sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Homo Imbibens

Patrick E. McGovern é um arqueólogo biomolecular da Universidade da Pennsylvania que viaja o mundo atrás das mais remotas evidências da produção de vinho e cerveja, visitando sítios arqueológicos de cidadezinhas perdidas na imensidão chinesa ou escavados nas grandiosas montanhas iranianas. Quando não está em campo, está mergulhado no sofisticado laboratório da universidade, examinando potes e ânforas milenares, peças que guardam menores que microscópicos resquícios de outras civilizações e que têm ajudado a compor a trajetória alimentar do homem. Numa cerâmica de 7 mil anos, retirada das montanhas Zagros, no Irã, identificou, com técnicas de DNA, o vinho de uvas mais antigo já encontrado numa cozinha neolítica. Em Jiahu, província de Henan, norte da China, um vinho fermentado de várias frutas era preparado com sofisticação há cerca de 9 mil anos. Seus livros se tornaram referência dos historiadores – o mais recente, Uncorking the Past (University of California Press/2009), traça um panorama completo das descobertas na área. Mais do que uma linha do tempo, entretanto, McGovern alimenta e vai desvendando o que chamou de Homo Imbibens, mostrando que o álcool ocorre na natureza desde as profundezas do espaço e esteve presente no caldo primordial que pode ter gerado a primeira vida na Terra. A essa visão com gosto de metafísica, mas emprestada da Astronomia, soma a da Antropologia, mostrando que os primeiros hominídeos e chimpanzés tiveram um poderoso incentivo a se empanturrar de frutas fermentadas e outras fontes ricas em açúcar, como o mel, aproveitando ao máximo os frutos só encontrados numa estação. "Era uma excelente solução para sobreviver num ambiente geralmente hostil e pobre de recursos", escreve McGovern. É da lavra do arqueólogo a "hipótese paleolítica" ligada ao vinho, já que não tem dúvidas de que o homem "descobriu" o suco de frutas fermentadas, "apreendeu seus êxtases e perigos", centenas de milhares de anos antes dos primeiros assentamentos e domesticação de plantas e animais. Diz que em algum momento da pré-história, uma criatura não diferente de nós, com olhos sensíveis a frutas supercoloridas, um gosto para açúcar e álcool, e um cérebro familiarizado com os efeitos psicotrópicos da bebida, se moveu da inconsciente procura de frutas fermentadas, como faziam os macacos bêbados, para a produção e o consumo intencionais. Ao levar as uvas de plantas silvestres (Vitis vinifera ssp. sylvestris) das florestas do Cáucaso (muitos estudiosos acreditam que a planta é nativa dessa região do planeta) para sua caverna, o "milagre" se consumou. Frutas maduras transportadas em recipientes de madeira ou em odres primitivos, violentamente sacudidas, liberavam a substância natural presente nas cascas para o início da fermentação. McGovern acredita que dessa forma nasceu um vinho de baixo teor alcoólico, disputado pelos homens das cavernas. A partir da observação, trataram de repetir a experiência. "Era uma espécie de Beaujolais Noveau" da Idade da Pedra, arremata o arqueólogo. O cartunista Leo Cullum tratou de celebrar a experiência pré-histórica: desenhou dentro de uma caverna, três degustadores de então. E um deles proclama como um connoisseur , depois de experimentar a poção natural: "Estou sentindo notas de um fofo mamute!"

DC de 10/set/2010

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