sexta-feira, 9 de maio de 2014

Corvos ingleses

O que faz aquele punhado de homens com barbichas pontudas e enormes golas de tule naquela taverna londrina, copo de Bordeaux nas mãos, em tarde fria de 1641? Certamente discutem e reforçam a indignação pública que tomou conta da cidade depois de descobertos os termos do contrato celebrado pela Vintners’ Company of London com o rei Charles I (1600-1649), poucos anos antes da desastrosa Guerra Civil que levou o monarca à execução e ao interregno da Commonwealth de Cromwell. O acordo, tendo à frente os "puritanos" Alderman Abell e Richard Kilvert, praticamente garantia o monopólio do varejo do vinho à empresa, em troca de impostos que seriam pagos ao rei sobre cada tonel da bebida importada. O trato previa ainda que a Vintners compraria anualmente dos importadores 4 mil tonéis de vinho espanhol e mais 5 mil de vinho francês para distribuir. O Jerez tinha sido a bebida de Shakespeare: seu personagem Falstaff não cansa de tecer loas ao Amontillado. O vinho de Bordeaux era ainda mais que popular: graças ao casamento de Henrique II com Eleonor da Aquitânia, em 1152, os vinhedos de Bordeaux eram dos ingleses e com eles ficaram durante três séculos. Em troca dos impostos a Charles I, os negociantes seriam liberados a recuperar os impostos aumentando os preços dos produtos - antiga história do consumidor pagando a conta. O polêmico episódio, com todos seus detalhes, entrou para a história do comércio inglês graças à série de folhetos publicados no calor da hora e devidamente preservados no British Museum. O caso foi narrado depois emThe History of Wine Trade in England, de André L. Simon. A gravura no alto retrata Alderman e Richard orgulhos com seu documento de patente. A petição ao rei, de 1638, dizia que os negociantes de vinho de toda Inglaterra concordavam com a taxa de 40 schillings, mas nem tudo era consenso e muitos se recusavam a pagar. Os varejistas, de seu lado, logo começaram a protestar contra os atravessadores, que impunham a quantidade e a qualidade dos vinhos a serem adquiridos. Até que o caso foi parar na Câmara dos Comuns. O Parlamento concluiu que os dois negociantes eram os chefes de um esquema, estavam enriquecendo ilicitamente e teriam enganado o rei. A dinheirama foi confiscada e teve de voltar aos londrinos comuns. WINES INTO WORDS - O advogado e escritor James Gabler tem o vinho como hobby, com biblioteca específica de 1.700 títulos e adega de 2.000 garrafas. Escreveu importantes livros sobre o vinho na vida de presidentes americanos como Thomas Jefferson, mas seu trabalho de fôlego é a compilação da bibliografia sobre vinhos existente em língua inglesa. É em Wine into Words (Bacchus Press/1985) que temos as fontes para a história ao lado. O TEMPO E O VINHO - As vinhas cresciam selvagens em terras britânicas há 50 milhões de anos. Desapareceram no período mais frio da Idade do Gelo, mas ressurgiram nos últimos dois milênios, com os romanos, e depois, na Idade Média, sempre nas regiões menos frias. Para o futuro, o aquecimento global deve ajudar a viticultura em outras áreas da ilha. A relação dos vinhedos com as mudanças climáticas é tema do estudo The Winelands of Britain: Past, Present & Prospective (Petravin/2004), do geólogo Richard Selley . DC de 9/05/2014

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