quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Milagres de Ribera del Duero

Milcampos Viñas Viejas é um vinho de Ribera del Duero, região vinícola no norte da Espanha, preparado com uvas Tempranillo colhidas de antigas parreiras, de baixa produção e, por isso mesmo, garantia de concentração de qualidades. Foi assim que a Bodega La Milagrosa fez um dos seus mágicos serviços. O vinho saído daquele terreno xistoso às margens do Douro, da safra 2010, recebeu 94 pontos da Wine Advocate do crítico Robert Parker, coroando assim o trabalho de formiguinha de uma cooperativa surgida em Ribera del Duero em 1962. O Milcampos ganhou a estrada. No Brasil, importado pela Grand Cru, alcançou ainda mais visibilidade por meio de sites especializados em garimpar preciosidades, como o simpático Sonoma. E, a R$ 55 a garrafa, chegou a ser imbatível na relação custo-benefício, um caro quesito para aqueles apreciadores de vinhos que são simples mortais. La Milagrosa é uma das cerca de 250 vinícolas da região que investem em qualidade, caprichando para que seus vinhos não tenham exagerada madeira. Os vinicultores da então predominante Rioja que se cuidem. Durante pelo menos 100 anos, antes de 1980, os vinhos da Bodega Vega Sicilia eram sinônimo de Ribera del Duero, na região autônoma de Castilla y León – "um posto avançado de fabricação de vinhos finos no meio de campos de beterrabas", como descreve Jay McInerney. Ali eles fazem vinhos desde 1846. Os Vega Sicilia, com seus inigualáveis blends de uvas locais e francesas, têm, digamos, vida própria, como se a região já não fosse tão importante assim. São tidos como os melhores vinhos de toda Espanha. Hugh Johnson trata-o como o Latour espanhol. Cultuados em todo mundo, os Vega Sicilia já nasceram caros – uma garrafa de seu raro rótulo Unico (safra 2002, com 95 pontos RP) não sai por menos de R$ 500. Mas a casa contribuiu, e muito, para despertar e elevar o nível de preocupações de outras propriedades à sua volta. Hoje, quando se fala em Ribera Del Duero, além da Vega Sicilia, é inevitável citar o produtor Alejandro Fernandez e sua vinícola Pesquera. Na lista de bodegas de excelência estão ainda a Dominio de Pingus, Abadia Retuerta e Bodegas Emilio Moro. Já na propriedade de Hermanos Perez Pascua, grandes críticos americanos foram apresentados a vinhos inigualáveis, devidamente acompanhados do mais típico cordero lechal al horno – uma harmonização perfeita para esses tintos espanhóis. A jovem Aalto, vinícola criada em 1999 por Javier Zaccagnini e por Mariano Garcia, respeitadíssimo ex-enólogo da Veja Sicilia, também entra na seleta lista, como grande revelação. E temos mais milagres na região. Mesmo diante do cenário de grave crise econômica vivida em toda Espanha, os vitivinicultores de Ribera del Duero têm motivo para comemorar. O número de garrafas produzidas neste primeiro semestre de 2013 cresceu 3,2% em relação ao mesmo período do ano passado. O avanço é medido pelo Consejo Regulador de la Denominación de Origen Ribera del Duero, a entidade que, entre outras tarefas, controla com mão de ferro a qualidade dos vinhos ali produzidos. O Consejo expediu nos primeiros seis meses deste ano 41.156.419 etiquetas (que são obrigatoriamente colodas nas garrafas). É o quinto ano consecutivo de avanço, com a expectativa de que o recorde de 2012, de mais de 70 milhões de unidades, seja mais uma vez superado este ano. O Consejo está instalado desde março de 2011 numa sede de 4.115 m² em Roa, Burgos, prédio que une o antigo ao moderno e celebra também este bom momento da região. A vitivinicultura da região de Ribera del Duero tem raízes na era romana, mas os vinhedos mais modernos são herança da Idade Média, plantados por monges franceses no monastério cisterciense em Valbuena de Duero. Uma das provas da antiguidade da atividade é um mosaico do século V, na pequena e tranquila vila Baños de Valdearados, que retrata o Triunfo de Baco. Pois parte do mosaico (na reprodução) foi levada por ladrões, como se a primeira página do grande livro espanhol de vinhos tivesse sido rasgada.

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