigem grande dedicação. Para se ter uma ideia, a sequência de prensagens são delicadas e os vinicultores têm de induzir uma segunda fermentação, aquela que dá ao vinho a espuma, garrafa por garrafa. Foram justamente essas características especiais que os vignerons levantaram como bandeira na Revolta da Champagne, em 1911. Saíram às ruas, queimaram e depredaram lojas de negociantes que estavam adulterando vinhos da Champagne, com mostos de outras regiões. Foi o início de um movimento que levou às AOCs (Apellations d'Origine Controlées) – ou seja, delimitação de territórios e normatização de produção de cada vinho. Um movimento de proteção inicialmente de viticultores, ampliada para uma questão maior de preservação de uma identidade cultural. Os interessados na origem desse "sentimento francês" deve ler o completo estudo de Kolleen M. Guy When Champagne Became French (The John Hopkins University Press/2007). Um sentimento muito distante da atual teoria da cor do Comitê de Champagne.

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