quinta-feira, 14 de março de 2013

Vinhedos do impossível

Lanzarote, a ilha mais oriental das Canárias, ganhou grande evidência quando lá se "exilou" o escritor José Saramago, em 1991, depois da censura do governo português a seu livro Evangelho segundo Jesus Cristo. Nos Cadernos de Lanzarote, Saramago reuniu escritos da "vida privada" produzidos já na casa de Tías, cercada por um cenário de rochas vulcânicas dos mais áridos. A ilha aprenderia a brindar o Nobel de Literatura, de preferência com seu vinho branco, extremamente mineral, elaborado com a cepa Malvasia de Lanzarote. A vitivinicultura nas Canárias começou no século XV, depois da conquista das ilhas Gran Canaria, Tenerife e La Palma. Com a descoberta da América, a cana de açúcar deu lugar às uvas e ao trigo, para atender desbravadores que dali zarpavam. No século XVI os vinhos das Canárias ganhavam o mundo, chegando com vida à Inglaterra de Shakespeare. Lanzarote foi a última das ilhas do arquipélago a cuidar de suas videiras, a partir de 1737. Mas é lá onde funciona até hoje a mais antiga bodega das Canárias, El Grifo, fundada em 1775. É uma das 17 vinícolas em atividade em Lanzarote, que tiram, literalmente, vinho de pedra. Nas barbas de um dos 250 vulcões de Lanzarote, alguns deles nem tão inativos assim, está a Bodegas Los Bermejos, que tem produzido um vinho tinto de prestígio com a Listán Negro (a versão tinta da uva Palomino, como classifica Jancis Robinson). Além da Listán Negro, da Malvasia (ao nome que os nativos colam a palavra Vulcânica), há boa vinificação a partir das uvas Moscatel, Güal, e a Pedro Ximénez. Os vinicultores da Lanzarote de Saramago sempre enfrentaram os rigores dessa ilha distante da península ibérica e muito mais vizinha da África – está a 100 quilômetros do Marrocos. Lá quase não chove e os ventos saharianos são insistentes. Suas plantações são conhecidas como "vinhedos do impossível": as videiras são plantadas em buracos escavados como pequenas crateras na rocha vulcânica (3 m de diâmetro por 2,5 m de profundidade). E algumas videiras precisam ainda ser protegidas por um pequeno muro em semicírculo. Essas estruturas são "acolchoadas" com uma capa de cinza vulcânica capaz de reter a única umidade disponível, aquela que vem do oceano. Saramago certamente admirava a bravura desses agricultores em terreno inóspito, assim como fez odes aos socalcos da região do Douro, no seu Portugal, também erguidos com destreza e suor. DC de 16/03/2013

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