terça-feira, 4 de maio de 2010

Baco versus Silenus Embriagado

Historiadores do vinho apontam dois dos maiores inimigos da bebida ao longo dos tempos: os cobradores de impostos e os falsos moralistas. A Lei Seca nos Estados Unidos é uma das manifestações mais dramáticas. Os moralistas jogam pesado contra a bebida e qualquer possibilidade de embriaguez. Guerras filológicas, nada filosóficas, são travadas para tirar o álcool do vinho bíblico. Há quem pense em reduzir a alegria e o carpe diem dos poetas persas Omar Khayáam e Hafiz de Shiraz a meras metáforas espirituais. Sempre que essas questões vêm à baila, empresto algumas idéias do polêmico filósofo francês Michael Onfray, autor de A Razão Gulosa (Rocco), que faz uma abordagem hedonista sobre o tema, defendendo o vinho, acima de tudo. Onfray faz questão de ressaltar que a embriaguez pode ser mágica quando leva a lugares que esclarecem e iluminam a razão. Os filósofos gregos sabiam disso – o symposium era movido a vinho. Onfray é contra as bebedeiras do alcoolismo, que fazem o usuário "um objeto que se sujeita e não um sujeito que deseja". Dois quadros ilustram bem a dicotomia que envolve esse "alimento de duas faces". Em Silenus Embriagado 1617-18), de Rubens, temos o bêbado com olhos atormentados, corpo entregue à sorte, desorientado. "Atentado violento à bipedia e à civilização”, anotaria Onfray. No Baco (1593-94) de Caravaggio temos a expressão de uma alegria antecipada da experiência inebriante. Suspensão da razão como exercício metafísico, abertura do espírito para coreografias de novas percepções, mas nunca "o aniquilamento da razão".

DC de 30/abril/20010

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