sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

O verão e os vinhos de Hesíodo


Alguns versos de  Os Trabalhos e os Dias , do grego Hesíodo (séc. VIII a.C.), trata da vida agrícola e dos campos em Ascra, na Beócia, onde cultivou seus campos e fez poesia, sempre com vinho e pão à mão. Os versos a seguir (de 582 a 596) foram traduzidos diretamente do grego e do latim pelo poeta e ensaísta Péricles Eugênio da Silva Ramos (1919-1992), e constam do livro Poesia Grega e Latina (Editora Cultrix, 1964).

Verão

Quando floresce o cardo e, na árvore, a cigarra
verte de sob as asas doce canto estrídulo,
no tempo em que o verão é fatigante,
mais gordas vêem-se as cabras e melhor o vinho,
mais sensuais as mulheres, débeis os varões:
- Sírius lhes queima a fronte e os joelhos, e o calor
lhes seca a pele. Oh, possa eu ter, nessa ocasião,
a sombra de uma rocha, vinho bíblino,
pão e leite de cabras que já desmamaram,
e carne de novilha que parou no bosque
e ainda não deu cria, ou, caso falte,
de cordeirinhos do primeiro parto.
E possa eu, para beber o vinho negro,
à sombra me estender, de coração feliz
com o meu banquete, e, dando o rosto ao vento oeste,
junto a fonte perpétua, viva e imperturbada,
mesclar três partes de água e uma de vinho.

Acredita-se que vinho bíblino do poema de Hesíodo é uma versão grega do vinho negro de Biblos (importante cidade fenícia), incensado por seu perfume e por sua cor escura. Era feito principalmente na Trácia, resultado da fermentação de uma variedade conhecida como "bibline".

Vinhos de Biblos

Povo de origem semita, os fenícios habitavam não somente Biblos, mas também Sidon e Tiro, no que é o Líbano de hoje. Os vinhos de Biblos foram muito famosos com os romanos, mas foi apreciado muito antes pela família real egípcia. Enquanto carregamentos de vinhos da Anatólia abasteciam o sul de Canaã, no quarto milêmo a.C., vinhos com destino ao Egito eram embarcados no porto de Biblos, ao norte de onde está a atual Beirute. "Viticultores libaneses reivindicam hoje que a sua uva merwah é a uva do vinho bíblino e que ela está relacionada com a cepa Semillon", escrevem Randall Heskett e Joel Buttler em Divine Vintage (Palgrave Macmillan/2012). A merwaah não é usada mais para vinhos de mesa e sim entra na destilação do raki.

A referência à mistura de água ao vinho, na última estrofe aqui reproduzida, revela um costume dos gregos, muito presente nos simpósios, a reunião de homens entorno do vinho, pós-refeição. Filósofos chegavam a discutir em altos termos a melhor proporção da mistura durante esses encontros movidos a vinho. Embriagar-se aos poucos era uma das regras.Para a diluição do vinho depositado em crateras (três crateras para um grupo de 11 bebedores) era usada uma outra vazia chamada hidria. Na média as misturas variavam de uma parte de vinho para uma de água a cinco de vinho para duas de água.

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