sexta-feira, 7 de junho de 2013

Do Líbano, pela concórdia.

O jovem vinicultor libanês Marc Hochar comanda na próxima terça-feira-feira (11), no restaurante Arola-Vintetres, em São Paulo, um jantar de harmonização com cinco vinhos do Château Musar, vinícola tocada pela família há mais 80 anos em Ghazir, no Vale do Beka'a, região que o pai de Marc, Serge Hochar, chama de “Jardim do Eden", um terroir de herança bíblica. Os vinhos dos Hochar vêm da Fenícia. O proposital anacronismo acima é, evidentemente, uma homenagem aos Hochar, associando-os aos ancestrais fenícios, que produziam disputados vinhos na Antiguidade, no mesmo território hoje libanês onde a família cuida de seus vinhedos. Os “homens dos mantos vermelhos” (como diziam os gregos) eram também corajosos mercadores que zarpavam com seus navios em crescente rota comercial pelo Mediterrâneo. Estão aí 750 ânforas de vinho e azeite que os robôs do oceanógrafo Roberto Ballard há poucos anos encontraram e fotografaram nas profundezas do mar – carga de um navio fenício, com destino ao Egito, que naufragou 2.800 anos atrás diante de Askhelon (hoje Israel) – sinais concretos da vitalidade mercantil desses povos. Os Hochar também são bons mercadores. E a presença de Marc em São Paulo é a versão mais moderna e atualizada desse ímpeto comercial. Marc costuma dizer que enquanto seu irmão Gaston cuida do "líquido", ele cuida da "liquidez" do Château Musar. Hochar vem a convite do antenado importador Ciro Lilla, que desde 1995 tem rótulos do Château Musar no catálogo da sua Mistral. Serge Hochar, pai de Marc, um engenheiro que estudou enologia em Bordeaux, sob as vistas de Emile Peynaud, foi o primeiro timoneiro da família. Sempre seguiu os princípios do pai Gaston, que defendia, já nos anos 30, todos os esforços para a recuperação da qualidade dos vinhos libaneses. O primeiro vinho de Serge Hochar foi engarrafado em 1959, de uvas colhidas em 1956. Até a década de 70, suas safras escorriam nas mesas elegantes da Beirute de ares franceses, e pouca coisa também nas casas fraternas de outros alegres libaneses. Essa lógica foi quebrada com a guerra civil (1975-1990) e outras escaramuças no Oriente Médio. As vendas ao mercado interno desabaram. Mas a hipótese de diminuir a produção nunca foi colocada sobre a mesa dos Hochar. Mantê-la era empunhar uma bandeira contra a hegemonia da violência e da intolerância. Serge decidiu correr todos os riscos. Em meio a bombas e rajadas de fuzis, terreno minado pelo ódio entre muçulmanos e cristãos, conseguiu arduamente manejar seus vinhedos e transportar suas uvas para a vinificação. Nesse momento, Serge teve de assumir o leme agora de um barco com carrancas, rumo à Europa. Com uma carga de tintos, o vinicultor desembarcou para a Bristol Wine Fair de 1979. Teve a sorte de encontrar fundamental reconhecimento nas papilas do crítico britânico Michael Broadbent e do jornalista Roger Voss. Nesses vinhos, as uvas de terroir libanês se expressavam em vinhos de “receita” francesa. Os tintos do Château Musar são basicamente feitos com a "estruturante" Cabernet Sauvignon, Cinsault e Carignan (mais marcante que a plantada no Languedoc-Roussillon, segundo os Hochar). O veredicto de Broadbent viajou o mundo e passou a conquistar outros países. Por isso é que se diz que Serge recolocou os vinhos libaneses no mapa da vinicultura internacional. Seu destemor em enfrentar as agruras da guerra lhe valeu também o título de homem do ano da revista Decanter, o primeiro da série inaugurada em 1984. Nas mesmas ondas desbravadas pelo Château Musar viajam hoje outros vinhos do país, também de grande qualidade, principalmente os produzidos pelo Château Kefraya, na vila de Kefraya; pelo Château Ksara, a vinícola mais antiga de todo o Líbano, iniciada com jesuítas em 1857, com magníficas adegas subterrâneas romanas de mais de 2 quilômetros; e o Domaine des Tourelles, em Chtaura. O interesse internacional pelo terroir libanês tem despertado ainda novos negócios no país. A moderna vinícola IXSIR, em Basbina, iniciada em 2007, tem explorado seis terrenos libaneses, de 400 a 1.700 metros de altitude, de norte (Batroun) ao sul do país (Jezzine). Notícias dão conta que a sangrenta guerra civil na Síria já transborda para o território libanês, levando ao país bombas e mais de 180 mil refugiados. As provocações sem fronteiras do Hezbollah também acirram ânimos. O Château Musar continua em frente, como sempre. Como a dizer que é preciso viver. DC de 7 de junho de 2013

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