sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

A rolha nossa de cada dia

Aquele performático funeral em Nova York, organizado pelo vinicultor californiano Randall Grahm, entrou para a história dos vinhos e da arte. No caixão, Monsieur Thierry Bouchon (brincadeira com a palavra francesa para saca-rolhas, tire-bouchon). Ao lado do finado, a crítica inglesa Jancis Robinson exclamando: Oh, Corky, Oh, Corky, para um "corpo" todo feito de rolha (cork, em inglês), escultura do descolado artista Wes Modes. A revista Wine Spectator aderiu à brincadeira e publicou um obituário: Thierry Bouchon (1585-2002), conhecido pelos amigos como Corky, teria morrido depois de uma longa doença, sendo a toxina 2,4,6-Tricloroanisol (TCA) a responsável por sua partida. TCA é o composto resultante do fungo que ataca a cortiça e acaba estragando e comprometendo os vinhos, mal que atingiu seu pico nas últimas décadas do século 20. Quem não passou por um vinho bouchonné, com seu aroma de papel molhado ou papelão mofado, levante a mão. Algumas pesquisas mostram que até 6% das garrafas produzidas em todo mundo foram contaminadas e descartadas nos piores momentos da "praga". As viúvas de Corky, principalmente as do Novo Mundo, partiram com razão e sem compaixão para novos relacionamentos, com rolhas sintéticas (e até coloridas) e screwcaps (vedantes de rosca, em alumínio). Carlos de Jesus Amorim, diretor de marketing e comunicação da Corticeira Amorim – líder mundial das rolhas naturais em parceria com 600 produtores portugueses, a maioria do Alentejo, detentor de 25% do mercado –, deve estar rindo à toa com a anunciada "ressurreição" de Corky. Amorim reconhece que erraram ao dispender muita energia na "guerra de relações públicas" no final dos anos 1990 e pouca no ataque ao TCA, mas diz que já correram atrás do prejuízo investindo pesado em pesquisa e inovação. O controle de qualidade é feito envolvendo os parceiros, desde a colheita. As instalações foram completamente reformadas, os pellets de madeira, aposentados. A parte da cortiça próxima às raízes da planta, mais vulneráveis aos fungos, agora são descartadas. A presença mínima de TCA é detectada por refinados exames com técnicas de cromatografia, levando as peças contaminadas a eficientes escaldamentos profiláticos. "Agora a batalha da indústria de rolhas é para reconquistar o coração dos consumidores", disse Amorim ao jornalista Tom Cannnavan. Todas essas providências têm levado à retomada do mercado. Os vinicultores também gostaram da uniformização e da classificação dos tipos de rolha, com redução das variações de qualidade de vinhos de uma mesma safra guardado sob as mesmas condições. A vinícola australiana Rusden, no Barossa Valley, acaba de deixar as screwcaps de lado, de volta às rolhas de cortiça. Amorim comemora porque os maiores mercados concorrentes estão justamente na Austrália, Nova Zelândia e África do Sul. Na Nova Zelândia, somente 30% das garrafas levam rolhas de cortiça. A Corticeira Amorim tem apoiado movimentos de retorno à rolha natural em vários mercados-chave, como no Reino Unido. O site da empresa informa que "a icônica cave sul-africana Klein Constantia anunciou um retorno à rolha natural no seu Sauvignon Blanc premium, o Perdeblokke Sauvignan Blanc e a vinícola Rutherford, sediada no Vale do Napa, abdicou da utilização de vedantes de plástico devido a problemas técnicos e de sustentabilidade". Os contendores (fabricantes de rolhas naturais e os de vedantes sintéticos) não estão mais em debate sangrento, batalhas que renderam até um clássico com tiradas shakespereanas To Cork or Not to Cork, de George Taber. Todos apostam na força da inovação. A líder das rolhas sintéticas, a Nomacorc, acaba de firmar uma parceria com a brasileira Brasken para o fornecimento do plástico à base de etanol da cana-de-açúcar. O Polietileno I'm Green garante pontos de sustentabilidade à empresa, já que contribui para reduzir a emissão dos gases do efeito estufa. Mas os fabricantes dos polímeros já entram na defensiva: dizem que suas rolhas apresentam o mesmo desempenho das de cortiça, que permitem a entrada controlada de oxigênio. E não têm, absolutamente, TCA. CHINA Desde 2005, o consumo de vinhos não para de crescer na China. Os chineses já ultrapassaram franceses e italianos no consumo de vinhos tintos, mostram números da Vinexpo, uma grande feira de negócios de vinho que terá seu evento asiático em Hong Kong, em maio. Mais de 155 milhões de caixas de 12 garrafas foram vendidas na China em 2013, contra 150 milhões na França. e-BOOK The World Atlas of Wine, de Hugh Johnson e Jancis Robinson, já na 7ª edição, é obra de referência de quem aprecia vinhos e gosta de estudá-los. Foi atualizado para incluir temas como mudanças climáticas. No Brasil, é publicado pela Nova Fronteira. Pois a obra ganhou versão eletrônica, que não é simples adaptação da obra parruda. No i-Pad, o desfile de fotografias é completado com um show de mapas interativos.

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