quinta-feira, 11 de julho de 2013

'Soave' Harry's

O lendário e insuspeito Harry's Bar de Veneza, desde 1931 funcionando na Calle Vallaresso, a dois passos da Piazza San Marco, já recebeu em seu salão escritores, maestros, divas, cineastas, músicos, atores, cantores, coroados, e todo tipo de celebridade (incluindo espivetados turistas). Ali todos são tratados com elegância, principalmente aquela emanada do serviço impecável e da simplicidade dos bons ingredientes, tanto os usados nos famosos drinques quanto os que compõem seus pratos de resistência – filosofia defendida com rigor pelo fundador da casa, Giuseppe Cipriani. O compositor Arturo Toscanini esteve por lá em 1936, quando assinou o livro de ouro da casa, época da criação do disputado drinque Bellini, Prosecco encorpado com purê de pêssegos brancos. Hemingway era freguês de carteirinha e lá batizou de Montgomery "o mais seco e delicioso martini do mundo". O diretor Vittorio De Sica levava ao Harry's a netinha para um cinematográfico Risotto alla Primavera ("com arroz carnaroli, não o arbório"). Nos anos 50, a condessa Amalia Nani Mocenigo chegou ao bar e pediu a Giuseppe um prato de carne crua, rico em ferro, indicado por seu médico diante de uma anemia profunda. Giuseppe foi à cozinha e de lá trouxe finíssimas fatias de carne de boi, cobertas com um molho especial à base de maionese caseira, com traçado à la Kandinsky. Nascia ali o carpaccio, que ganhou esse nome em homenagem ao pintor veneziano Vittore Carpaccio (1460-1525), que em suas obras empregava fortes tons de vermelho. Um coleção de quadros de Carpaccio era exibida em Veneza à época da visita da condessa. Arrigo Cipriani, filho de Giuseppe, tem mantido o charme do Harry's, com sua decoração sóbria de madeira escura, os mármores cinzas do balcão, e certo clima art deco. No restaurante, "que é antes de tudo um bar", estão disponíveis dois vinhos da casa, escolhidos a dedo entre os produtores da região. Chegam à mesa em tradicionais garrafas de vidro e são responsáveis por 80% dos vinhos vendidos no Harry's. O Soave vem de Verona. O Cabernet Sauvignon, do Friuli. "Penso que as pessoas criam um pouco de fetiche em relação ao vinho", escreve Cipriani em The Harry's Bar Cookbook (Bantan Book/2006). Nesse livro, Arrigo conta histórias dos tempos de seu pai e abre segredos de todas as famosas receitas do Harry's, incluindo a do "molho universal" usado no carpaccio. Os garçons são orientados a fornecer a carta de vinhos apenas àqueles que insistem. Cipriani tem pavor dos comensais que pedem vinhos caros por puro esnobismo. Mas é claro que, "para quem sabe o que quer e está preparado para pagar por isso, nós temos uma relativamente pequena, mas cuidadosamente selecionada lista de vinhos finos", italianos e americanos (certamente em homenagem ao Harry que foi o primeiro sócio de seu pai e que lhe valeu o nome de Arrigo). Para acompanhar o emblemático presunto com figo, Arrigo sugere um Tocai (Jermann) ou um Chardonnay (Kendall-Jackson). Para a versão veneziana do Croque Monsieur (frito em óleo de oliva), Soave (Anselmi) e Chardonnay (Pindar). A sopa de cardo, segundo Arrigo, deve ser escoltada por um Chardonnay (Lungarotti) ou um Fumé Blanc (Valley Oaks Fumé/Fetzer). Para o Tagliolini con Tartufi, Barolo "Zonchera" (Ceretto) ou um Cabernet (Clos du Val). E para o seu famoso carpaccio, Arrigo? Um italianíssimo Vintage Tunina (Jerman) ou um vinho da americana Zinfandel (Fetzer). Diário do Comércio de 12/7/2013

Nenhum comentário: