segunda-feira, 10 de maio de 2010

Agora, só lembranças

Um dos proprietários do restaurante instalado em elegantes salões do Jockey Clube de São Paulo, na rua Boa Vista, se aproxima da nossa mesa.
– Boa tarde, Dr. Sérgio. Li sua coluna sobre champagnes. Já comprei minha Henriot. Vou abri-la amanhã, diz, confiante na qualidade da bebida que haveria de provar.
O crítico de vinhos Sérgio de Paula Santos escrevera na sua coluna semanal "Adega", no espaço desde hoje tristemente vazio, que os champagnes Henriot recém-chegados ao Brasil tinham encantado os degustadores. É uma das cinco casas ainda nas mãos de empresas familiares como a Bollinger, Paul Roger, Roederer e Gosset. Havia mais de três décadas escrevendo sobre vinhos, Paula Santos fazia questão de acrescentar informações culturais e históricas às suas notas. Seus leitores gostavam das posições corajosas, independentes. Não foi à toa que ele foi abordado várias vezes por comensais no restaurante do Jockey. Tinha escrito que gostara dos champagnes Henriot, mas reclamara da "parte sólida" da festa de degustação: o creme de lagosta estava frio e faltaram talheres de peixe. Ele me convidara para almoçar, queria conversar sobre a revitalização da Academia Brasileira de Gastronomia, um dos projetos que encarou com garra até o fim. Era a segunda vez que nos encontrávamos. A primeira, ali mesmo no Jockey, brindamos a publicação no DC da sua coluna de número 200, na companhia de Moisés Rabinovici, diretor de redação do jornal, e da repórter Lúcia Helena de Camargo, responsável pelas críticas gastronômicas. Sérgio trouxe para o almoço um Carmenère no melhor estilo BYOB (Bring Your Own Bottle). E durante a conversa relembrou sua tese: "Se a cultura e as tradições alimentares sobreviverem, certamente também poderão sobreviver importantes identidades nacionais". Gostava da mesa de amigos, da mesa familiar, que, em tempos globalizados, podem ser cenários resistentes a qualquer tipo de banalização.
À saída do restaurante, nova abordagem.
– Prazer em vê-lo, Sérgio, despede-se Delboni, que durante décadas esteve à frente de um dos maiores laboratórios de análises clínicas do País. Ele fez questão de citar uma sentença curta e pragmática de Paula Santos.
– Perguntei-lhe se um determinado vinho francês de 15 anos ainda estaria bom. E ele me respondeu sem titubear: "primeiro, Delboni, é preciso abrir a garrafa, meu caro".

DC de 7/05/2010

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