sexta-feira, 5 de julho de 2013

Uvas do jardim de Mandela

Contam que os olhos de Nelson Mandela se acenderam e logo aquele peculiar sorriso se agigantou quando recebeu, pouco depois de seu aniversário de 94 anos, a meia garrafa de The Parable. Mais ainda quando soube de toda empreitada para sua produção. Um ou dois goles de vinho doce era uma prática diária de Mandela às refeições, relata Joanne Gibson em artigo na The World of Fine Wines. Mas o daquela garrafa tinha um gosto muito diferente. O The Parable, afinal, era uma inédita homenagem a Mandela: tinha sido produzido com as uvas colhidas do jardim que ele próprio plantou na ilha Robben, a prisão de segurança máxima onde ficou encarcerado por quase duas décadas. Mandela havia revelado na sua autobiografia Longa Caminhada Até a Liberdade, que logo que chegou a Robben, ilha que fica a 11 quilômetros de Cape Town, tratou de pedir às autoridades permissão para plantar e cuidar de um pequeno jardim num dos pátios da prisão. Muito vento e pouca chuva eram um grande desafio, mas conseguiu colher naquele terroir inóspito pequenos tomates, pimentões e cebolas. Foi também ali, naquele restrito pedaço de terra, que Mandela escondeu outra semente – justamente os manuscritos de seu livro. Quando em 1982 foi transferido de prisão,de Robben para Pollsmoor, Mandela deixou o jardim por conta do amigo Elias Motsoaledi, como ele um dos grandes nomes do ativismo anti-Apartheid. Foi quando as sementes da "árvore de uvas" floresceram. Joanne Gibson conta que, durante uma visita turística à ilha, em 2005, o vinicultor sul-africano Philip Jonker e sua mulher depararam-se com as antigas parreiras, que cresciam "selvagemente" em diversos pontos da prisão. Nascia ali a ideia de produzir com uvas daquelas plantas um vinho em homenagem aos líderes políticos que cuidaram daquele "vinhedo" durante anos. Jonker, da vinícola Weltevrede, em Robertson Valley, primeiro venceu os obstáculos burocráticos, deixando claro que não havia na iniciativa nenhuma intenção de lucro próprio. Depois, venceu os problemas agrícolas. Numa primeira viagem de reconhecimento, em 2008, funcionários da sua vinícola identificaram no total sete parreiras. Ficaram abismados como elas puderam sobreviver ali, num terreno de conchas quebradas, com os fortes ventos do Cabo das Tormentas. Em outra visita de trabalho, foi a vez de podá-las. Em 2010, apareceram os primeiros cachos. Eram 94 no total, contou Jonker, mas nenhum deles sobrou diante da fúria de pássaros do oceano. Na safra seguinte, foram 228 cachos, protegidos com redes, mas todos eles também foram devorados pelos pássaros. A safra usada no The Parable é resultado da colheita de 2012. Foram pesados 180 quilos de uvas colhidas em Robben e cuidadosamente transportadas para as instalações da Weltevedre, a 200 quilômetros dali. Jonker comemorou ainda o fato do vinho ser lançado justamente nos 100 anos da fundação da ANC (sigla em inglês do Congresso Nacional Africano), em 1912, o partido político de Mandela. Além do The Parable, as uvas, de variedades ainda não identificadas, renderam o The Manuscript,feito no tradicional Méthode Cap Classique Brut (o espumante sul-africano). Além de Mandela, receberam a garrafa de 375 ml, o professor Jakes Gerwed, chairman da Fundação Mandela Rodhes, Ahmed Kathrada, chairman do Museu de Robben, e o presidente americano Barack Obama. Restaram só 13 meia-garrafas, que serão vendidas futuramente em leilões para arrecadar fundos para caridade. Circulou o mundo na semana passada uma fotografia de Obama visitando a cela onde Mandela esteve confinado. Da pequena janela, Obama tinha a visão do pátio e também do pequeno e florescente jardim plantado por Mandela. O nome de Mandela está ligado aos vinhos também por meio da vinícola House of Mandela, fundada por suas filhas em 2010. Há quem critique a iniciativa pela exagerada exploração da imagem de Mandela. Apelação na mesma linha da grife de familares, exoticamente batizada com o nome da autobiografia de Mandela. Diário do Comércio de 5/7/2013

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