sexta-feira, 14 de março de 2014

Galerias de vidro

Os rótulos de vinho ascendem cada vez mais a status de arte. Sua "contemplação" tem se transformado em plataforma de "aquecimento" dos sentidos, tanto diante de uma prateleira como numa sessão de degustação. Assim, a "viagem" do vinho pode muito bem começar na compra do bilhete, antes da garrafa aberta. Os vinicultores sabem muito bem disso. Enquanto os mais famosos chatêaux franceses ainda mantêm nas garrafas as "fotografias" das casas de origem, evocando em gravuras sua calcárea tradição, jovens espanhóis, portugueses e americanos apostam até mesmo em modernos "selfies" para seus rótulos. Outros, certamente não se importando com anacronismos, dão espaço a elementos da cultura de massa, dos qua drinhos, do cinema, libertando-se da ditadura do "design de terroir". Uma seleção comentada desses rótulos foi reunida por Tanya Scholes em The Art and Design of Contemporary Wine Labels (Santa Monica Press/2010). O canadense Alain Laliberte, que tem uma coleção de mais de 160 mil rótulos guardada em Ontário e é candidato natural ao Guinness Book de Recordes, conhece bem os esforços de produtores, principalmente os das novas gerações, em criar seus rótulos-arte, geralmente com assessoria de escritórios especializados nesse tipo de design. "É marketing, sim", diz Laliberte. Podem não ter relação direta com o conteúdo da garrafa, mas nada impede que tanto rótulo e bebida sejam companheiros no quesito qualidade. Gabriele Micozzi, professor de marketing na Universidade Politécnica de Marche, na Itália, escreve em L'importanza dell'etichetta, que modificar uma embalagem pode incrementar o turnover anual da empresa em quase 170%. A reconhecida vinícola brasileira Lídio Carraro, em Bento Gonçalves, tem belos rótulos, mas orgulha-se mesmo é do logotipo da casa: um cacho de uva que é ao mesmo tempo m um mapa do Brasil. A vinícola Routhier & Darricarrère, em Rosário do Sul, na Campanha gaúcha, foi premiada pela Associação Brasileira de Embalagem pelo rótulo do aclamado "vinho da kombi", desenhado por Gabriela Darricarrère, diretora de marketing da vinícola. Na receita de marketing do crítico inglês Peter F. May, um "viciado" em Pinotage, não pode faltar humor, que, reforça, "não é o oposto de seriedade". May é autor do pocket book Marilyn Merlot and Naked Grape (Quirk Books/2006), com alguns rótulos dos mais inusitados. Um dos campeões de criatividade é o americano Randall Graham, que fez inteligentes interferências nos tradicionais rótulos de châteux, como em Le Cigare Volant. Um campeonato de rótulos em Quebéc, em 2013, no qual Laliberte foi um dos jurados, premiou a estampa do ice wine Coldhearted Riesling 2007, com seu divertido homem de cachecol. As garrafas de vinho transformaram-se em galerias de vidro desde que, em 1927, o barão Phillippe de Rothschild passou a convidar artistas para desenhar seus rótulos. Chagall, Picasso, Miró, Braque, o pop Andy Warhol (que imortalizou o próprio barão), criaram desenhos inéditos para as garrafas, inaugurando uma tradição mantida até hoje, com novas safras de artistas. As de 2011 trazem desenho do francês Guy de Rougemont. Valorizados estão, então, não só os vinhos do Châteaux Mouton Rothschild, como suas "obras de arte". Confira algumas décadas dessa história de original "mecenato" em Mouton Rothschild - Paintings for the Labels (1945-1981),/New York Society Book/1983. DC de 14/03/2014

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