segunda-feira, 8 de junho de 2015

Vinhos bordados

Os madeirenses fazem poesia ao integrar, em um único instituto, bordado e vinho. Ilha portuguesa com 740 km² de extensão, a Madeira é a principal peça de um arquipélago atlântico composto também pelas ilhas Porto Santo, Desertas e Selvagens. O bom é constatar que a Madeira não caiu na tentação das burocracias tentaculares. Concentrou dois dos seus mais caros frutos em um único órgão, o Instituto do Vinho, do Bordado e do Artesanato da Madeira (IVBAM), que é responsável por sua promoção. Em recente newsletter do IVBAM, aos bordados acrescentaram-se flores e indicação de chefs locais (Elutérios Costa, da Estalagem Ponta do Sol; Júlio Pereira, do Hotel Choupana Hills, e Mariana Correia, do Restaurante Santa Maria). De um lado, temos o trabalho de 30 empresas e 3.000 bordadeiras que dão vida a linhos, sedas, cambraias, marcando-os com pontos precisos (Arrendado, Bastido, Folha Aberta e Fechada..), ofício que obedece a uma tradição secular. Os tecidos viajam ao campo, onde as bordadeiras moram e trabalham, e depois voltam às fábricas, principalmente para a capital Funchal, para a certificação. Uma feira de bordados realizada na ilha em 1850 marcou o início da comercialização desses bordados. No ano seguinte, foram mostrados na Feira Internacional de Londres e passaram a ganhar o mundo. O mesmo capricho das bordadeiras têm os produtores do vinho Madeira, ali produzido desde a primeira metade do século XV, apenas 25 anos depois da descoberta do arquipélago, em 1419. Até 1466, a cana era o principal plantio da ilha, mas a concorrência do açúcar brasileiro acabou levando os agricultores madeirenses a apostar no solo vulcânico da ilha com a plantação de mais vinhedos. A partir daí, o vinho Madeira seguiu as bem-sucedidas rotas comerciais dos séculos XVI ao XVIII, alcançando não somente a Europa, mas também as Índias e as Américas. Não é necessário dizer que os ingleses estiveram à frente das exportações, impulsionando os negócios desde os primeiros momentos da florescente indústria. Hoje a área vinícola da Madeira tem cerca de 400 hectares, com vinhas montadas em socalcos e em acentuados declives, que ajudam a compor uma paisagem idílica. Esse vinho único é feito principalmente a partir das castas Sercial, Verdelho, Boal, Malvasia, Tinta Negra, manejadas por centenas de pequenos viticultores. Já nas vinícolas, o vinho é preparado, envelhecido e engarrafado. (H.M. Borges, Vinhos Barbeito, Pereira de Oliveira, Justino’s Madeira Wines, Henriques & Henriques e J. Faria & Filhos são alguns dos negociantes respeitados.) A receita da fortificação do vinho Madeira precisa de cuidados de bordadeira, como garantia de perfeição e elegância. A interrupção da fermentação, para a adição do álcool vínico, tem de ser feita com precisão, de acordo com o grau de doçura que se pretende com o vinho. Madeira que pode ser seco, meio-seco, meio-doce e doce. Um dos métodos de envelhecimento, o de estufagem (há também o “canteiro”), é aplicado ao Madeira desde o século XVIII. O processo de “aquecimento” do vinho (hoje serpentinas ao redor das cubas de aço inox) foi criado para “imitar” os bons vinhos Madeira que em outros tempos viajavam o mundo, enfrentavam sol e balanço, e retornavam ao Funchal ainda melhores. Até hoje tem dado certo. O vinho cor de âmbar, licoroso, com clássico bouquet de caramelo, baunilha e frutos secos, em taça levantada por George Washington para brindar a Declaração de Independência dos Estados Unidos, em 4 de julho de 1776, era um Madeira.

Nenhum comentário: