quinta-feira, 30 de maio de 2013

The New York Wines

Frank J. Prial (1930-2012) escreveu sua primeira coluna sobre vinhos no New York Times em 1972, época em que os americanos ainda compravam seus vinhos em garrafões, sem distinção. Repórter que tratava dos assuntos da cidade de Nova York, ao ser convidado para a tarefa pelo editor do jornal, Prial respondeu que iria tentar por alguns meses. Afinal, não se sabia nada do interesse dos leitores sobre vinhos. Sua crítica, iniciada com a coluna semanal Wine Talk, durou mais de 40 anos. Era a primeira vez que um jornal americano de interesse geral, fora do âmbito das publicações especializadas, se aventurava nessa direção. Foi um sucesso que acompanhou não só a evolução do interesse do americano pela bebida, mas a da própria transformação da indústria vinícola dos Estados Unidos, encabeçada principalmente pelo empresário vinicultor Robert Mondavi (1913-2008). “Muitos desses vinhos de garrafão [dos anos 70] recebiam nomes ligados ao Velho Mundo – Chablis, Chianti, Rhine Wine, Hearty Burgundy – porque, antes de tudo, o vinho era pensado como europeu por natureza. Na verdade, muitos dos históricos vinhedos da Califórnia foram plantados por imigrantes europeus que não queriam deixar milhares de milhas entre eles e sua bebida diária”, explica Eric Asimov, atual crítico de vinhos do NYT. Foram nessas décadas de pioneirismo de Prial que as regiões vinícolas da Califórnia, como o Vale do Napa e o Russian River Valley, se firmaram como das melhores do mundo, “bebendo” na experiência e na “carta” de novas uvas europeias e globais. Foi também o período no qual os Estados Unidos passaram a olhar para os vinhos finos de Bordeaux e os envelhecidos Borgonhas (isso antes do lançamento da Wine Spectator e do advento Robert Parker Jr. e a propagação irremediável de seu ranking), tornando-se hoje os maiores consumidores de vinhos do mundo. É essa a história que pode ser revivida em The New York Times Book of Wine (Sterling Epicure/2012) – uma elegante coleção de 156 artigos assinados tanto por Prial quanto por Asimov, passando por nomes como Florence Fabricant, R.W. Apple Jr., William Grimes e Frank Bruni. Howard G. Goldberg, editor do livro, derrama-se em elogios a Prial: um genial observador da "Comédia Humana", que tinha tolerância zero em relação aos pretensiosos, realizando punções com a palavra, mas sem inflingir dor aos leitores. Causou certa comoção entre especialistas uma sua coluna de 2000 intitulada “So Who Needs Vintage Charts” (Então, quem precisa de uma tabela de safras?), na qual ele decretava certa inutilidade dessas tabelinhas com avaliação das safras por países, que durante anos ele mesmo arduamente compunha e atualizava. A inutilidade vista por Prial viraria óbito para os leitores do NYT. A tradição antiesnobismos de Prial encontrou continuidade na pena de Asimov, “educadamente cético”, “comentarista pró-consumidor”, que aproximou o vinho da mesa dos simples mortais, tratando-o também como um objeto cultural, como observou Howard. O primeiro artigo trata justamente do saca-rolhas, essa peça fundamen tal da cultura do vinho, que pode variar do prático waiter's friend de US$ 10 a sofisticados e bem desenhados como o australiano Code-38, de US$ 410. Asimov vai no ponto: todos abrem igualmente a sua garrafa para o prazer. Durante toda a sua carreira, Prial foi crítico da linguagem cifrada dos escritos sobre vinhos – “um subgênero da língua inglesa” que tem sua versão e seus excessos em todos os idiomas. E servem mais para afastar do que para atrair novos consumidores. Prial também ficava atônito com as descrições lidas nas cartas de vinhos dos restaurantes. “Uma Pol Roger 1979 custa US$ 35, e no Anotherthyme é isso o que você vai levar com seu dinheiro: “lírios frágeis abençoados, com permanência de granito. Fabuloso, Champagne de vintage intemporal". O oxímoro 'timeless vintange' soa até bem diante dos lírios e do granito, consolava-se Prial. Mesmo toda essa carga de adereços pode estar fadada ao fracasso. Segundo o "herege" Asimov, o vinho degustado e descrito pelos críticos, o que estes encontraram na taça, num dia "x", num salão "y", pode estar oceanicamente distante do vinho bebido pelo mortal apreciador na sua informal mesa de amigos. Sem contar que a "variação do gosto" pode se dar numa onda ainda mais curta, no período do encontro, quando o vinho é capaz de vibrar e criar surpresas, epifanicamente, com a rapidez e a fugacidade de um pirilampo, como já escrevi aqui, parafraseando Asimov. P.S.: Para mais artigos de Frank J. Prial, recomenda-se Decantations (St. Martin’s Press/2001). De Eric Asimov há o How to Love Wine – A memoir and Manifesto (William Morrow/2012), aqui já resenhado. Diário do Comércio de 31/5/2013

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