quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

Resistência à italiana

Nino Bronda, pequeno vinicultor italiano com algumas fileiras em Nizza Monferrato, na região de Asti, Piemonte, há décadas cobra de políticos e autoridades italianas uma posição sobre os compostos "venenosíssimos" que continuam a ser despejados nas lavouras do país. Muitos desses políticos, segundo Nino, se mantêm nos cargos graças justamente ao "progresso della chimica". Diz ainda que “agora basta um pouco de pó e parece que tudo fica bem. Essas mesmas preocupações de Nino sobre agricultura natural alcançam hoje outros viticultores da Itália e são a base de Natural Resistence, novo filme do sommelier e cineasta Jonathan Nossiter. O documentário de 86 minutos acaba de ser exibido no Festival de Cinema de Berlim. As cenas registraram o dia a dia, as opiniões, e os métodos de manejo da terra e da preparação do vinho nas propriedades de Giovanna Tiezzi (Pacina, no Chinti), Elena Pantaleoni (La Stoppa, no oeste da Emilia- Romag na) e Stefano Bellotti, (Cascina das Oliveiras, Alessandria, Piemonte). E com um filme de Nossiter na praça, o mundo do vinho acende um alerta. Há de se lembrar que, há cerca de dez anos, em Mondovino, Nossiter atacou sem piedade a globalização do vinho, mostrando como a produção na França está cada vez mais padronizada, o que leva a uma queda de identidade e qualidade. Os tiros do cineasta acertaram em cheio pelo menos duas personalidades da área: Michel Rolland, o famoso consultor de vinhos que viaja o mundo inteiro oferecendo estilos de produção a vinicultores sedentos do mercado global, e Robert Park, o crítico de vinhos americano, que com seu ranking pessoal teria criado uma hegemonia do gosto, principalmente no grande mercado dos Estados Unidos. Natural Resistence não é uma continuação de Mondovino, como Nossiter faz questão de ressaltar, mas não há como negar que os dois filmes se completam. A visão sobre os vinhos na Itália é bem mais otimista, já que Nossiter conheceu grupos de viticultores alternativos e independentes trabalhando na direção de uma viticultura natural e orgânica (sem pesticidas) e de uma vinicultura de tradição (sem aditivos). E mais, produtores ligados a seu terroir. O documentário trata também das rígidas regras da União Européia e do sistema classificatório Denominazione di Origine Controllata (DOC), que acabam privilegiando os gigantes da indústria, que produzem em grandes quantidades. Nossiter intercalou no documentário suas incursões - câmera na mão - pelos vinhedos, com cenas de filmes clássicos como Roma, Cidade Aberta, de Rossellini, Disque M para Matar, de Hitchcock, e A Corrida do Ouro, de Charlie Chaplin. Para isso, contou com a curadoria de um amigo da Cinemateca de Bologna. A ideia era comparar a restauração desse patrimônio cinematográfico, que ocorre em Bologna, com o resgate da cultura tradicional do vinho. A visão de Nossitier sobre vinhos obedece a uma lógica familiar e social da produção, o homem ligado à terra e aos frutos do trabalho. Mas há muita poesia na sua prospecção, poesia que um apaixonado por vinhos nunca consegue esconder. P.S.: Mais ideias de Nossiter sobre vinhos estão em Gosto e Poder - vinho, cinema e a busca dos prazeres (Companhia das Letras/2009) Diário do Comércio de 21/02/2014

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